quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Aplicação de Facebook lança concurso que oferece fama... ao primeiro a morrer






Aplicação de Facebook lança concurso que oferece fama... ao primeiro a morrer

inShareA fama que muitos procuram uma vida inteira é o grande prémio de um concurso organizado no Facebook, por uma empresa detentora de uma aplicação para esta rede social. Para ganhar o prémio basta... ser o primeiro a morrer.
A macabra competição é a última campanha lançada pela empresa israelita que é dona da aplicação 'If I Die' (Se eu morrer, na tradução para português), e que oferece aos seus utilizadores a possibilidade de gravar uma mensagem a ser publicada no seu mural em caso de falecimento.

"Tivemos esta ideia desde o primeiro dia em que pensámos em criar este serviço", disse à agência espanhola EFE o fundador da empresa Eran Alfonta, que em 2010 pôs em marcha o projeto 'If I Die' enquanto página na Internet, e que em 2011 se transformou numa aplicação para o Facebook.

O concurso agora lançado com base na aplicação chama-se 'If I Die First' (Se eu morrer primeiro, na tradução em português).

"Acreditamos que todas as pessoas têm direito a que as suas últimas palavras sejam conhecidas, que o seu legado seja público e consideramos que um concurso seria o apropriado para que a aplicação tivesse impacto", disse Alfonta.

Os requisitos para participar nesta corrida à popularidade, antes de chegar ao derradeiro passo -- o túmulo -- são simples: estar vivo, ter uma conta no Facebook, instalar a aplicação, entrar na opção 'For a chance to World Fame' (por uma oportunidade pela fama mundial, na tradução para português) e deixar uma mensagem para a posteridade.

O primeiro utilizador a morrer terá o seu testemunho póstumo publicado em revistas e outros media internacionais que colaborem com a campanha, assim como em páginas na Internet como 'Mashable', uma página muito focada nos media sociais, tecnologia e entretenimento e que tem mais de 20 milhões de visualizações por mês.

A inscrição no concurso é gratuita, está ativa desde sábado passado e desde então já mais de 1.200 pessoas aceitaram as regras do jogo, que deixam muito claro que provocar a própria morte é fazer batota.

"Se houver alguma suspeita de que se trata de suicídio ou morte deliberada, então não se publicará a mensagem. Temos uma política antisuicídio muito rigorosa", frisou Alfonta, que pretende evitar que 'If I Die' se transforme num meio de incentivar ou suavizar a morte, ainda que a tente retratar com sentido de humor.

"Achamos que toda a gente devia gravar uma mensagem no 'If I Die', porque nunca se sabe...", disse Alfonta.

A forma como a aplicação trata o tema da morte já valeu ao fundador da empresa israelita diversas críticas, a que não atribuiu importância e rebateu afirmando que se as pessoas usam o Facebook para a sua vida social, então também têm o direito de morrer lá.

"O Facebook faz parte da nossa vida social, nós acrescentámos um serviço de morte digital", declarou.

A aplicação, já com mais de 213 mil utilizadores desde que estreou na rede social criada por Zuckerberg em 2011, apenas registou dois falecimentos.

"Impressionou-nos o emotivas que eram as suas mensagens, de despedida, ambas de pessoas que estavam doentes e que sabiam que não lhes restava muito tempo. Uma delas deixou uma mensagem em vídeo, a outra um texto", contou Alfonta.

Os responsáveis pela aplicação e pelo concurso estimam que o vencedor seja conhecido dentro de 19 meses.

"Não queremos que aconteça rapidamente, mas certamente algum dos nossos utilizadores morrerá", concluiu Alfonta.

Diário Digital/Lusa
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Morte e filosofia
Autor: Israel de Alexandria

Sumário
1. A morte e o ato de pensar
2. A morte de Sócrates
3. A morte na filosofia existencialista
    3.1. Jean-Paul Sartre (1905-1980). A morte é mera faticidade.
    3.2. Martin Heidegger (1888-1976). A morte é um principium individuationes
    3.3. Karl Jaspers (1883-1969). A morte é uma situação-limite.
    3.4. Sören Kierkegaard (1813-1855). A morte é uma tragédia solitária.


