A DIALÉTICA
Em geral, o método dialógico de Sócrates é constituído por dois momentos fundamentais:
- a ironia que denuncia as verdades feitas e o falso saber daqueles que pretendiam reduzir o verdadeiro ao verosímil;
- a maiêutica, técnica através da qual se consegue observar como é que uma ciência desconhecida se transforma progressivamente numa ciência conhecida. /.../ Segundo Platão, Sócrates fora buscar a sua arte da maiêutica à sua mãe que era parteira. Na Grécia clássica só as mulheres que já não podiam dar à luz estavam autorizadas a ajudar ao parto das outras. Sócrates considerava a sua arte como a arte de parturejar; só que agora são homens que dão à luz e é do parto das suas almas que se trata. Sócrates revelava aos outros aquilo que eles próprios sabiam sem de tal terem consciência. Ele pretendia que o seu questionamento sistemático levasse os outros a um ponto crucial de consciência crítica, procurando a verdade no seu interior, dando assim lugar ao "parto intelectual". A maiêutica é, assim, a fase positiva, construtiva, do método socrático que permite o acordo através das certezas universais obtidas pela definição após a discussão. /.../
Através de perguntas/respostas pretendia dar e devolver argumentos entre interlocutores através de um discurso curto e preciso cujo objectivo era a procura da verdade. A este método cuja arte subtil está na capacidade de argumentar chama-se "dialéctica".
Numa primeira fase Sócrates procura de forma polémica destruir a suposta coerência do raciocínio dos seus interlocutores. Sócrates faz com que os outros falem sobre aquilo que afirmam para os obrigar a reflectir sobre aquilo que fazem. Ele opõe-se à verdade estereotipada, ao dogmatismo e pretende destruir os preconceitos irreflectidos. Quer que os seus interlocutores se consciencializem da suposta "verdade" das suas afirmações levando-os a um exame de consciência que lhes dará conta da sua ignorância. É como se os conhecimentos das pessoas fossem postos em causa através da interrogação e não de uma forma expositiva. Assim os adversários de Sócrates são levados à dúvida relativamente aos seus próprios conhecimentos ficando embaraçados com as perguntas insidiosas e precisas, cujas respostas demonstram quão fracos são os seus argumentos e opiniões.
Mas Sócrates usava então uma das suas outras técnicas: dar a mão ao interlocutor apesar de achar que este estava vencido no argumento usado. O que Sócrates pretendia era que não houvessem vencedores nem vencidos mas caminhar conjuntamente para estabelecer a verdade.
/.../ Sócrates não responde às próprias questões que lança. Não dá respostas positivas. Sócrates não pretende informar mas formar. Aquilo que viesse do mestre em sentido único teria apenas um efeito exterior sobre a consciência do aluno; a formação só pode efectuar-se segundo o ritmo e as exigências próprias do desenvolvimento interior individual. Sócrates repete que nada sabe, nada tem para ensinar, nem ninguém a quem formar. E não tendo nada para oferecer a não ser a sua companhia basta que cada um pense por si próprio para se aperceber de que sabe mais do que ele. /.../
O modo como Sócrates se dirige ao seu interlocutor e desenvolve o seu método apresenta quatro características:
É um método dual, na medida em que se dirige sempre a um interlocutor determinado. Sócrates nunca se dirige a um grupo de homens, nem aos homens em geral. Há sempre um personagem concreto a quem dirige as suas perguntas, com quem dialoga segundo as particularidades desse indivíduo. /.../
É dialéctico. Sócrates jamais admitia como verdadeiro o que seu interlocutor não admitisse como verdadeiro. Assim o diálogo só se desenrola e toma caminho mediante aquilo a que o interlocutor dá acordo. Nunca Sócrates impõe as suas ideias a ninguém. /.../
É refutatório. Nos seus diálogos, Sócrates ocupa o lugar de interrogador. Aliás, nem podia ser de outro modo uma vez que ele parte para a discussão com uma atitude de dúvida constante, afirmando nada saber - "só sei que nada sei". Cabe ao seu interlocutor responder. Esta característica do modo pelo qual Sócrates se dirige ao seu interlocutor, está fortemente ligada ao primeiro momento em que há a destruição das ideias feitas, da tese que o interlocutor sustenta inicialmente como verdadeira. É através desta característica que Sócrates faz com que o seu interlocutor entre em contradição. /.../
A última característica é a parresia. Esta característica consiste em o interlocutor dizer o que pensa verdadeiramente sem se preocupar nem com a opinião ou a reação dos outros /.../, aderindo totalmente ao que é verdadeiro (trata-se da coragem de aderir à verdade sejam quais forem as consequências). O interlocutor compromete-se de um modo total com a verdade, sendo o caminho para a prática do bem e da virtude.
(Texto Adaptado)
Olga Pombo
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