quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Teste 2 - 10º ano - Modelo





Matriz teste 2

Nota: neste teste é obrigatório o uso de folha de teste.
Seja original e crítico nas suas respostas.
O teste terá a duração de 90 minutos.

Critérios gerais de correção de testes sumativos

Teste modelo

Esclarecimento de dúvidas por email - clicar aqui.
(até 24 horas antes do teste - deve indicar o nome, nº. e turma)


Conteúdos:

1. Abordagem introdutória à filosofia e ao filosofar.
1.1.1. O que é a filosofia?
1.1.2. A definição etimológica do termo 'Filosofia'.
1.1.3. O texto "Em frente da lei" - análise da atitude do camponês em contraste com a atitude filosófica.
1.1.4. A alegoria da caverna.
1.1.5. O espanto como a origem da filosofia: a importância filosófica do reconhecimento da ignorância.
1.1.6. O exemplo de Sócrates.
1.1.6.1. O método socrático.
1.1.7. A especificidade da filosofia.
1.1.7.1. A filosofia como uma atividade crítica.
1.1.7.2. A filosofia como um saber problematizante.

1.2. Quais são as questões da filosofia?
1.2.1. Os diversos tipos de questão.
1.2.1.1. As características das questões filosóficas: a) respostas abertas ao questionamento (as questões filosóficas nunca têm uma resposta unívoca; b) universalidade; c) abstração.
1.2.1. Senso comum, ciência e filosofia.
1.2.1.1. As principais características do senso comum.
1.2.1.2. A filosofia e a ciência enquanto saberes racionais.
1.2.1.2.1. A filosofia e a ciência como saberes que buscam a verdade.
1.2.1.2.1. A filosofia como uma visão integradora do saber (totalizante), distinta da visão parcelar (especializada) da ciência.
1.2.1.3. As principais características da filosofia: radicalidade, autonomia, historicidade e universalidade.

1.3 - A dimensão discursiva do trabalho filosófico.
1.3.1. Instrumentos lógicos do pensamento.
1.3.1.1. Conceptualizar: o significado da conceptualização e a natureza formal dos conceitos (a definição de conceito como "a representação abstrata da essência (natureza) de uma classe de objetos").
1.3.1.1.1. A extensão e a compreensão dos conceitos.
1.3.1.1.2. A definição dos conceitos: as regras da definição.
1.3.2. A Razão a a racionalidade.
1.3.2.1. Os Princípios Lógicos da Razão: Identidade; Não-contradição e Terceiro Excluído.
1.3.2.1.1. O Princípio da Razão Suficiente.
1.3.3. A proposição.
1.3.3.1. Os diversos tipos de proposição (A,I,E,O).
1.3.3.1.1. A forma normal.
1.3.4. Os argumentos.
1.3.4.1. As premissas e a conclusão.
1.3.4.2. Os diversos tipos de argumento.
1.3.4.2.1. Os argumentos dedutivos e a validade dedutiva.
1.3.4.2.2. Os argumentos não dedutivos (indutivos, por analogia e de autoridade) e os critérios a que têm que obedecer os argumentos para poderem ser considerados bons.
1.3.4.2.3. Análise crítica de argumentos.

2.1. A ação humana - Análise de compreensão do agir.
2.1.1. Distinção entre ação e acontecimento;
2.1.2. A rede conceptual da ação;
2.1.2.1. A distinção entre fazer e agir. A distinção entre atos voluntários e atos involuntários;
2.1.2.1.1. A distinção entre atos voluntários e atos involuntários;
2.1.2.1.1. Os elementos constitutivos da ação: agente, motivo, intenção e consequências da ação;
2.1.2.1.2. O comportamento humano e o comportamento animal;
2.1.2.1.2.1. A imprevisibilidade do comportamento humano: a liberdade da vontade;
2.1.2.1.2.2. O processo decisório.

