terça-feira, 7 de outubro de 2014

A Especificidade da Filosofia





As evidências do quotidiano

Na nossa vida quotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “que horas são?”, ou “que dia é hoje?”. Dizemos frases como “ele está  a sonhar”, ou “ela ficou maluca”. Fazemos afirmações como “onde há fumo, há fogo ”, ou “não ande à chuva para não se constipar”. Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, “esta casa é mais bonita do que a outra” e “a Maria está mais jovem do que a Joana”.
Numa discussão, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode gritar ao outro: “Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e alguém, querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um diga o que viu e vamo-nos entender”.
Também é comum ouvirmos os pais e amigos dizerem que somos muito subjetivos quando o assunto é o namorado ou a namorada. Frequentemente, quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos que essa pessoa “é porreira”.
Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos no nosso quotidiano. Quando pergunto “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, a minha expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de agora e o que virá também há-de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós.
Quando digo “ele está a sonhar”, referindo-me a alguém que diz ou pensa alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualmente muitas crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado, que, no sonho, o impossível e o improvável se apresentam como possível e provável, e também que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona com o que existe realmente.
Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso percebê-la e conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de ilusão. A frase “ela ficou maluca” contém essas mesmas crenças e mais uma: a de que sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que ‘inventa’ uma realidade existente só para ela. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de loucura, acredito também que a razão se refere a uma realidade que é a mesma para todos, ainda que não gostemos das mesmas coisas.
Quando alguém diz “onde há fumo, há fogo” ou “não ande à  chuva para não se constipar”, afirma silenciosamente muitas crenças: acredita que existem relações de causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma causa para ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa o fumo como efeito, a chuva causa a constipação como efeito). Acreditamos, assim, que a realidade é feita de causalidades, que as coisas, os factos, as situações se encadeiam em relações causais que podemos conhecer e, até mesmo, controlar para o uso da nossa vida.
Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou que Maria está mais jovem do que a Joana, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, os factos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, mau) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las na nossa vida.
Se, por exemplo, dissermos que “o sol é maior do que o vemos”, também estamos a acreditar que a nossa percepção alcança as coisas de modos diferentes, ora tal como são em si mesmas, ora tal como nos aparecem, dependendo da distância, da nossas condições de visibilidade ou da localização e do movimento dos objetos. 
Acreditamos, portanto, que o espaço existe, possui qualidades (perto, longe, alto, baixo) e quantidades, podendo ser medido (comprimento, largura, altura). No exemplo do sol, também se nota que acreditamos que a nossa visão pode ver as coisas diferentemente do que elas são, mas nem por isso diremos que estamos a sonhar ou que ficámos malucos.
Numa briga, quando alguém chama o outro mentiroso porque não estaria a dizer os factos exatamente como aconteceram, está presente a nossa crença de que há diferença entre verdade e mentira. A primeira diz as coisas tais como são, enquanto a segunda faz exatamente o contrário, distorcendo a realidade.
No entanto, consideramos a mentira diferente do sonho, da loucura e do erro porque o sonhador, o louco e o que erra se iludem involuntariamente, enquanto o mentiroso decide voluntariamente deformar a realidade e os factos.
Com isso, acreditamos que o erro e a mentira são falsidades, mas diferentes porque somente na mentira há a decisão de enganar.
Ao diferenciarmos erro de mentira, considerando o primeiro uma ilusão ou um engano involuntários e a segunda uma decisão voluntária, manifestamos silenciosamente a crença de que somos seres dotados de vontade e que dela depende dizer a verdade ou a mentira.
Ao mesmo tempo, porém, nem sempre avaliamos a mentira como alguma coisa má: não gostamos tanto de ler romances, ver novelas, ver filmes? E não são mentira? É que também acreditamos que quando alguém nos avisa que está a mentir, a mentira é aceitável, não seria uma mentira “a sério”.
Quando distinguimos entre verdade e mentira e distinguimos mentiras inaceitáveis de mentiras aceitáveis, não estamos apenas a referir-nos ao conhecimento ou desconhecimento da realidade, mas também ao carácter da pessoa, à sua moral. Acreditamos, portanto, que as pessoas, porque possuem vontade, podem ser morais ou imorais, pois cremos que a vontade é livre para o bem ou para o mal.
No exemplo da briga, quando uma terceira pessoa pede às outras duas para que sejam “objetivas” ou quando falamos dos namorados como sendo “muito subjetivos”, também estamos cheios de crenças silenciosas. Acreditamos que quando alguém quer defender muito intensamente um ponto de vista, uma preferência, uma opinião, até brigando por isso, ou quando sente um grande afeto por outra pessoa, esse alguém “perde” a objetividade, ficando “muito subjetivo”.
Com isso, acreditamos que a objetividade é uma atitude imparcial que alcança as  coisas tal como são verdadeiramente, enquanto a subjetividade é uma atitude parcial, pessoal, ditada por sentimentos variados (amor, ódio, medo, desejo). Assim, não só acreditamos que a objetividade e a subjetividade existem, como ainda acreditamos que são diferentes e que a primeira não deforma a realidade, enquanto a segunda, voluntária ou involuntariamente, a deforma. 
Ao dizermos que alguém “é porreiro” porque tem os mesmos gostos, as mesmas ideias, respeita ou despreza as mesmas coisas que nós e tem atitudes, hábitos e  costumes muito parecidos com os nossos, estamos, silenciosamente, a acreditar que a vida com as outras pessoas - família, amigos, escola, trabalho, sociedade, política - nos faz semelhantes ou diferentes em por influência de normas e valores morais, políticos, religiosos e artísticos, regras de conduta, finalidades de vida.
Achando óbvio que todos os seres humanos seguem regras e normas de conduta, possuem valores morais, religiosos, políticos, artísticos, vivem na companhia dos seus semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e com os quais entram em conflito, acreditamos que somos seres sociais, morais e racionais, pois regras, normas, valores, finalidades só podem ser estabelecidos por seres conscientes e dotados de raciocínio. Como se pode notar, a nossa vida quotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; cremos também na objetividade e na diferença entre ela e a subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da moral, da sociedade.