1. A morte e o ato de pensar
A reprodução da pintura da Dança dos mortos que ficava num dos muros do Cimetière des Innocents (1424) em Paris, mostrando cada pessoa dançando com a sua própria morte, simboliza a convivência permanente do homem com a morte. Essa convivência só é possível porque, além de ter em comum com os animais o vivenciar da morte enquanto acontecimento, o homem experimenta a sua companhia no plano do pensamento. Essa última forma de vivenciar a morte é a que mais nos interessa pois o acontecimento da morte é comum a todos os seres, mas o pensamento da morte é exclusivo do homem. É pelo pensamento que o homem pode vivenciar a presença da morte sem acontecer de morrer de fato e essa é mais uma das razões pela qual permitimo-nos falar da morte.
O que significa pensar? Entende-se por pensamento a capacidade de interromper toda ação, todas as atividades habituais. Um objeto de pensamento é sempre uma re-presentação, isto é, a presença de algo no espírito sem a necessidade de que este algo esteja simultaneamente presente na realidade. É a faculdade de pensar o meio pelo qual o homem voluntariamente se retira desse mundo. "A característica principal do pensamento é interromper toda ação, todas as atividades habituais, sejam elas quais forem"[1]. Valéry resume bem essa idéia ao dizer tantôt je suis, tantôt je pense[2]. Sem ser platônico, poderíamos de fato dizer que há dois mundos: o do pensamento e o das atividades habituais do cotidiano. A relação íntima entre o ato de pensar, a filosofia e a morte está em que o filósofo é alguém que se habituou ao ato de pensar e, se entendemos que a morte é a interrupção de toda ação, pensar é parecido com morrer.
Se o ato de pensar, não importando sobre o que se pensa, já é parecido com a morte, o que se deve dizer do pensar sobre a morte? Este pensar tem um efeito duplicado porque a "interrupção das atividades habituais" é intensificada em dobro: primeiro porque qualquer pensamento é já interrompedor; segundo porque esse objeto pensado chamado morte — especialmente nos dias atuais em que o tema parece estar banalizado — não faz parte das atividades habituais da maioria das pessoas.
Esse pensamento de efeito duplicado induz a uma interrupção tão radical das atividades habituais que pode resultar numa concepção invertida da ordem dos mundos. O indivíduo passa a acreditar que são as atividades habituais que interrompem o ato de pensar e o "mundo do pensamento" passa a ter primazia em relação ao "mundo das aparências". Essa inversão é característica de Platão, pensador para quem filosofar é meditar sobre a morte. Para ele, estava claro que, "se desejamos saber realmente alguma coisa, é preciso que abandonemos o corpo", esse fardo que perturba nossas investigações, pois "o corpo jamais nos conduz a algum pensamento"[3]. Viver no "mundo das idéias" foi, para Platão, uma experiência de fato. Ele realizou a inversão, ou seja, passou a considerar como atividade habitual o ato de pensar e como interrupção os demais atos da vida. A tendência dos filósofos que realizam tal inversão é acreditar na existência autônoma do pensamento e, em certos casos, na capacidade de pensar sem precisar de corpo, sendo portanto necessário conceber uma alma pensante que sobrevive à morte física. Em Platão, todas essas tendências estão presentes.
Todo pensamento começa e acaba no espírito sem deixar nenhum sinal aparente, isto faz do ato de pensar um ato espiritual e reflexivo, pois reflexão é o ato em que o agente remete a si mesmo. É a reflexividade que faz com que o pensamento seja um interruptor da nossa vida no mundo habitual, no mundo das aparências.
Sob o ponto de vista da reflexividade, imaginemos o que significaria pensar sobre a própria morte. Além da reflexibilidade vinculada ao próprio ato de pensar, acrescente-se a que vem disto que chamamos "própria morte", a qual: a) não apresenta qualquer sinal aparente; b) pertence exclusivamente à vida interior do espírito e; c) é capaz de interromper as atividades habituais.
Pensar sobre a própria morte é pensar hiper-reflexivamente porque é sobre algo que está exclusivamente "dentro de nós". Não é o mesmo que simplesmente pensar sobre a morte, que pode implicar em se estar pensando sobre algo "fora de nós" como a morte dos outros ou a morte de uma maneira geral. Uma questão se coloca aqui: O hábito de pensar hiper-reflexivamente (o pensar sobre a própria morte) implicaria necessariamente na negação da sociabilidade humana?