Conceitos:
Acontecimento
Ação
Agente
Autonomia    Atitude Filosófica      Alegoria  
Argumento   Argumentos dedutivos   Argumentos indutivos   Argumentos por analogia
Argumentos de autoridade
Ato reflexo
Causa
Conceito       Conclusão
Cópula
Consciência
Consequências (da ação)
Comportamento  (comportamento animal/ comportamento humano)
Compreensão (dos conceitos)
Contrárias
Contraditórias
Crítica  
Deliberação    Decisão
Determinismo
Dúvida
Especificidade   (especificidade da Filosofia)
Estímulo
Extensão (dos conceitos)
Fazer
Filosofia  
Historicidade      Heteronomia
Instinto
Intenção
Involuntário (ato involuntário)
Liberdade
Método
Motivo
Oposição
Particular
Pensar   (pensar por si próprio)
Predicado
Premissa
Princípios lógicos da Razão      Princípio da Identidade    Princípio da Não-contradição   Princípio do Terceiro Excluído
Proposição     Tipos de Proposição   Elementos das proposições
Problema     Pressuposto(s)
Radicalidade    
Razão
Reação  
Reflexão
Resposta
Subalternas
Subcontrárias
Sujeito (de uma proposição)
Senso Comum
Universal
Universalidade
Utilidade da Filosofia
Voluntário  (ato voluntário)
Tese
Quadrado lógico
Questão    (os diversos tipos de questão)    (as questões filosóficas)
Quantificador
Validade
Verdade
Vontade

Objectivos:
1. Definir etimologicamente o termo 'Filosofia';
2. Caracterizar a filosofia como uma busca da verdade;
3. Caracterizar o senso comum;
4. Distinguir a filosofia do senso comum;
5. Caracterizar a filosofia a partir das suas principais características (radicalidade; autonomia; historicidade e universalidade);
6. Distinguir a Filosofia e a Ciência;
7. Confrontar a filosofia com a ciência tendo em conta o objecto de cada um destes saberes ("A filosofia visa a totalidade do real");
8. Explicar a alegoria da caverna;
9. Definir o conceito de problema;
10. Identificar os diversos tipos de questão utilizados na Filosofia;
11. Distinguir as questões filosóficas dos outros tipos de questão;
12. Explicar a atitude filosófica;
13. Reconhecer que a filosofia é um saber pessoal e a ciência, um saber objetivo (impessoal);
14. Problematizar a utilidade da Filosofia;
15. Identificar problemas filosóficos:
16. Definir conceitos tendo em conta as regras da definição;
17. Reduzir proposições à forma normal;
18. Identificar os diversos tipos de proposição (A, I, E, O);
19. Compreender o quadrado lógico da oposição;
20. Inferir o valor de verdade de proposições a partir da sua relação de oposição;
21. Relacionar proposições tendo em conta o tipo de oposição (proposições contraditórias, contrárias ou subcontrárias e subarternas);
22. Definir a Razão;
23. Explicar a importância da racionalidade;
24. Definir a Lógica e identificar as suas principais funções;
25. Explicitar os princípios lógicos da razão (identidade, não contradição, terceiro excluído);
26. Compreender o princípio da razão suficiente;
27. O definir conceitos tendo em conta as regras da definição;
28. Definir o conceito de argumento;
29. Compreender o conceito de verdade (das proposições) - A verdade como a adequação do pensamento à realidade;
30. Compreender o conceito de validade (dos argumentos);
31. Identificar premissas e conclusão dos argumentos;
32. Identificar os diversos tipos de argumento (argumentos dedutivos, indutivos, por analogia e de autoridade);
33. Reconhecer que os nos argumentos dedutivos válidos, se as premissas são verdadeiras, a conclusão não pode ser falsa;
34. Explicar porque é que nos argumentos indutivos a verdade das premissas não é suficiente para fundamentar a verdade da conclusão (a conclusão de um argumento indutivo é sempre plausível, ou seja, pode vir a ser posta em causa);
35. Definição do conceito de contraexemplo (para refutar uma tese universal, basta apresentar um exemplo que a contradiz);
36. Aplicar critérios de análise de argumentos na análise crítica de argumentos (ver a "grelha para análise de um argumento");
37. Problematizar e identificar problemas filosóficos;
38. 15. Identificar os diversos elementos constitutivos da ação (os conceitos da ‘rede conceptual da ação’);
39. Relacionar os conceitos de acontecimento e ação;
39. Definir e relacionar os conceitos de agente, motivo, intenção e consequências (da ação);
40. Distinguir atos voluntários e involuntários;
41. Reconhecer que os atos involuntários podem ser conscientes ou inconscientes;
42. Definir a ação como ato voluntário;
43. Reconhecer que os atos voluntários são sempre conscientes;
44. Explicar a deliberação enquanto processo decisório;
45. Explicar porque é que o comportamento humano não é (totalmente) previsível;
46. Reconhecer a existência da liberdade como fator decisivo na produção da ação humana;
47. Identificar os pressupostos de teses (opiniões);
48. Posicionar-se criticamente perante teses (opiniões);
49. Posicionar-se criticamente perante argumentos;
50. Interpretar textos filosóficos, identificando problema, tese e argumentos;
51. Construir argumentações sólidas.

