Os objectos do nosso conhecimento são as relações de ideias (como se vê em geometria, na álgebra e na aritmética) e as relações de factos. As primeiras são afirmações intuitivamente certas, descobertas pela simples operação do pensamento e não empiricamente (são a priori). Já as segundas não são determinadas da mesma forma. Por exemplo: o facto de que o sol não nascerá amanhã é tão inteligível quanto a nossa expectativa de que ele nascerá. Basta apenas que aconteça de não nascer e não haverá por isso contradição, mas uma inegável constatação.
Segundo Hume, essa é a razão da importância e da necessidade das suas investigações. Simplesmente, trata-se de uma proposta de rompimento filosófico, na forma de investigação livre, com toda a ingenuidade contida na fé cega.
Todos os raciocínios ligados às relações de factos estão ligados às noções de causa e efeito. Se dizemos que um nosso amigo está em tal lugar distante, convencemo-nos facilmente disto graças a um outro facto, como, por exemplo, uma carta nas nossas mãos enviada de onde ele supostamente esteja, que nos induza a conectar os dois factos isolados numa relação aparentemente segura e inabalável; o que dá à nossa mente uma certa garantia que, no entanto, é bastante precária.
Mas como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito? Não por raciocínios a priori, e sim por experiências de factos que nos aparecem repetidamente como estando ligados, ou seja, em conjunção.
Aquilo que não conhecemos ou que nunca vimos antes, ou não sabemos para que serve, não nos desperta a menor noção das suas causas e dos seus efeitos. Para além disso ingenuamente, pensamos que não precisaríamos da experiência de presenciar uma bola de bilhar a comunicar um movimento a outra bola, ao tocá-la, e que apenas precisaríamos de servir-nos das operações da razão para ter disto conhecimento. Isto apenas se dá graças ao hábito ou costume relativamente ao que nos é familiar e directamente conhecido, a preencher-nos o vazio da nossa própria ignorância diante das coisas aparentemente óbvias que estão à nossa volta: muitas conhecidas de nós; muitas outras, desconhecidas.
Assim, como prever um efeito sem a prévia consulta na nossa memória de correspondentes observações anteriores? Na verdade, o efeito é sempre distinto da dita correspondente causa e, portanto, nunca pode ser descoberto nela. Se nunca vimos uma pedra cair num espaço livre de suporte, após ser lançada para o alto, e desviássemos o olhar da mesma antes do início da queda, não teríamos, em absoluto, a noção registada no nosso entendimento de ser o movimento da queda um efeito do da ascensão. Como, então, concebermos como lei, por generalização, sem a devida reserva, que assim ocorrerá ad infinitum? Isto é perfeitamente compreensível: todo o efeito é um evento distinto da sua causa, não descoberto nesta e, portanto, é inteiramente arbitrário concebê-lo ou imaginá-lo a priori. E, igualmente arbitrária, a conjunção do efeito com a causa. Portanto, é imprescindível o uso da experiência e da observação para a determinação do efeito relativamente a cada causa. A razão, baseando-se na analogia, na experiência e na observação, no máximo, reduz à sua maior simplicidade os princípios produtores dos fenómenos naturais e restringe os múltiplos efeitos particulares a um pequeno número de causas gerais, mas é limitadíssima em relação à determinação das causas gerais.
A natureza de todos os nossos raciocínios sobre os factos é a relação de causa e efeito; o fundamento é a experiência. Mas qual é o fundamento de todas as conclusões derivadas da experiência? Hume, fazendo da sua ignorância uma virtude, diz-nos que as conclusões não estão fundadas sobre raciocínios nem sobre qualquer processo do entendimento.
É lícito ao filósofo ter ao menos a curiosidade de examinar qual é o princípio da natureza humana que dota a experiência de tão forte autoridade, como o grande guia da vida humana. Os racionalistas defenderam que a razão nos permite teoricamente validar o axioma que nos diz: de causas que parecem semelhantes esperamos efeitos semelhantes. Isto parece logicamente correto, mas as coisas ocorrem de modo bem diverso: na realidade não há um princípio de indução que nos garanta a validade das inferências causais.
SOLUÇÃO CÉPTICA DESTAS DÚVIDAS
Segundo Hume, essa é a razão da importância e da necessidade das suas investigações. Simplesmente, trata-se de uma proposta de rompimento filosófico, na forma de investigação livre, com toda a ingenuidade contida na fé cega.
Todos os raciocínios ligados às relações de factos estão ligados às noções de causa e efeito. Se dizemos que um nosso amigo está em tal lugar distante, convencemo-nos facilmente disto graças a um outro facto, como, por exemplo, uma carta nas nossas mãos enviada de onde ele supostamente esteja, que nos induza a conectar os dois factos isolados numa relação aparentemente segura e inabalável; o que dá à nossa mente uma certa garantia que, no entanto, é bastante precária.
Mas como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito? Não por raciocínios a priori, e sim por experiências de factos que nos aparecem repetidamente como estando ligados, ou seja, em conjunção.
Aquilo que não conhecemos ou que nunca vimos antes, ou não sabemos para que serve, não nos desperta a menor noção das suas causas e dos seus efeitos. Para além disso ingenuamente, pensamos que não precisaríamos da experiência de presenciar uma bola de bilhar a comunicar um movimento a outra bola, ao tocá-la, e que apenas precisaríamos de servir-nos das operações da razão para ter disto conhecimento. Isto apenas se dá graças ao hábito ou costume relativamente ao que nos é familiar e directamente conhecido, a preencher-nos o vazio da nossa própria ignorância diante das coisas aparentemente óbvias que estão à nossa volta: muitas conhecidas de nós; muitas outras, desconhecidas.