2. O ato de pensar, segundo Sócrates
Em Sócrates, esse ateniense que nada escreveu, mas ficou famoso por suas conversas em praça pública de Atenas, temos um bom exemplo de como o ato de pensar pode estar perigosamente relacionado com a morte. O pensamento é, para ele, uma espécie de dois-em-um em que o eu conversa com um outro eu, o ato de pensar é um diálogo consigo mesmo, um solilóquio no qual o homem só sente prazer se for amigo de si mesmo, se não entrar em contradição consigo mesmo. O homem que não é amigo de si mesmo, que se contradiz, não gosta de pensar. A coerência interna do pensamento e a harmonia entre o eu consigo mesmo eram a mesma coisa para Sócrates e juntas consistiam naquilo que era para ele o valor mais supremo, por isso que ele preferiu morrer a contradizer-se, preferiu ser condenado a beber cicuta a admitir uma acusação que a sua consciência dizia não ter procedência, preferiu discordar do mundo a discordar de si mesmo. Essa é uma das razões pelas quais o homem que gosta de pensar, porque é amigo de si mesmo, corre grande perigo quando se expõe.

3. A morte na filosofia existencialista
Numa sociedade de massa, que tende a anular as singularidades dos indivíduos, o pensamento da morte passa a exercer a função de fazer com que cada homem perceba que é único. A filosofia existencialista tem o mérito de ser uma linha de pensamento filosófico comprometida com tal função.
O ponto-chave da filosofia da existência é seu conceito de tempo. A tradição preexistencialista imaginava o tempo como algo anterior e posterior ao homem, visto que este nasce e morre "no meio do tempo". No existencialismo, considera-se a impossiblidade do homem imaginar um tempo em que ele não esteja presente — tanto no passado como no futuro — para daí deduzir que não faz sentido falar sobre o tempo como algo fora e independente do homem. Esse homem identificado com o tempo passou a ser chamado de existenz (o existente, o homem-tempo), o objeto de estudo da filosofia existencialista. O modo de ser do existenz é chamado existência. Não se pode falar da existência de uma pedra, pois ela não é um existenz, no máximo poderíamos chamá-la de ente. Tecnicamente falando, só o homem (existenz) existe.
Na análise do significado da morte para o existenz, destacamos algumas contribuições de pensadores da linha existencialista:
3. 1. Jean-Paul Sartre (1905-1980). A morte é mera faticidade.
Sartre dedicou-se ao problema da liberdade. Para ele, não há algo como uma natureza mortal necessária ao conceito de homem ou uma ordem cósmica que impõe a exigência absoluta e metafísica de que todo homem morra. A frase todo homem é mortal teria o mesmo sentido de todo homem é natal, isto é, a morte não será necessária para o indivíduo assim como não foi necessário que ele nascesse. O nascimento é um fato idêntico ao da morte. São ambos fatos ocasionais — podem ou não acontecer — e quando acontecem fazem, respectivamente, aparecer e desaparecer o indivíduo do palco do mundo. A morte de alguém é algo que não tem qualquer significado para a sua própria vida — nem é sequer um fato da vida — ela simplesmente acontece e tira-o do mundo. A existência humana ocorre em meio aos nadas (ou ao único nada?) cujos limites são o nascimento e a morte. O principal aspecto do existenz é o fato de estar condenado a ser livre, ele é o ser que se cria a partir de nenhum fundamento, nenhuma certeza, nenhuma verdade a não ser a de que ele é absolutamente livre.
3. 2. Martin Heidegger (1888-1976). A morte é um principium individuationes
