Introdução
A importância da lógica para a Filosofia
A lógica desempenha dois papéis na filosofia: clarifica o pensamento e ajuda a evitar erros de raciocínio. A filosofia ocupa-se de um conjunto de problemas. Os filósofos, ao longo da história, têm dado resposta a esses problemas, tentando solucioná-los. Para isso, apresentam teorias e argumentos. A lógica permite assumir uma posição crítica perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia:
1. A lógica permite avaliar criticamente os problemas da filosofia. Se alguém quiser reflectir sobre o problema de saber por que razão a cor azul dos átomos verdes é tão estridente, o melhor a fazer é mostrar que se trata de um falso problema. Para isso são necessários bons argumentos; não basta afirmar que se trata de um falso problema.
2. A lógica permite avaliar criticamente as teorias dos filósofos. Será que uma dada teoria é plausível? Como poderemos defendê-la? Quais são os seus pontos fracos e quais são os seus pontos fortes? E porquê?
3. A lógica permite avaliar criticamente os argumentos dos filósofos. São esses argumentos bons? Ou são erros subtis de raciocínio? Ou baseiam-se em premissas tão discutíveis quanto as suas conclusões?
A lógica representa para a filosofia o que o laboratório representa para o cientista empírico: é o palco onde as ideias se testam e avaliam criticamente. Sem esta atitude crítica não há atitude filosófica. Logo, sem lógica não pode haver uma verdadeira atitude filosófica.
Desidério Murcho “O lugar da lógica na filosofia”, Plátano Editora
A Lógica Informal
A Lógica Informal é uma tentativa de desenvolver uma lógica que possa ser usada para avaliar, analisar e aprimorar os raciocínios informais que ocorrem nas relações interpessoais, na publicidade, nos debates políticos, nos argumentos legais e nos comentários sociais encontrados nos jornais, na televisão, na Internet e noutras formas de comunicação de massa.
Em muitos casos o desenvolvimento da lógica informal motiva-se pelo desejo de desenvolver um modo de análise e avaliação do raciocínio comum que seja capaz de se tornar parte do ensino geral, e de compor e aprimorar o raciocínio público, a discussão e o debate. Neste sentido, os interesses da lógica informal têm grande proximidade com os interesses do Movimento Pelo Pensamento Crítico, cujo objetivo consiste em desenvolver um modelo de ensino que dê maior ênfase à investigação de caráter crítico.
O campo da lógica informal consiste no seguinte:
1. uma explicação das regras de comunicação de que depende o intercâmbio argumentativo;
2. uma distinção entre tipos diferentes de diálogos em que os argumentos possam ocorrer, e os modos pelos quais eles determinam os movimentos adequados e inadequados na argumentação (por exemplo, as diferenças entre a discussão científica e a negociação que caracteriza os acordos coletivos);
3. a avaliação da consequência lógica, que explica quando se pode dizer que uma frase é consequência lógica de outra, e o que isto significa;
4. critérios gerais para o bom argumento que podem estar associados à teoria da consequência lógica, e que especificam os critérios gerais dos argumentos dedutivos, e indutivos;
5. definições de esquemas argumentativos positivos que circunscrevem bons padrões de raciocínio (apelos razoáveis à autoridade, ataques razoáveis contra a pessoa, etc.);
6. algumas explicações teóricas das falácias e do papel que elas podem (e não podem) ter na compreensão e avaliação de argumentos informais;
7. uma explicação do papel que o auditório (pathos), o orador (ethos) e outras noções retóricas deveriam ter ao analisar e avaliar argumentos;
8. uma explicação das obrigações dialéticas que a argumentação comporta em certos contextos específicos.
Demonstração e argumentação
Na lógica moderna, oriunda de uma reflexão sobre o raciocínio matemático, os sistemas formais já não são correlacionados com uma evidência racional qualquer. O lógico é livre para elaborar como lhe melhor lhe parecer a linguagem artificial do sistema que constrói, para determinar os signos e combinações de signos (símbolos) que poderão ser utilizados. Cabe-lhe decidir quais são os axiomas, ou seja, as expressões sem prova consideradas válidas no seu sistema, e dizer quais são as regras de transformação por ele introduzidas e que permitem deduzir, das expressões válidas, outras expressões igualmente válidas no sistema. A única obrigação que se impõe ao construtor de sistemas axiomáticos formalizados e que torna as demonstrações coercivas é a de escolher signos e regras que evitem dúvidas e ambiguidades. Cumpre que, sem hesitar e mesmo mecanicamente, seja possível estabelecer se uma sequência de signos é admitida no sistema, se ela tem forma igual a outra sequência de signos, se é considerada válida, por ser um axioma ou uma expressão dedutível, a partir dos axiomas, de um modo conforme às regras de dedução.
A busca da univocidade indiscutível chegou a levar os lógicos formalistas a construírem sistemas nos quais não há preocupação com o sentido das expressões: ficam contentes se os signos introduzidos e as transformações que lhes dizem respeito ficam fora de discussão. Deixam a interpretação dos elementos do sistema axiomático para os que o aplicarão e terão de se preocupar com sua adequação ao objetivo pretendido.
Quando se trata de demonstrar uma proposição, basta indicar mediante que procedimentos ela pode ser obtida como última expressão de uma sequência dedutiva, cujos primeiros elementos são fornecidos por quem construiu o sistema axiomático dentro do qual se efetua a demonstração. De onde vêm esses elementos, sejam eles verdades impessoais, pensamentos divinos, resultados de experiência ou postulados peculiares ao autor, eis questões que o lógico formalista considera alheias à sua disciplina.
Mas, quando se trata de argumentar, de influenciar, por meio do discurso, a intensidade de adesão de um auditório a certas teses, já não é possível menosprezar completamente, considerando-as irrelevantes, as condições psíquicas e sociais sem as quais a argumentação ficaria sem objeto ou sem efeito.
Pois toda argumentação visa a adesão dos espíritos e, por isso mesmo, pressupõe a existência de um contacto intelectual.
Para que haja argumentação, é necessário que, num dado momento, se realize uma comunidade efetiva dos espíritos. É preciso que se esteja de acordo, antes de mais nada e em princípio, sobre a formação dessa comunidade intelectual e, depois, sobre o facto de se debater uma questão determinada.
Perelman, Tratado da Argumentação. A Nova Retórica.Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira,São Paulo, Martins Fontes, 1996. Primeira parte, §1
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