quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

"O Elogio a Helena" - Um exemplo da arte de discursar de Górgias


“O discurso é um grande e soberano senhor, o qual, por meio de um corpo pequeníssimo e muito subtil, diviníssimas acções opera. É possível, pois, pelas palavras, tanto acalmar o medo e afastar a dor quanto engendrar a alegria e intensificar a compaixão. Mostrarei que assim são estas coisas.
É necessário também mostrar, pela opinião, aos ouvintes: Considero e designo toda a poesia como discurso metrificado: um estremecimento de medo bastante espantado, uma compaixão que provoca lágrimas abundantes, uma saudade nostálgica entra no espírito dos que a ouvem. A alma é afectada (uma afecção que lhe é própria), por meio das palavras, por sucessos e insucessos que concernem a outras coisas e outros seres animados. Mas passemos de um a outro discurso.
Pois os mágicos e sedutores cantos, por meio de palavras, inspirados pelos Deuses, produzem prazer afastando a dor. Pois o poder do mágico canto, que nasce com a opinião da alma, encanta-a, persuade-a e modifica-a por fascinação. Duas artes são descobertas: a fascinação e a magia, que são as instabilidades do espírito e os enganos da opinião.
Quantos persuadiram e persuadem outros tantos a propósito de outras tantas coisas forjando um falso discurso! Se, com efeito, todos, acerca de todas as coisas, tivessem tanto a memória das coisas passadas quanto a noção das coisas presentes, quanto a presciência das coisas futuras, o discurso não seria o mesmo para os que agora não podem facilmente nem lembrar o passado nem examinar o presente, nem predizer o futuro. De modo que os muitos, acerca de muitas coisas, buscam pela alma a opinião conselheira. A opinião (doxa), sendo incerta e inconstante, lança a incertos e inconstantes sucessos os que a ela se confiam.
Com efeito, que motivo impede ter também Helena ido para Tróia, de igual modo, sob a influência das palavras, não agindo de modo espontâneo, do mesmo modo que se fosse abraçada por poderosíssima força? Na verdade, o modo de ser da Persuasão de maneira alguma se parece à necessidade, mas tem o mesmo poder. Pois o discurso persuasivo impele a alma, constrangendo-a tanto a crer nas coisas ditas quanto a concordar com as coisas feitas. Com efeito, aquele que a persuadiu e a constrangeu é injusto, aquela que foi persuadida e constrangida tem uma reputação desonrosa em vão.
[Quanto ao fato de] que a Persuasão, enquanto propriedade do discurso, modela também a alma como quiser, é necessário primeiro observar os discursos dos filósofos que estudam os fenómenos celestes, os quais, descartando uma opinião por preferência a outra opinião por eles engendrada, fazem surgir coisas inacreditáveis e invisíveis aos olhos, por meio da opinião. Em segundo lugar, as necessárias assembleias, nas quais um único discurso, composto por arte, mas não dizendo verdades, encanta e persuade numerosa multidão; em terceiro lugar, os combates dos discursos dos filósofos, nos quais a rapidez do pensamento se apresenta como mudando facilmente a crença da opinião.
A mesma relação tem também a potência do Lógos em relação à boa ordem da alma e a potência dos medicamentos com relação ao estado natural dos corpos, pois do mesmo modo que certos medicamentos expulsam do corpo certos humores, e uns suprimem a doença, outros, a vida, do mesmo modo também, dentre as palavras, umas afligem, outras encantam, outras amedrontam, outras estabelecem confiança nos ouvintes, outras, por meio de sórdida persuasão, envenenam e enganam a alma.
E que se diga: Helena, se foi convencida pelo discurso, não cometeu uma injustiça, mas foi desafortunada.”
|Górgias, “Elogio de Helena” (Excerto)
http://www.paraibaonline.com.br/coluna.php?id=40&nome=O%20Elogio%20de%20Helena

Actividades:

1. A partir duma análise do texto, faça o levantamento das propriedades do discurso persuasivo.
2. Pode afirmar-se, de acordo com Górgias, que a persuasão é uma forma de manipulação? Justifique a sua resposta com base numa interpretação do texto.
3. Górgias considera que a Razão (Lógos) está ligada à Verdade? Justifique.
4. Este texto de Górgias ainda faz sentido nos nossos dias? Porquê?
5. Faça o levantamento de instâncias persuasivas presentes na nossa sociedade.
6. Qual a forma de persuasão que pode ser mais perigosa? Porquê?

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