A atitude filosófica

Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “está a sonhar” ou “ficou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão?
Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, as suas afirmações por outras: “Onde há fumo, há fogo”, ou “não ande à chuva para não ficar constipado”, por: O que é causa? O que é efeito?; “seja objetivo ”, ou “eles são muito subjetivos”, por: O que é a objetividade? O que é a subjetividade?; “Esta casa é mais bonita do que a outra”, por: O que é “mais”? O que é “menos”? O que é o belo?
Em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse: O que é a verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê?
Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? 

O que é o desejo? O que são os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranquilamente sobre “maior” e “menor” ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as mesmas ideias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade?
Alguém que tomasse essa decisão, estaria a tomar distância da vida quotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, a nossa existência.
Ao tomar essa distância, estaria interrogando-se a si mesmo, desejando conhecer porque cremos no que cremos, porque sentimos o que sentimos e o que são as nossas crenças e os nossos sentimentos. Esse alguém estaria a começar a adoptar o que chamamos atitude filosófica.
Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os factos, as situações, os valores, os comportamentos da nossa existência quotidiana; nunca aceitá-los sem antes os haver investigado e compreendido.
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que serve a Filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”.

A atitude crítica

A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos factos e às ideias da experiência quotidiana, ao que “todos dizem e pensam”, ao estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as ideias, os factos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica.
A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos atitude crítica e pensamento crítico.
A Filosofia começa por dizer não às crenças e aos preconceitos do senso comum e, portanto, começa por dizer que não sabemos o que imaginávamos saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica é dizer: “Só sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o filósofo grego Platão, a Filosofia começa com a admiração; já o discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a Filosofia começa com o espanto.
Admiração e espanto significam: tomarmos distância do nosso mundo costumeiro, através do nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meios de comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos acabado de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos de perguntar o que é, por que é e como é o mundo, e precisássemos de perguntar também o que somos, por que somos e como somos.

Para quê a Filosofia?