Assim, como prever um efeito sem a prévia consulta na nossa memória de correspondentes observações anteriores? Na verdade, o efeito é sempre distinto da dita correspondente causa e, portanto, nunca pode ser descoberto nela. Se nunca vimos uma pedra cair num espaço livre de suporte, após ser lançada para o alto, e desviássemos o olhar da mesma antes do início da queda, não teríamos, em absoluto, a noção registada no nosso entendimento de ser o movimento da queda um efeito do da ascensão. Como, então, concebermos como lei, por generalização, sem a devida reserva, que assim ocorrerá ad infinitum? Isto é perfeitamente compreensível: todo o efeito é um evento distinto da sua causa, não descoberto nesta e, portanto, é inteiramente arbitrário concebê-lo ou imaginá-lo a priori. E, igualmente arbitrária, a conjunção do efeito com a causa. Portanto, é imprescindível o uso da experiência e da observação para a determinação do efeito relativamente a cada causa. A razão, baseando-se na analogia, na experiência e na observação, no máximo, reduz à sua maior simplicidade os princípios produtores dos fenómenos naturais e restringe os múltiplos efeitos particulares a um pequeno número de causas gerais, mas é limitadíssima em relação à determinação das causas gerais.
A natureza de todos os nossos raciocínios sobre os factos é a relação de causa e efeito; o fundamento é a experiência. Mas qual é o fundamento de todas as conclusões derivadas da experiência? Hume, fazendo da sua ignorância uma virtude, diz-nos que as conclusões não estão fundadas sobre raciocínios nem sobre qualquer processo do entendimento.
É lícito ao filósofo ter ao menos a curiosidade de examinar qual é o princípio da natureza humana que dota a experiência de tão forte autoridade, como o grande guia da vida humana. Os racionalistas defenderam que a razão nos permite teoricamente validar o axioma que nos diz: de causas que parecem semelhantes esperamos efeitos semelhantes. Isto parece logicamente correto, mas as coisas ocorrem de modo bem diverso: na realidade não há um princípio de indução que nos garanta a validade das inferências causais.
SOLUÇÃO CÉPTICA DESTAS DÚVIDAS
O cepticismo moderado de David Hume
Só um cepticismo moderado pode servir de base explicativa das nossas inferências causais. Mesmo não havendo um princípio da indução que nos garanta a sua verdade, nós estamos continuamente a fazer inferências causas e são não as fizéssemos não conseguiríamos sobreviver. E, na verdade, todas as inferências tiradas da experiência são efeitos do hábito, ou costume, e não do raciocínio.
Muito importante também é a imaginação humana (e não há nada mais livre do que ela), limitada apenas ao conjunto das ideias fornecidas pelos sentidos externos e internos, mas com poderes ilimitados para misturar, combinar, separar e dividir em todas as variedades fictícias ou fantasiosas possíveis. Chegando até o ponto de mundos alternativos poderem ser construídos pela imaginação, é essa a base da literatura, por exemplo.
Muito importante também é a imaginação humana (e não há nada mais livre do que ela), limitada apenas ao conjunto das ideias fornecidas pelos sentidos externos e internos, mas com poderes ilimitados para misturar, combinar, separar e dividir em todas as variedades fictícias ou fantasiosas possíveis. Chegando até o ponto de mundos alternativos poderem ser construídos pela imaginação, é essa a base da literatura, por exemplo.
Aliás, todas as vezes que algo se apresenta à nossa memória ou aos nossos sentidos, pela força do costume, é justamente a imaginação que é levada a uma certa conjuntura que o completa e distingue de tudo o mais. Se vemos, por exemplo, uma pedra ser atirada para cima, a imaginação é capaz de antever a sua simétrica trajectória, configurando-se naquilo a que chamamos crença. Precisamente, a crença é uma concepção de um objeto mais vivo, mais vívido, mais forte, mais firme e mais estável que aquela que a imaginação, por si só, seria capaz de obter. Além disso, a crença não consiste na natureza particular ou na ordem das ideias, mas na maneira como o espírito as concebe e as sente. Em filosofia, crença é qualquer coisa sentida pelo espírito que distingue as ideias dos juízos das ficções da imaginação. Concordemos, no entanto, elucida Hume, que a crença é, na verdade, uma concepção mais intensa e mais firme do que aquele que acompanha as puras ficções da imaginação e que esta maneira de conceber nasce de uma conjunção costumeira do objeto com alguma coisa presente à memória e aos sentidos. Há também três outros princípios muito importantes: semelhança, contiguidade e causalidade. Tais princípios são os únicos laços que unem entre si os nossos pensamentos e que engendram a série regular de reflexão ou do discurso que, em maior ou menor grau, se realiza entre todos os homens. Mas esses princípios não nos dizem nada sobre a forma como a realidade está estruturada, são apenas princípios de associação de ideias que servem de base ao trabalho da imaginação (David Hume desvaloriza completamente a razão) - e é aqui que reside o cepticismo moderado de David Hume: nunca poderemos conhecer a realidade tal como ela é em si mesma, mas apenas as impressões que ela provoca nos nossos sentidos. Portanto a ideia de causa e efeito não se baseia na razão, mas no hábito e na experiência, sendo imprescindível para a manutenção da vida humana.
Texto de Jorge Luiz Pinheiro Souza
(Adaptado)
Comentário de:
HUME, David. Investigação acerca do Entendimento Humano – Secções IV e V, Colceção Os Pensadores. São Paulo. Nova Cultural, 1999, pp. 47-71.|http://pinininho.blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário