segunda-feira, 25 de abril de 2016

As teorias filosóficas

Pintura Surrealista de Jacek Yerka


As teorias. 

Como é óbvio, os filósofos não se limitam a enunciar problemas intrincados e subtis. Querem também resolvê-los. é por isso que constroem teorias, também elas muitas vezes intrincadas e subtis. No entanto, se não percebermos que problemas procuram eles resolver é altamente improvável que compreendamos e possamos apreciar o valor das suas teorias: o mais natural é ficarmo-nos pela aceitação ou rejeição epidérmica (e que muitas vezes é falsamente identificada com uma postura estética, como se gostar realmente de uma sinfonia pudesse ser uma atitude a crítica e epidérmica). "Penso, logo existo" é a fórmula mágica da teoria de Descartes. Mas que significa isto realmente? Por que se deu ele ao trabalho de escrevê-lo? Que procurava ele resolver com o “cogito ” (o termo com que a sua teoria é conhecida)? Estas são as perguntas prévias que têm de orientar a nossa compreensão de uma teoria filosófica. Posteriormente, temos de tentar compreender os labirintos da teoria que estamos a estudar. Como é que a teoria funciona? E funciona? Não terá alguns problemas de concepção? Por exemplo, poderá Descartes, na situação em que se coloca, saber realmente que pensa e que existe? E tratar-se-á a expressão que enuncia o princípio da sua teoria ("penso, logo existo") de uma inferência, como o indica a palavra "logo"? Ou quererá ele apenas dizer que, por mais que duvide de tudo, a condição de possibilidade para poder duvidar é existir e pensar? E como se articula o resto da sua teoria com este princípio tão básico? Como consegue ele inferir a existência de Deus e do mundo a partir deste princípio tão básico? Estarão essas inferências corretas? Ou terá cometido erros? Este é o tipo de avaliação crítica que o estudante terá de fazer, de forma progressivamente mais minuciosa e sistemática, ao longo do seu estudo. 

Os argumentos. 

Muito bem, estive a fazer um bocadinho de batota . não comecei por falar do mais importante de tudo em filosofia - os argumentos. Mas espero que, depois de ler esta secção, se perceba subitamente que todo o trabalho que descrevi nas seções anteriores não é possível realizar sem argumentos. Precisamos de argumentos para nos convencer que o problema do conhecimento de Descartes é realmente um problema e não uma fantasia de um soldado aborrecido fechado num quarto aquecido. Precisamos de argumentos para nos convencer que as causas filosóficas de certo problema são estas e não aquelas, e que as suas consequências não são estas mais aquelas. E precisamos de argumentos para nos convencer que a teoria consegue realmente resolver o que pretendia resolver e que é verdadeira e não apenas um agregado de frases talvez atraentes mais escandalosamente afastadas da verdade. E o que são argumentos? Os argumentos são razões que apresentamos para sustentar uma qualquer afirmação. Há vários tipos de argumentos: dedutivos, por analogia, causais, de autoridade, através de exemplos. Para todos eles há regras que nos ajudam a apreciar o seu valor. é por isso que estudar um livro como “A Arte de Argumentar” é importante. Muitas vezes os filósofos são lidos mais ou menos com a mesma atitude com que os gregos consultavam o oráculo e os portugueses lêem o horóscopo: acriticamente. Esta atitude é muito bizarra porque, tal como as profecias oraculares e as prescrições dos horóscopos, os filósofos contradizem-se. De maneira que é muito difícil lê-los a todos como fontes de verdade: não podem ter toda a razão. Pode ser que um deles tenha razão; mas mesmo que queiramos tomar a atitude arriscada de defender que era Kant, ou Descartes, ou Aristóteles, ou Russell, ou Frege que tinha razão, se o quisermos fazer de forma razoavelmente racional teremos de mostrar que têm de fato razão. A alternativa é aceitar aquele filósofo cujas teorias vão ao encontro dos nossos pré-conceitos. Mas isto é, claramente, o contrário de uma atitude crítica, que é exatamente o que caracteriza, supostamente, a filosofia. É muito mais provável que todos os filósofos, como todos os cientistas e todas as pessoas em geral, tenham a sua cota de verdade e falsidade - misturadas, como sempre. Também aqui, o que se impõe é o estudo cuidadoso das suas teorias e argumentos, com o objetivo último de destrinchar um bocadinho mais a verdade da falsidade, do erro e da ilusão - essas constantes humanas a que alguns, talvez tocados pelos deuses, dizem ter escapado. 
Christian José Quintana Pinedo e Karyn Siebert Pinedo, Introdução à Epistemologia da Ciência. (texto copiado aqui - 17/11/2014).


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