quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A Teoria CVJ (Conhecimento como crença verdadeira justificada)

Imagem de Gilbert Garcin


Suponhamos que o conhecimento requer estas três condições. Será que isto é suficiente? Será que estas condições não são apenas separadamente necessárias, mas também conjuntamente suficientes? Chamarei CVJ à teoria que afirma que assim é. Esta teoria diz que ter conhecimento é a mesma coisa que ter crenças verdadeiras justificadas:
(CVJ) Para que qualquer indivíduo S e para qualquer proposição p, S conhece p se e somente se

1. S acredita em p
2. p é verdadeira
3. a crença de S em p está justificada

A Teoria CVJ afirma uma generalização. Diz o que é o conhecimento para qualquer pessoa e para qualquer proposição p. Por exemplo, suponhamos que S és tu e que p = «A Lua é feita de queijo verde». A teoria CVJ diz o seguinte: se sabes que a Lua é feita de queijo verde, então os enunciados 1, 2 e 3 devem ser verdadeiros. E se não sabes que a Lua é feita de queijo verde, então pelo menos um dos enunciados de 1 a 3 deve ser falso. A a expressão «se, e somente se» diz-nos que são dadas condições necessárias e suficientes para o conceito definido.

Três Contraexemplos à Teoria CVJ
Em 1963, o filósofo Edmund Gettier publicou dois contraexemplos para a teoria CVJ. O que é um contraexemplo? É um exemplo que contradiz o que diz uma teoria geral. Um contraexemplo contra uma generalização mostra que a generalização é falsa. A teoria CVJ diz que todos os casos de crença verdadeira justificada são casos de conhecimento. Gettier pensa que estes dois exemplos mostram que um indivíduo pode ter uma crença verdadeira justificada mas não ter conhecimento. Se Gettier tiver razão, então as três condições indicadas pela teoria CVJ não são suficientes.
Eis um dos exemplos de Gettier:
Smith trabalha num escritório. Ele sabe que alguém será promovido em breve. O patrão, que é uma pessoa em quem se pode confiar, diz a Smith que Jones será promovido. Smith acabou de contar as moedas no bolso de Jones, encontrando aí 10 moedas. Smith tem então boas informações para acreditar na seguinte proposição:

a) Jones será promovido e Jones tem 10 moedas no bolso.
Smith deduz, então, deste enunciado o seguinte:
b) O homem que será promovido tem 10 moedas no bolso.

Suponha-se agora que Jones não receberá a promoção, embora Smith não o saiba. Em vez disso, será o próprio Smith a ser promovido. E suponha-se que Smith também tem dez moedas dentro do bolso. Smith acredita em b, e b é verdadeira. Gettier afirma também que Smith acredita justificadamente em b, dado que a deduziu de a. Apesar de a ser falsa, Smith tem excelentes razões para pensar que é verdadeira. Gettier conclui que Smith tem uma crença verdadeira justificada em b, mas que Smith não sabe que b é verdadeira.
O outro exemplo de Gettier exibe o mesmo padrão. Um sujeito deduz validamente uma proposição verdadeira a partir de uma proposição que está muito bem apoiada por informações, embora esta seja falsa, apesar de o sujeito não o saber. Quero agora descrever um tipo de contraexemplo à teoria CVJ na qual o sujeito raciocina não dedutivamente.
O filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-1970) refere um relógio muito fiável que está numa praça. Esta manhã olhas para ele para saber que horas são. Como resultado ficas a saber que são 9.55. Tens justificações para acreditar nisso, baseado na suposição correta de que o relógio tem sido muito fiável no passado. Mas supõe que o relógio parou há exatamente 24 horas, apesar de tu não o saberes. Tens a crença verdadeira justificada de que são 9.55, mas não sabes que esta é a hora correcta.
Que Têm os Contra-Exemplos em Comum?
Em todos estes casos, o sujeito tem dados para acreditar na proposição em causa que são altamente credíveis, mas não infalíveis. O patrão está geralmente certo sobre quem vai ser promovido, o relógio está geralmente certo quanto às horas. Mas é claro que geralmente não é sempre. As fontes da informação que os sujeitos exploraram nestes exemplos são altamente credíveis, mas não são perfeitamente credíveis. Todas as fontes de informação eram susceptíveis de erro, pelo menos até certo ponto.
Será que estes exemplos refutam realmente a teoria CVJ? Depende de como entendemos a ideia de justificação. Se dados altamente credíveis são suficientes para justificar uma crença, então estes contraexemplos refutam realmente a teoria CVJ. Mas se a justificação requer dados perfeitamente infalíveis, então estes exemplos não refutam a teoria.
A minha opinião é de que os dados que justificam uma crença não precisam de ser infalíveis. Penso que podemos ter crenças racionais bem apoiadas mesmo quando não nos empenhamos em estar absolutamente certos de que o que acreditamos é verdadeiro. Assim, concluo que a crença verdadeira justificada não é suficiente para o conhecimento.
|Elliott Sober. Tradução de Paula Mateus. Texto retirado do livro Core Questions in Philosophy, de Elliott Sober (Prentice Hall, 2008), in http://criticanarede.com/fil_con



Actividades:
1. O conhecimento pode ser definido, de forma geral, como crença verdadeira justificada? Justifique a sua resposta com base nos contra-exemplos de Gettier.
2. Formule dois contraexemplos à teoria CVJ.













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