Recursos:



Recursos digitais



Estrutura do teste:

Grupo I - 10 a 20 questões de escolha múltipla.
         
Grupo II - 3 subgrupos:
           II.1. Redução de proposições à forma normal e identificação do tipo de proposição.
           II.2. Exercícios de oposição entre proposições (com a apresentação de opostas e/ou relação entre valores de verdade).
           II. 3. Análise argumentos (identificação de premissa e conclusão, identificação do tipo de argumento e análise crítica de argumentos).

Grupo III - 2 subgrupos:
           III.1. Análise de um texto tendo em conta:
              a) o tema/problema;
              b) a tese;
              c) os argumentos (com a possível identificação do tipo de argumento);
              d) posição crítica perante os argumentos.
           III.2. Análise de um texto sobre a temática da ação (com 1 ou 2 questões de resposta restrita).

Grupo IV - 1 questão de desenvolvimento (que pressupõe a colocação de uma questão,  a formulação de uma tese e a elaboração de argumentos que sustentem a tese).

Noções Básicas de Lógica (10º ano) - Exercícios














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sábado, 29 de outubro de 2016

Filosofia para Totós



“Só desejo que a filosofia possa aparecer perante os nossos olhos em toda a sua unidade, tal como, nas noites sem núvens, toda a extensão do firmamento está estendida perante nós para a admirarmos! Essa seria uma visão próxima à que temos do firmamento. Pois então decerto que a filosofia iria extasiar todos os mortais que a amam; devíamos abandonar todas aquelas coisas que, na nossa ignorância acerca do que é realmente importante, nós acreditamos que são importantes [sem o serem].
Séneca (Filósofo estóico do século I d.C.).

Filosofia para Totós? Que conceito! É o oxímoro, uma contradição nos termos, ou pelo menos uma contradição evidente, um exercício de futilidade, tal como “Cálculo Avançado para Imbecis”, ou “Neurocirurgia para Desastrados”?

Não. De forma nenhuma. O filósofo antigo Sócrates (século V a.C.), ensinou que, quando estão em causa as Questões Últimas (as questões mais importantes) todos nós começamos por ser totós. Mas se estivermos humildemente conscientes do quão pouco de facto sabemos, então poderemos, de facto, começar a aprender.

De facto, Platão  (cerca de 428-347 a.C.), o mais próximo discípulo de Sócrates, conta-nos uma história interessante sobre o seu mestre: diz-nós que Sócrates soube que o oráculo de Delfos tinha dito que ele era o homem mais sábio de Atenas. Chocado com este anúncio inesperado, começou a procurar os homens que em Atenas tinham a maior reputação de serem sábios e começou a questioná-los de forma intensiva. Depressa descobriu que, em relação a assuntos-chave e verdadeiramente importantes, eles, realmente, pouco ou nada sabiam acerca daquilo que estavam convencidos conhecer. Com base nesta experiência, ele lentamente começou a compreender que a sua própria sabedoria deveria consistir na sua consciência de quão pouco de facto sabia acerca das coisas que mais importam e o quanto é importante procurarmos tudo o que pudermos acerca desses assuntos. Não é o intelectual arrogante é convencido que dá mostras de ter sabedoria, mas aquele que procura a verdade com uma curiosidade autêntica e com uma mente genuinamente aberta. [...]

