As principais características dos valores
“O homem percebe em torno de si uma multiplicidade de coisas boas e más, uma multiplicidade de objectos belos e feios, grandiosos e mesquinhos, nobres e vulgares. O nosso mundo não consta apenas, nem principalmente, das coisas, mas dessas atracções e repulsões que a realidade circundante exerce sobre a nossa alma. O mundo real e concreto, o mundo que efectivamente vivemos, não é o que a física, a química, a matemática, nos descrevem, mas um imenso arsenal de bens e de males, com os quais edificamos a vida.
A noção do valor tem sido objecto de muitos estudos na mais recente filosofia. Não posso expor em todos os seus pormenores os descobrimentos que se fizeram no campo dos valores, durante as últimas décadas. Para o objecto que neste estudo me proponho bastarão proposições gerais.
1. Os valores não são coisas. Não podem perceber‑se como se percebem as coisas, o modo de perceber os valores não consiste em os vermos com os olhos da cara ‑ o que não obsta a que os valores sejam tão clara e autenticamente vividos por nós como as coisas e os objectos matemáticos. Os valores, pois, são qualidades que atribuímos às coisas, mas que não estão nas coisas de modo real e sensível, como estão a figura, o peso, a cor, etc.
2. O ser dos valores não é, portanto, o mesmo ser que o da realidade material. Se quisermos ser rigorosos, devemos distinguir vários modos de ser; um deles é o ser sensível, outro o ser ideal (como, por exemplo, o dos objectos matemáticos) e um terceiro modo de ser é o valer, e é este que precisamente corresponde aos valores. Em sentido próprio, os valores não existem nem são, mas valem.
3. Assim, os valores não são conhecidos, como são conhecidas as coisas físicas e os objectos ideais, mas são estimados.
4. O valor não se caracteriza pelo prazer que produz, se o produz. É erróneo dizer que as coisas são valiosas, porque nos produzem prazer. Na realidade, os valores valem independentemente do prazer que produzem. O prazer é valioso; é preferível à dor. Porém, do prazer ser um valor não se infere legitimamente que todo o valor seja prazer.
5. O valor não se caracteriza também pelo desejo. Quando desejamos uma coisa é porque percebemos valor nela, o que, todavia não quer dizer que inversamente todo o valor seja desejado. Ocorre frequentemente percebermos um valor numa coisa e não a desejarmos.
6. Os valores têm matéria, polaridade e hierarquia.
A matéria do valor é o que distingue uns valores dos outros. Por directa apreensão do significado que damos às palavras, distinguimos a santidade da beleza, a elegância da justiça. Todos eles são valores; mas cada um distingue‑se do outro pelo seu conteúdo próprio, pela sua própria consistência.
A polaridade é a propriedade que têm todos os valores de se contraporem num pólo positivo e num pólo negativo. À beleza contrapõe‑se a fealdade, à generosidade a mesquinhez, à santidade a profanidade.
A hierarquia é a propriedade que possuem os valores de se subordinarem uns aos outros, isto é, de serem uns mais valiosos que outros. A justiça é, em hierarquia, superior à elegância; e é‑o com a mesma evidência com que a soma dos dois lados do triângulo é maior que o terceiro lado. Poderíamos dizer que todos os valores valem, mas que uns valem mais que os outros.
7. Os valores podem classificar‑se também em valores‑meio e valores‑fim. Os valores‑meio são aqueles cuja valia consiste em servir para a obtenção de outros valores; os valores‑fim são os que valem por si e sem necessidade de servirem à obtenção de outros valores.
8. Não podem definir‑se os valores. Conhecê‑los é estimá‑los, e estimá‑los é percebê‑los, intuí‑los. Para revelar um valor cumpre colocá‑lo intuitivamente perante a pessoa; mas como os valores não são coisas, é preciso, para que se percebam estimativamente, perceber coisas e imaginar coisas (objectos, acções, etc.) em que os valores estejam realizados, efectivados. Para dar a conhecer uma cor, temos que a exibir; para dar a estimar um valor, temos que o apresentar numa coisa.”
G. Morente (Texto adaptado)
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Atividades:
I.
I.1. O que são os valores?
I.2. O que é a matéria dos valores?
I.3. O que é a polaridade dos valores?
I.4. O que é a hierarquia dos valores?
I.5. O que são valores-meio?
I.6. O que são valores-fim?
II. Explique as seguintes afirmações:
a) "O mundo real e concreto, o mundo que efectivamente vivemos, não é o que a física, a química, a matemática, nos descrevem, mas um imenso arsenal de bens e de males, com os quais edificamos a vida."
b) "Os valores, pois, são qualidades que atribuímos às coisas, mas que não estão nas coisas de modo real e sensível, como estão a figura, o peso, a cor, etc."
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