terça-feira, 21 de junho de 2011

Também Platão odiaria o Facebook // by @PauloQuerido

Sempre que se inventou e aperfeiçoou uma nova tecnologia de comunicação, alguém clamou o fim dos tempos em geral e da Humanidade em particular, vergastada pelos efeitos devastadores dos demoníacos aparelhos.



O fenómeno não é propriamente novo. Pelo contrário, repete-se há pelo menos 2.400 anos: o Facebook de Platão foi a escrita. O filósofo grego argumentava que, ao contrário do seu autor, uma carta não podia manter uma conversa; quando inquirida, daria invariavelmente a mesma resposta. Ora, como o conhecimento só se produz a partir da interação humana, Platão concluiu, com o habitual brilhantismo que as elites reservam ao que é intransponível para os seus intelectos, que a palavra escrita ameaçava os laços humanos, condenando-nos a um futuro ignorante.
Não digo que não. Alguma qualidade do relacionamento entre as pessoas se perdeu com a palavra escrita; infelizmente, não registámos qual.
Num romance de 1880, recordou no mês passado o escritor Michael Chorost, a páginas tantas dois personagens que mantinham um escaldante romance através do telégrafo — o Twitter dessa época — interrogam-se sobre se a sua relação seria “real”. Chorost teoriza num novo livro sobre a emergência da Internet como um novo sistema nervoso para a Humanidade, levando-a a reconectar-se de formas novas, mais profundas.
Talvez seja útil contextualizar, invocando a neutralidade das ferramentas. A prensa de Gutenberg, o telégrafo de Henry e Morse, o telefone de Bell, a rádio de Tesla (ou Marconi), a televisão e a Internet tanto serviram finalidades admiráveis como vis. Porque vil, como admirável, é o ser humano. Mas, contas feitas, ficámos melhores com elas.
Se um casamento não resiste aos efeitos de uma conversa no Facebook — versão moderna do adro da igreja ao domingo –, é mais fácil encontrar o problema no casal. Admito que seja também mais incómodo. Como a caneta para Platão. Mas o que seria dele, e da sua memória e ensinamentos, se a sua conclusão fosse verdadeira?
Paulo Querido