A palavra filosofia significa apenas “amor à sabedoria”. Isto é fácil de entender quando compreendemos que o amor é um compromisso e que a sabedoria é procurarmos ver a vida por dentro, [de forma plenamente consciente]. A filosofia é, no seu melhor, um compromisso apaixonado de procurar e abraçar as verdades mais fundamentais e as perspectivas mais penetrantes sobre a vida.

Aristóteles (384-322 a.C) também teve uma compreensão profunda que nos pode também guiar aqui. Este grande pensador, discípulo de Platão durante muitos anos e preceptor de Alexandre o Grande (muito antes de ele ser conhecido dessa forma, uma vez então ainda era o pequeno Alexandre), escreveu numa das suas obras mais importantes que “a filosofia começa com o espanto”. E ele estava certo. Se nos permitirmos sentir espanto acerca das nossas vidas, acerca daquelas coisas que temos como garantidas, e acerca daquelas grandes questões que frequentemente conseguimos  ignorar à medida que nos entregamos aos afazeres corriqueiros da vida quotidiana, estaremos a começar a comportar-nos como verdadeiros filósofos. Se pensarmos empenhadamente nessas questões e disciplinarmos o nosso raciocínio, de tal forma que possamos fazer verdadeiros progressos, começaremos a agir como bons filósofos. Mas não podemos verdadeiramente agir como filósofos se não começarmos a viver de acordo com as nossas descobertas filosóficas. Para sermos filósofos no sentido mais profundo, temos que pôr em ação a nossa sabedoria.\

Tom Morris, Philosophy for Dummies.

Critérios gerais de correção dos testes sumativos

terça-feira, 25 de outubro de 2016

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A Filosofia e a Ciência



No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia, sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores da indagação humana. Nesse sentido, os filósofos Tales e Pitágoras eram também geómetras, e Aristóteles escreveu sobre física e astronomia.
Na ordem do saber estipulada por Platão, o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para só então ser capaz de atingir o nível mais alto do saber filosófico.
A partir do século XVII, a revolução metodológica iniciada por Galileu promove a autonomia da ciência e o seu desligamento da filosofia. Pouco a pouco, desse período até o século XX, aparecem as chamadas ciências particulares - física, astronomia, química. biologia, psicologia, sociologia etc. -, delimitando um campo especifico de pesquisa.
Na verdade, o que estava a ocorrer era o nascimento da ciência, como a entendemos modernamente. Com a fragmentação do saber, cada ciência ocupa-se de um objeto especifico: à física cabe investigar o movimento dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações substanciais, e assim por diante. Além da delimitação do objeto da ciência, acrescenta-se o aperfeiçoamento do método científico, fundado sobretudo na experimentação e matematização do real. 
O confronto dos resultados e a sua verificabilidade permitem uniformidade de conclusões e, portanto, objetividade. As afirmações da ciência são chamadas juízos de realidade (ou juízos de facto), já que, de uma forma ou de outra, pretendem mostrar como os fenómenos ocorrem, quais as suas relações e, consequentemente, como prevê-los.
A primeira questão que nos assalta é imaginar o que resta à filosofia se ao longo do tempo foi "esvaziada" do seu conteúdo pelo aparecimento das ciências particulares, tornadas independentes. Ainda mais que, no século XX, até as questões referentes ao homem passam a reivindicar o estatuto de cientificidade, representado pela procura do método das ciências humanas.
Ora, a filosofia continua a tratar da mesma realidade apropriada pelas ciências. Apenas que as ciências se especializam e observam "recortes" do real, enquanto a filosofia nunca renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. A visão da filosofia é de conjunto, ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial, mas sempre sob a perspectiva de conjunto, relacionando cada aspecto com os outros do contexto em que está inserido.
Se a ciência tende cada vez mais para a especialização, a filosofia, no sentido inverso, quer superar a fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à alienação do saber parcelado. Por isso a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo entre as diversas formas do saber e do agir.
O trabalho da filosofia sob esse aspecto é importante e, sem negar o papel do especialista nem o valor da técnica que deriva desse saber, é preciso reconhecer que o saber especializado, sem a devida visão de conjunto, leva à exaltação do "discurso competente” e às consequentes formas de dominação.
A filosofia ainda se distingue da ciência pelo modo como aborda o seu objeto: em todos os setores do conhecimento e da ação, a filosofia está presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e desse agir. Então, por exemplo, se a física ou a química se denominam ciências e usam determinado método, não é da alçada do próprio físico ou do químico saber o que é a ciência, o que distingue esse conhecimento de outros, o que é o método, qual a sua validade, e assim por diante. Eles até podem dedicar-se a esses assuntos, mas, quando o fazem, passam a colocar-se questões filosóficas. O mesmo acontece com o psicólogo ao usar, por exemplo, o conceito de homem livre. Indagar sobre o que é a liberdade é fazer filosofia.
[...] A filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas juízos de valor. O filósofo [...] não vê apenas como é [a realidade humana], mas como deveria ser. Julga o valor da ação humana [em todos os seus horizontes], sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando, introdução à Filosofia. 2ª. São Paulo: Editora Moderna, 1993. 