Ora, muitos fazem uma outra pergunta: afinal, para que serve a Filosofia? É uma pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que serve a matemática ou a física? Para que serve a geografia ou a geologia? Para que serve a história ou a sociologia? Para que serve a biologia ou a psicologia? Para que serve a astronomia ou a química? Para que serve a pintura, a literatura, a música ou a dança? Mas toda a gente acha muito natural perguntar: Para que serve a Filosofia? Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irónica, conhecida dos estudantes de Filosofia: “A Filosofia é uma coisa com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeitamente inúteis.
Essa pergunta, “Para que serve a Filosofia?”, tem a sua razão de ser. Na nossa cultura e na nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata. Por isso, ninguém pergunta para que servem as ciências, pois toda a gente imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação das teorias científicas à realidade.
Toda a gente também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das obras de arte, quanto porque nossa cultura vê os artistas como gênios que merecem ser valorizados para o elogio da humanidade. Ninguém, todavia, consegue ver para que serviria a Filosofia, daí o dizer-se: “não serve para coisa alguma!”
Parece, porém, que o senso comum não vê algo que os cientistas sabem muito bem. As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, através de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os.
Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na existência da verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, na tecnologia como aplicação prática de teorias, na racionalidade dos conhecimentos, porque podem ser corrigidos e aperfeiçoados.
Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer factos, relação entre teoria e prática, correção e acumulação de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas.
Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. No entanto, como apenas os cientistas e filósofos sabem disso, o senso comum continua a afirmar que a Filosofia não serve para nada.
Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de facto, a Filosofia não serviria para nada, se “servir” fosse entendido como a possibilidade de fazer usos técnicos dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade económica, obtendo lucros com eles; consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a ciência e a técnica. 
Para quem pensa dessa forma, o principal para a Filosofia não seriam os  conhecimentos (que ficam por conta da ciência), nem as aplicações de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas o ensinamento moral ou ético. A Filosofia seria a arte do bem viver.
Estudando as paixões e os vícios humanos, a liberdade e a vontade, analisando a capacidade da nossa razão para impor limites aos nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na companhia dos outros seres humanos, a Filosofia teria como finalidade ensinar-nos a virtude, que é o princípio do bem-viver.
Essa definição da Filosofia, porém, não nos ajuda muito. De facto, mesmo para ser uma arte moral ou ética, ou uma arte do bem-viver, a Filosofia continua a fazer as suas perguntas desconcertantes e embaraçosas: O que é o homem? O que é a vontade? O que é a paixão? O que é a razão? O que é o vício? O que é a virtude? O que é a liberdade? Como nos tornamos livres, racionais e virtuosos? Porque é que a liberdade e a virtude são valores para os seres humanos? O que é um valor? Porque é que avaliamos os sentimentos e as ações humanas? 
Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade para conhecer, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim, o estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos, pois as perguntas filosóficas - o que é, porquê e como - permanecem.

Atitude filosófica: indagar/questionar/problematizar/interrogar

Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os objetos com os quais a Filosofia se ocupa, veremos que a atitude filosófica possui algumas características que são as mesmas, independentemente do conteúdo investigado.
Essas características são:
- perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia, é. A Filosofia pergunta qual é a realidade ou natureza e qual é a significação de alguma coisa, não importa qual; qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, uma ideia ou um valor;
- perguntar porque é que a coisa, a ideia ou o valor, existe e é como é. A Filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma ideia, de um valor.
A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao mundo que nos rodeia e às relações que mantemos com ele. Pouco a pouco, porém, descobre que essas questões se referem, afinal, à nossa capacidade de conhecer, à nossa capacidade de pensar.
Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se dirigem ao próprio pensamento: o que é pensar, como é pensar, por que há o pensar? A Filosofia torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia realiza-se como reflexão.

A reflexão filosófica

Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento se volta para si mesmo, interrogando-se a si mesmo.
A reflexão filosófica é radical porque é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para indagar como é possível o próprio pensamento.
Não somos, porém, somente seres pensantes. Somos também seres que agem no mundo, que se relacionam com os outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, os factos e acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto por meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações. 
A reflexão filosófica também se volta para essas relações que mantemos com a realidade circundante, para o que dizemos e para as ações que realizamos nessas relações.
A reflexão filosófica organiza-se em torno de três grandes conjuntos de perguntas ou questões:

1. Porque é pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos? Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos?
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos?
3. Para que é que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que
fazemos? Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?

Essas três questões podem ser resumidas em: O que é pensar, falar e agir? E elas pressupõem a seguinte pergunta: As nossas crenças quotidianas são ou não um saber verdadeiro, um conhecimento?
Como vimos, a atitude filosófica inicia-se questionando: O que é? Como é? Por que é?, dirigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência, a significação ou a estrutura e a origem de todas as coisas.
Já a reflexão filosófica indaga: Porquê?, O quê?, Para quê?, dirigindo-se ao pensamento, aos seres humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade humanas para conhecer e agir.

Marilena Chauí, Convite à filosofia

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