quarta-feira, 11 de março de 2015

A dignidade da pessoa segundo Kant



Deve-se explicar o significado dos elementos principais da segunda fórmula do imperativo categórico – "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua, como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio". Qual a diferença entre fim e meio e entre pessoa e coisa? A partir dessa questão, outras tantas irão surgir; e o esclarecimento de todas elas possibilitará a visualização do conteúdo, segundo Kant, do princípio da dignidade da pessoa humana.

Para Kant,

"[...] aquilo que serve à vontade de princípio objetivo da sua autodeterminação é o fim, e este, se é dado pela só razão, tem de ser válido igualmente para todos os seres racionais. O que pelo contrário contém apenas o princípio da possibilidade da ação, cujo efeito é um fim, chama-se meio".

Kant também distingue claramente pessoa e coisa:

"Os seres cuja existência depende não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios, e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto do respeito)."

Nessa última distinção, reaparece um dos conceitos morais kantianos mais importantes à apreensão do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana: o respeito. O respeito, segundo Kant,  não é um sentimento recebido por influência sensível, mas um sentimento que se produz por si mesmo através de um conceito da razão, e assim especificamente se distingue de todos os sentimentos que se podem reportar à inclinação ou ao medo. Em suma, para Kant, "aquilo que eu reconheço imediatamente como lei para mim, reconheço-o com um sentimento de respeito que não significa senão a consciência de subordinação da minha vontade a uma lei, sem intervenção de outras influências sobre a minha sensibilidade".

A incidência desse sentimento moral na dignidade da pessoa humana apresenta-se com mais fulgor ainda na sua obra Crítica da Razão Prática (1788), na qual Kant diz o seguinte: "o respeito dirige-se sempre e unicamente a pessoas, jamais a coisas. As últimas podem suscitar em nós a inclinação e, se forem animais (por exemplo, cavalos, cães, etc), até mesmo o amor, ou também o temor, como o mar, um vulcão, uma fera, mas nunca o respeito". Kant ressalta que "se se examina atentamente o conceito do respeito pelas pessoas, perceber-se-á que ele se baseia sempre na consciência de um dever que um exemplo nos apresenta, e que, portanto, o respeito nunca pode ter nenhum outro fundamento senão um fundamento moral". Ele elucida isso quando referindo-se implicitamente a uma frase de Fontenelle – "na presença de um grande, inclino-me, mas o meu espírito não se inclina" –, afirma que

"[...] diante de um homem de classe inferior, um simples trabalhador, no qual percepciono uma retidão de caráter de um grau tal que eu, no que me toca, não tenho consciência de possuir, o meu espírito inclina-se, quer eu queira quer não e por muito que eu levante a cabeça para que não lhe passe despercebida a superioridade da minha condição."

Kant continua a explicação da seguinte forma:

"[...]  O respeito é um tributo que não podemos recusar ao mérito que queiramos ou não; podemos, quando muito, não o manifestar exteriormente, no entanto, não conseguimos impedir de internamente o sentirmos."

Para o exame da fórmula do imperativo categórico relativa à dignidade da pessoa humana, outra questão ainda necessita ser explicitada: a distinção entre dignidade e preço. De acordo com Kant, "quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade". Apenas a pessoa está acima de todo o preço, e somente ela, enquanto capaz de moralidade, possui dignidade, e, por isso, não pode ser substituível ou considerada como coisa em momento algum. Nesse horizonte, enquanto o ser pessoal deve ser estimado exclusivamente em razão de si mesmo, as coisas podem ser usadas como meios. É perfeitamente lícito utilizar as coisas em função das pessoas. Todavia, o ser humano, é um fim em si mesmo, porque é racional e, sendo racional, pode ser autónomo, pode determinar os seus próprios fins não podendo ser reduzido à condição de simples meio (para alcançar fins determinados por uma qualquer vontade exterior).  

Bruno Cunha Weyne
http://jus.com.br/artigos/11254/dignidade-da-pessoa-humana-na-filosofia-moral-de-kant
(Texto adaptado)


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