domingo, 16 de outubro de 2016

Interpretação da alegoria da caverna



Platão escreveu esta alegoria há mais de dois mil anos mas ela permanece importante para nós porque nos diz muito sobre o que a filosofia é.

Em primeiro lugar, na alegoria, a filosofia corresponde a uma atividade, a uma viagem que nos deve conduzir do fundo da caverna em direção à luz.

Sendo uma atividade, a filosofia não é um simples conjunto de teorias. É evidente que os filósofos produziram muitas teorias sobre muitas questões fundamentais. Mas não se trata em filosofia de estudá-las para simplesmente as memorizar. Vais estudá-las, em vez disso, para aprender como se faz filosofia. Ao compreenderes como alguns dos melhores filósofos fizeram filosofia, ao considerares os problemas a que tentaram responder com as suas teorias e o modo como construíram essas teorias terás ao teu dispor um instrumento precioso para saber o que é filosofar e para aprenderes a filosofar.
Em segundo lugar, a alegoria da caverna de Platão mostra-nos que a filosofia (sair da caverna e regressar a esta) é uma atividade difícil. Porquê? Porque a viagem que nos faz subir da caverna em direção à luz exterior implica questionar as nossas crenças mais básicas, crenças que nos parecem dados adquiridos e incontestáveis. Mais claramente, é difícil porque ao questionarmos as nossas crenças fundamentais podemos ter de enfrentar a incompreensão dos outros, das pessoas que se satisfazem com ideias feitas. É difícil também porque exige disciplina intelectual, esforço crítico e autocrítico. Vamos por partes.

Dispormo-nos a examinar as nossas crenças mais básicas não é tarefa fácil porque pode fazer-nos chegar a conclusões que a maioria dos membros da sociedade desaprovam e porque exige uma atitude crítica que lança a dúvida sobre o que nos habituámos a considerar verdadeiro. Por exemplo, a filosofia examina as crenças básicas nas quais se apoia a religião quando pergunta:
Será que Deus existe? Que razões temos para acreditar nisso? Há uma vida para além da morte?

Também questiona as ideias fundamentais que constituem os pressupostos das nossas relações sociais ao perguntar:

 O que é uma sociedade justa? Será que devemos obedecer a quem nos governa? O Estado é uma instituição necessária? Estas questões podem ser consideradas como desafios às ideias estabelecidas e falta de respeito pelo que a tradição definiu.
Basta pensares nos problemas que enfrentam os que defendem, por exemplo, a ideia de direitos dos animais.

