terça-feira, 22 de abril de 2014

Ciência e questionamento: a essência da pesquisa científica


Perguntar é o modo como nós, seres humanos, nos informamos sobre o estado momentâneo da nossa curiosidade. Sem perguntas, dúvidas e questionamentos sistemáticos nós simplesmente não teríamos inventado a pesquisa científica. Como herdeiros dessa tradição, os grandes cientistas são também grandes questionadores. O ensino de Ciências nas nossas escolas e universidades deveria levar isso em conta e ser então mais frequentemente pautado pela efervescência dos debates.
Formular perguntas é, por si só, uma etapa fundamental em toda e qualquer pesquisa científica. Basta ver que algumas perguntas essenciais da ciência contemporânea foram originalmente formuladas há uma, duas ou mais gerações. As respostas é que de tempos em tempos são substituídas. Curiosamente, portanto, muitos cientistas são lembrados mais pelas questões que formulam do que pelas respostas – algumas das quais logo se revelam equivocadas – que propõem.
Fazer e refazer a mesma pergunta ao longo de gerações não significa que estejamos presos ou atolados num mesmo lugar. Na verdade, esse processo conduz-nos cada vez mais para o alto, como se estivéssemos a subir os degraus de uma escada em espiral. Nesse sentido, podemos dizer que a explicação corrente para determinado fenómeno é a paisagem momentânea que vemos à medida que a nossa escalada prossegue. E à medida que ganhamos altura, temos a possibilidade de adquirir uma visão cada vez mais ampla e clara da paisagem que nos cerca.
Converter dúvidas em perguntas
No fim das contas, são as perguntas que nos fazem prosseguir. Tenha isso em mente sempre que estiver na sala de aula e quiser fazer alguma pergunta. Nenhum de nós deveria sentir vergonha das nossas dúvidas ou guardá-las apenas para nós mesmos. Ao contrário, o bom seria poder converter as dúvidas em perguntas e, sempre que possível, discutir sobre elas com os colegas e os professores.
Eis aqui algumas perguntas que eu gostaria de fazer aos meus professores de Ciências (Ensino Básico), Biologia (Ensino Secundário) ou mesmo dos tempos da universidade: os números foram descobertos ou inventados? O fogo é matéria? Como o fogo do fogão consegue aquecer o que está dentro da panela? A velocidade da luz sempre foi a mesma? De onde vem o futuro e para onde vai o passado? De onde vêm as bolhas que sobem num copo de refrigerante? Qual é o estado físico da memória?
Qual é a hora mais fria do dia? Chove mais pela manhã, à tarde ou à noite? O tamanho das gotas de chuva é sempre o mesmo? Porque é que faz frio no Inverno e calor no Verão? Se a Terra gira, porque é que nós estamos parados? Para onde correm os rios nos países que estão abaixo do nível do mar?
Um furo feito em uma folha em expansão cresce com a folha? Porque é que as plantas produzem muito mais flores do que frutos? Porque é que as árvores do centro de uma floresta têm todas mais ou menos a mesma altura? Porque é que existem tantos insectos? Como é que as aves conseguem voar? Como é que os animais sabem o que precisam de comer? Porque é que os predadores não acabam logo com as suas presas? Os animais também pensam? Os animais sentem dor? Porque é que sonhamos? Como eu consigo lembrar-me de mim mesmo de um dia para o outro?
Porque é que a vida na Terra está pulverizada em organismos individuais, em vez  de formar uma massa contínua recobrindo todo o planeta? Como um código genético tão monótono, envolvendo apenas cinco “letras” (A, C, G, T ou U), consegue produzir tantos organismos diferentes? Como é que um zigoto microscópico se transforma num recém-nascido? Porque é que os filhos se parecem com os pais, mas não são idênticos a eles? Porque é que alguns organismos produzem tantos descendentes, enquanto outros produzem tão poucos? 
Porque é que algumas pessoas têm a pele escura, enquanto outras têm a pele clara? Todos os seres humanos pertencem a uma mesma espécie? Porque é que ficamos doentes? Porque é que envelhecemos? Se a agricultura mundial produz comida suficiente para alimentar a humanidade, porque é que muitas pessoas ainda passam fome?
Não espere que o seu professor tenha respostas na ponta da língua para essas ou quaisquer outras perguntas. Ele não tem nem precisa de ter. No mundo da ciência, o importante é ter disposição para explorar o conteúdo das perguntas, e não simplesmente recitar respostas prontas e estereotipadas.
Além disso, observe o seguinte: algumas perguntas representam um convite à experimentação (podemos de facto investigar o que ocorre com o furo feito numa folha em expansão ou descobrir o período mais chuvoso do dia), enquanto outras, no entanto, não poderiam ser tão facilmente investigadas. Neste último caso, devemos contentar-nos com o estudo da literatura e a análise crítica das respostas propostas por aqueles que estudaram ou estudam o assunto.
Eis, portanto, uma boa perspectiva para adoptarmos em relação à literatura científica: um património rico e variado que herdámos das gerações anteriores e que continua a desenvolver-se, ainda que em torno de um conjunto relativamente limitado de perguntas essenciais. No fim das contas, a motivação que hoje conduz grandes cientistas pelo caminho do conhecimento não difere muito daquilo que movia os nossos antepassados africanos, há milhares de anos: a curiosidade e a inquietação que sentimos frente às maravilhas e os mistérios deste mundo.

Actividades:
1. Das perguntas apresentadas no texto, escolha as três que lhe chamaram mais a atenção. Justifique a sua escolha.
2. Faça uma lista das dez perguntas que considera mais importantes e para as quais gostaria de obter uma resposta (não tem que se limitar às perguntas apresentadas no texto). 
3. Procure a que área da Ciência (ou do saber racional) pertence cada uma das perguntas levantadas no texto, bem como das perguntas da sua lista (da resposta à questão 2).

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