quarta-feira, 24 de setembro de 2014

'Conhece-te a ti mesmo'




Conhece-te a ti mesmo: Sócrates e a nossa relação com o mundo
A figura de Sócrates é como um divisor de águas na Filosofia Antiga, tanto que os filósofos anteriores a ele são tradicionalmente designados como pré-socráticos.
De facto, com Sócrates há uma mudança significativa no rumo das discussões filosóficas sobre a verdade e o conhecimento. Os primeiros filósofos estavam preocupados em encontrar o fundamento (arqué) de todas as coisas. Sócrates, por sua vez, está mais interessado na nossa relação com os outros e com o mundo.
Curiosamente, Sócrates nada escreveu - e tudo o que sabemos dele é graças aos seus discípulos, particularmente Platão. Sócrates teria tomado a inscrição da entrada do templo de Delfos como inspiração para construir a sua filosofia: ‘Conhece-te a ti mesmo’.
Para compreendermos o sentido dessa frase, segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), devemos inscrevê-la numa estratégia mais geral do cuidado de si.
Ou seja, o que Sócrates defendia era que nós devemos ocupar-nos menos com as coisas (riqueza, fama, poder) e passarmos a ocupar-nos connosco mesmos. Poderia perguntar-se: porque é que deveria ocupar-me comigo mesmo? Porque é o caminho que me permite ter acesso à verdade.
Mas que tipo de verdade? Obviamente não é uma verdade qualquer, tal como a fórmula química da água, mas a verdade que é capaz de transformá-lo, a si leitor, num ser autónomo.
É desse ato de conhecimento, capaz de promover a nossa auto-transcendência, de que fala Sócrates. Conhecer-me a mim mesmo para saber como modificar a minha relação para comigo, com os outros e com o mundo, ultrapassando as minhas limitações.

Como ter acesso à verdade?
Tal modificação para ter acesso à verdade, contudo, não é um ato puramente intelectual. Ela exige, por vezes, determinadas renúncias e purificações, das quais Sócrates é um exemplo.
Sócrates dizia que tinha como missão divina exortar os atenienses, fossem eles velhos ou jovens, a deixarem de cuidar das coisas, passando a cuidar de si mesmos. Tal atitude fê-lo dedicar-se inteiramente à filosofia e à prática dialógica (uma forma especial de diálogo, denominada maiêutica) por meio da qual ele fazia com que os seus interlocutores percebessem as inconsistências do seu discurso e se autocorrigissem.
A atitude de Sócrates questionava os valores da sociedade ateniense, razão pela qual os seus inimigos o levaram a tribunal, onde foi julgado e condenado à morte. A sua morte, porém, não impediu que a questão do cuidado de si se tornasse um tema central na filosofia durante mais de dois mil anos - e influenciasse muitos filósofos modernos e contemporâneos.
A questão central do cuidado de si é que jamais se tem acesso à verdade sem uma experiência de purificação, de meditação, de exame de consciência - enfim, através de determinadas atividades espirituais capazes de transfigurar o nosso próprio ser.
Dito de outro modo, o estado de iluminação, de descoberta da verdade, não é só produto do estudo, mas de uma prática acompanhada de reflexão constante sobre as nossas ações, as nossas atitudes, os nossos pensamentos, os nossos desejos - e de como podemos modificá-los para nos tornarmos pessoas melhores. É como se a vida fosse uma obra de arte em que nós nos fôssemos moldando, nos fôssemos aperfeiçoando no decorrer da nossa existência.

A difícil busca da verdade
Atualmente, estamos distantes dessa perspectiva socrática do cuidado de si. A ciência moderna está preocupada com a produção e acumulação de conhecimentos.
Mas quando nos perguntamos: para que é que acumulamos e produzimos conhecimento? A resposta é simplesmente: para aumentar infinitamente o nosso conhecimento. Entramos, assim, numa corrida sem fim, em que nunca nos questionamos se isso realmente nos está a trazer os benefícios prometidos.
Claro que a tecnologia traz inegáveis benefícios, mas não parece que as pessoas, atualmente, estejam mais felizes. Pode-se alegar, no entanto, que não é papel do conhecimento e da ciência promover a felicidade humana - e que, talvez, conhecimento e ciência tenham como principal função a de contribuir para a concentração de poder e dinheiro nas mãos de alguns poucos.
Sócrates, porém, via a busca da verdade como um caminho de ascese, pois, quando cuidamos de nós mesmos, modificamos a nossa relação com os outros e com o mundo.
Mergulhados em preocupações com a aparência e o consumo, pensamos estar a cuidar de nós mesmos, quando na verdade nos estamos a perder no meio das coisas. É preciso conhecermo-nos a nós mesmos para não nos perdermos. Claro que você não vai encontrar toda a verdade em si mesmo, mas, pelo menos, a única verdade capaz de salvá-lo, ou seja, de dar sentido à sua vida.
Josué Cândido da Silva
http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/conhece-te-a-ti-mesmo-socrates-e-a-nossa-relacao-com-o-mundo.htm