A atitude filosófica é também difícil porque exige que pensemos criticamente e rigorosamente acerca de crenças fundamentais que nos foram transmitidas e que aceitámos de forma acrítica. Com efeito, em muitos casos adquirimos ideias como quem contrai gripe, por contágio. À semelhança do vírus da gripe, as crenças estabelecidas parecem fazer parte do nosso ambiente e respiramo-las quase sem dar por isso. Assim, as crenças que eram da nossa cultura tornam-se as nossas crenças. Até podem ser verdadeiras e excelentes, mas como havemos de o saber se as interiorizámos de forma acrítica, sem pensar? Ao examinarmos as ideias básicas, nossas e dos outros, que se transformaram em hábitos mentais, devemos como filósofos perguntar:

O que justifica essas crenças? Que razões temos para supor que são verdadeiras? Podemos definir a filosofia como a atividade que critica e rigorosamente examina as razões subjacentes às nossas crenças fundamentais. Sair da caverna é procurar encontrar crenças fundamentais que sejam racionalmente justificadas.

Velasquez, Manuel, Philosophy, A text with readings, Wadsworth, 1999, pp 8-9.

A utilidade da filosofia

Kazuya Akimoto, "The Second Coming of Geometric Virgin Mary"

Inútil? Útil?

O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil? O senso comum da nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão “ganhar em todas as situações”. Desse ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil.

Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?

Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.

Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.

Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.

Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade o progresso da humanidade.

Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos.

Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar o nosso mundo.

Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?

Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.

Marilena Chauí, Convite à Filosofia.


O valor da Filosofia 

O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. O homem que não tem umas tintas de filosofia caminha pela vida fora preso a preconceitos derivados do senso comum, das crenças habituais da sua época e do seu país, e das convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada. Para tal homem o mundo tende a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele os objetos habituais não levantam problemas e as possibilidades não familiares são desdenhosamente rejeitadas. Quando começamos a filosofar, pelo contrário, imediatamente nos damos conta (como vimos nos primeiros capítulos deste livro) de que até as coisas mais comuns conduzem a problemas para os quais somente respostas incompletas podem ser dadas. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua o nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica o nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.

Bertrand Russell, Problemas da Filosofia.

Qual é a coisa mais importante da vida?

“Qual é a coisa mais importante da vida? Se o perguntarmos a alguém num país com o problema da fome, a resposta é: a comida. Se pusermos esta questão a alguém que esteja com frio, neste caso a resposta é: o calor. E se perguntarmos a uma pessoa que se sinta muito sozinha a resposta será certamente: a companhia de outras pessoas.
Mas admitindo que todas estas necessidades estão satisfeitas – será que resta alguma coisa de que todos os homens precisam? Os filósofos acham que sim. Segundo eles, o homem não vive apenas do pão. É evidente que todos os homens precisam de comer. Todos precisam de amor e de atenção, mas há algo mais de que todos os homens precisam. Precisam de descobrir quem somos e porque é que vivemos.”

Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia.

"A Filosofia é grega"

Kazuya Akimoto, "The Black Parthenon"

A Filosofia é grega


A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e das suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um facto tipicamente grego.

Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois desenvolveram e desenvolvem.

Quando se diz que a Filosofia é um facto grego, o que se quer dizer é que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas. [...].

A Filosofia é um modo de pensar e exprimir os pensamentos que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, se tornou, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europeia ocidental [...].

Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética,
política, técnica, arte.

Aliás, basta observarmos que palavras como lógica, técnica, ética, política, monarquia, anarquia, democracia, física, diálogo, biologia, cronologia, génese, genealogia, cirurgia, ortopedia, pedagogia, farmácia, entre muitas outras, são palavras gregas, para percebermos a influência decisiva e predominante da Filosofia, e da cultura, grega sobre a formação do pensamento e das instituições das sociedades europeias ocidentais.