Heidegger dá ênfase ao sentimento de angústia do homem diante da morte. A angústia da morte é algo que altera tão radicalmente o homem que o transforma em existenz, o único ser autêntico, o único ser individual, o único ser realmente mortal. Todos os seres vivos morrem, é verdade, mas vivem e morrem enquanto espécie, não podem ter consciência da mortalidade individual. O existenz, entretanto, já não existe como espécie e sim como indivíduo. A angústia diante da própria morte libera, individualiza e destaca o existenz do homem-massa, eleva o homem-espécie à condição de um existente autêntico.
3. 3. Karl Jaspers (1883-1969). A morte é uma situação-limite.
Semelhante a Heidegger, o filósofo e psicanalista Karl Jaspers verá na morte um componente importante para a estrutura interna do homem. Ele a define como uma situação-limite, conceito que convida a uma abordagem mais psicanalítica que filosófica. Situações-limite são aquelas em que o homem "se acha como na frente de um muro contra o qual bate sem esperança"[4]. Pode ser um "dever tomar a seu cargo uma culpa", um "não poder viver sem luta e sem dor", etc. Nessas situações, o homem é convidado a sair do anonimato da espécie para assumir sua autenticidade, forjar e construir sua vida segundo um plano próprio, não se perder nem se deixar levar pela massificação, pela frivolidade, pela tagarelice, enfim, a metamorfosear-se em existenz através da angústia em torno das situações-limite.
3. 4. Sören Kierkegaard (1813-1855). A morte é uma tragédia solitária.
Para entender Kierkegaard, é interessante reproduzir esse trecho extraído do Livro das reflexões:
Perguntaram a um adolescente como ele gostaria que acontecesse a sua morte: "quero morrer dormindo e quando acordar já estar morto". Essa resposta aparentemente ingênua está ligada a um outro relato da experiência de espanto ocorrida com um atleta que narrou o seguinte: "sonhei que eu estava no estádio, lá embaixo, correndo na área central, mas... quem era o eu que estava na platéia me assistindo?" A resposta do adolescente e o espanto do atleta reforçam na verdade a antiga tese de que o eu é plural, um dos pilares da teoria da imortalidade do eu.[5]
A tese da pluralidade do eu é absolutamente rejeitada por Kierkegaard que, contra ela, levanta a da unicidade do eu (eu-sou-apenas-um). No post mortem, não haverá um outro-eu que tenha consciência da própria morte. Essa solidão kierkegaardiana equivale à liberdade sartriana, à angústia heideggeriana e ao não-anonimato de Jaspers: isola o indivíduo do homem-massa, criando oexistenz.
Na tragédia da solidão radical, de uma existência sem certezas, o existenz faz a escolha fundamental: o suicídio ou a fé. Não a fé das certezas, mas a fé paradoxal que, na relação oculta com Deus, se movimenta, ao mesmo tempo, num crer-e-não-crer, afinal Deus é aquele para o qual tudo é possível, até mesmo o negar da dádiva da fé.

Bibliografia específica
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed. Trad. por Alfredo Bosi et al. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
ARENDT, Hannah. A Dignidade da Política: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.
_______________. A Vida do Espírito: o Pensar, o Querer, o Julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
HEIDEGGER, Martin. Que significa pensar? Buenos Aires: Nova, 1964.
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971.
PLATÃO. Fédon ou da alma. Trad. por Márcio Pugliesi e Edson Bini. São Paulo: Hemus Editora. [199-]
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: ensaios de ontologia fenomenológica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

Notas
[1] Hannah Arendt. A dignidade da política: ensaios e conferências. p. 149.
[2] Do francês: "ora sou, ora penso".
[3] Platão. Fédon ou da alma. São Paulo: Hemus. 66 bcd.
[4] Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. p. 877.
[5] Fiz, aqui, uma brincadeira ao gosto de Saramago. O Livro das reflexões a que me reportei não existe!


©2002. Israel de Alexandria