A verdadeira simplicidade
“Encara as coisas com leveza, mas interiormente  com plenitude e atenção. Não deixes passar um momento sem teres plena consciência do que está a acontecer dentro de ti e à tua volta. Normalmente isso é o que significa ser-se sensível, não a uma ou duas coisas, mas ser-se sensível a tudo. Ser-se sensível à beleza e resistir ao feio é gerar conflito. Enquanto se observa, apercebemo-nos de que a mente está sempre a julgar – isto é bom e aquilo é mau, isto é branco e aquilo é preto - , a julgar pessoas, a comparar, a medir, a calcular. A mente nunca está quieta. Poderá a mente olhar, observar sem julgar, sem calcular? Tenta compreender sem dar nome ao que vês .e vê apenas se a mente pode fazer isso.
Brinca com isso. Não forces, deixa a mente olhar para si própria. Muitas pessoas, tentando ser simples, começam pelo exterior, descartando, renunciando; mas, interiormente, permanece a complexidade dos seus seres. Quando existe simplicidade interior, o exterior corresponde ao interior. Sermos simples por dentro é estarmos libertos do impulso pelo “mais”, o que não quer dizer que estejamos satisfeitos com o que é . Estarmos libertos do impulso pelo “mais” é não pensarmos em termos de tempo, de progressão, de chegar lá. Sermos simples é a mente libertar-se a si própria de todos os resultados, é esvaziar-se de todo o conflito. Esta é a verdadeira simplicidade.
Como poderá a mente debater-se entre o feio e o belo, agarrando-se a um e empurrando para longe o outro? Este conflito torna a mente insensível e exclusivista. Qualquer tentativa por parte da mente para encontrar uma linha que separe o feio do belo faz ainda parte de um ou de outro. O pensamento não pode, faça ele o que fizer, libertar-se dos opostos; o próprio pensamento criou o feio e o belo, o bom e o mau. Portanto, ele não pode libertar-se das suas próprias atividades. Tudo o que pode fazer é ficar quieto, não escolher. A escolha é conflito, e a mente volta de novo à sua própria confusão. A quietude da mente liberta-nos da dualidade. J. Krishnamurti, Cartas a uma jovem amiga, tradução de Joaquim Palma, Editorial Presença, Lisboa, 2008, pp. 36-37.

A revolta inteligente
“Sê mentalmente flexível. A força não está em ser-se firme e forte mas em ser-se flexível. A árvore, que é flexível, aguenta-se no meio da ventania. Reúne em ti a força que existe na brisa ligeira.
A vida é estranha, tem tantas coisas a acontecerem inesperadamente, que a mesma resistência não resolverá qualquer problema. Precisamos de infinita flexibilidade e de um coração simples.
A vida é como o fio de uma lâmina, e cada um tem de percorrer esse caminho com extremo cuidado e flexível sabedoria.
A vida é tão rica, tem tantos tesouros, mas chegamos a ela com os corações vazios; não sabemos encher os nossos corações com a abundância da vida. Interiormente somos pobres e, quando as riquezas da vida nos são oferecidas, nós recusamo-las. /.../
Mantém a mente aberta. Vive no passado, se tiver de ser, mas não lutes contra esse passado; quando o passado chegar, olha para dentro dele, não o empurres para longe nem te agarres demasiado a ele. A experiência de todos estes anos, a dor e a alegria, os momentos de sofrimento e a memória da separação, a sensação de distância, tudo isso trará enriquecimento e beleza. O importante é o que tens no coração; e desde que isso esteja a transbordar, tu tens tudo, tu és tudo.
Está atenta a todos os teus pensamentos e sentimentos, não permitas que um único sentimento ou pensamento surja sem que te apercebas dele, e absorve todo o seu conteúdo. Absorver não é a palavra adequada; trata-se, sim, de ver todo o conteúdo do pensamento-sentimento. É como entrar numa sala e ver, de uma só vez, tudo o que está nela, a sua atmosfera e os seus espaços. Vermos e estarmos atentos aos  pensamentos torna-nos intensamente sensíveis, flexíveis e vigilantes. Não condenes nem julgues, mas está bem atenta. Da separação e das escórias retira-se o ouro puro.
Ver o que é, é muito difícil. Como se pode observar com clareza? Um rio quando encontra um obstáculo não fica parado; ele quebra a barreira usando a sua força, ou passa por cima dela, ou por baixo, ou vai à volta; ele não fica quieto; ele só pode agir. O rio revolta-se, por assim, dizer, inteligentemente. Para percebermos aquilo que é, tem de haver o espírito da revolta inteligente. Para não sermos confundidos com um pedaço de tronco, é preciso termos uma certa inteligência; mas geralmente estamos tão ávidos de possuir aquilo que desejamos, que vamos contra o obstáculo; ou despedaçamo-nos de encontro a ele ou ficamos exaustos lutando contra ele. Ver a corda como corda não requer coragem, mas tomar a corda por uma serpente, ficando a olhar, requer coragem. Devemos duvidar, procurar sempre, ver o falso como falso. Ganhamos força para vermos através da intensidade da atenção; tu vais ver, isso virá. Para agir, cada um deve estar num estado de negação; a negação traz a sua própria ação positiva. Penso que a questão reside em ver com clareza, porque a percepção gera a sua própria ação. Quando há elasticidade, não se põe a questão do certo e do errado.
Cada um de nós tem que estar muito lúcido dentro de si mesmo. Nessa altura, asseguro-te, tudo dará certo. Tenta estar lúcida, e verás que as coisas se tornarão certas sem que tu faças o que quer que seja a respeito disso. O que está certo não é aquilo que desejamos.
Tem de haver uma revolução total, não apenas nas grandes coisas, mas também nas pequenas coisas do dia-a-dia. Tu passaste por essa revolução, não voltes atrás, mantém-te nela. Mantém-te a ferver, interiormente.
J. Krishnamurti, Idem, pp. 7-8.

Sem comentários:

Enviar um comentário