O legado da Filosofia grega para o Ocidente europeu

Desse legado, podemos destacar como principais contribuições as seguintes:

     • A ideia de que a Natureza opera obedecendo a leis e princípios necessários e universais, isto é, os mesmos em toda a parte e em todos os tempos. Assim, por exemplo, [foi pela continuação da indagação iniciada pelos filósofos] gregos [que], no século XVII da nossa era, o filósofo inglês Isaac Newton estabeleceu a lei da gravitação universal de todos os corpos da Natureza. A lei da gravitação afirma que todo corpo, quando sofre a ação de um outro, produz uma reação igual e contrária, que pode ser calculada usando como elementos do cálculo a massa do corpo afetado, a velocidade e o tempo com que a ação e a reação se deram.

Essa lei é necessária, isto é, nenhum corpo do Universo escapa dela e pode funcionar de outra maneira que não desta; e esta lei é universal, isto é, válida para todos os corpos em todos os tempos e lugares.

Um outro exemplo: as leis geométricas do triângulo ou do círculo, conforme demonstraram os filósofos gregos, são universais e necessárias, isto é, seja em Tóquio em 1993, em Copenhague em 1970, em Lisboa em 1810, em São Paulo em 1792, em Moçambique em 1661, ou em Nova York em 1975, as leis do triângulo ou do círculo são necessariamente as mesmas.

     • A ideia de que as leis necessárias e universais da Natureza podem ser plenamente conhecidas pelo nosso pensamento, isto é, não são conhecimentos misteriosos e secretos, que precisariam ser revelados por divindades, mas são conhecimentos que o pensamento humano, por sua própria força e capacidade, pode alcançar.

     • A ideia de que o nosso pensamento também opera obedecendo a leis, regras e normas universais e necessárias, segundo as quais podemos distinguir o verdadeiro do falso. Por outras palavras, a ideia de que o nosso pensamento é lógico ou segue leis lógicas de funcionamento.

O nosso pensamento diferencia uma afirmação de uma negação porque, na afirmação, atribuímos alguma coisa a outra coisa (quando afirmamos que “Sócrates é um ser humano”, atribuímos humanidade a Sócrates) e, na negação, retiramos alguma coisa de outra (quando dizemos “este caderno não é verde”, estamos a ‘retirar’ do caderno a cor verde).

O nosso pensamento distingue quando uma afirmação é verdadeira ou falsa. Se alguém apresentar o seguinte raciocínio: “Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal”, diremos que a afirmação “Sócrates é mortal” é verdadeira, porque foi concluída de outras afirmações que já sabemos serem verdadeiras.

      • A ideia de que as práticas humanas, isto é, a ação moral, a política, as técnicas e as artes dependem da vontade livre, da deliberação e da discussão, da nossa escolha passional (ou emocional) ou racional, das nossas preferências, segundo certos valores e padrões, que foram estabelecidos pelos próprios seres humanos e não por imposições misteriosas e incompreensíveis, que lhes teriam sido feitas por forças secretas, invisíveis, sejam elas divinas ou naturais, e impossíveis de serem conhecidas.

     • A ideia de que os acontecimentos naturais e humanos são necessários, porque obedecem a leis naturais ou da natureza humana, mas também podem ser contingentes ou acidentais, quando dependem das escolhas e deliberações dos homens, em condições determinadas.[...]

      • A ideia de que os seres humanos, por Natureza, aspiram ao conhecimento verdadeiro, à felicidade, à justiça, isto é, que os seres humanos não vivem nem agem cegamente, mas criam valores pelas quais dão sentido às suas vidas e às suas ações.


A Filosofia surgiu, portanto, quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma.

Em suma, a Filosofia surge quando se descobriu que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse de ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, pelo contrário, podia ser conhecida por todos, através da razão, que é a mesma em todos; quando se descobriu que tal conhecimento depende do uso correto da razão ou do pensamento e que, além da verdade poder ser conhecida por todos, podia, pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos.

Marilena Chauí, Convite à Filosofia, Ed. Ática, S. Paulo, 2000, pp.20-24.