domingo, 13 de dezembro de 2015

Auditório Universal



No quadro da teoria da argumentação, o auditório universal é uma noção descritiva que caracteriza um género específico de discurso: o discurso  filosófico. Ela é forjada para responder à questão: «como representaremos  para nós próprios os auditórios aos quais é conferido o papel normativo que permite decidir do carácter convincente de uma argumentação? 
Os filósofos aspiram à universalidade e não se contentam em ser persuasivos: aspiram a convencer e isso é indissociável do recurso a uma imagem de razão que procuram incarnar com o seu discurso. Uma consideração histórica das  aspirações filosóficas mostra a recorrente associação entre a imagem de  razão, as características da necessidade e da universalidade e a  consideração da razão como razão eterna. Neste sentido, escrevem, «uma  argumentação que se dirige a um auditório universal deve convencer o  leitor do carácter constrangedor das razões fornecidas, da sua evidência,  da sua validade intemporal e absoluta, independentemente das  contingências locais ou históricas» (Perelman & Olbrechts-Tyteca). 
Neste sentido, o recurso ao auditório universal surge como «norma  de argumentação objetiva» (Perelman & Olbrechts-Tyteca),  ainda que esta norma seja sempre construída pelo próprio orador. [...]Independentemente da conceção associada ao auditório universal, este caracteriza-se por ser um apelo à razão.
[...]É esta vocação para a universalidade que, em última análise, faz da filosofia um diálogo sem fim e do tipo de justificação  da racionalidade filosófica algo que não se encontra, nunca, concluído. 
[...]O auditório universal é assim uma noção normativa intimamente ligada à conceção retórica da filosofia e ao seu  papel positivo de regulação dos homens enquanto comunidade cuja  partilha e comunhão de princípios e valores universais implicam uma ideia  de razão como razoabilidade e assente na historicidade das práticas  sociais.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Os atos do pensamento e a sua expressão lógica


   



Devemos esclarecer a distinção lógica entre os actos do pensamento e a sua expressão em termos de linguagem formal: no caso do conceito, este é expresso na linguagem natural através da palavra. Como a Lógica se deve afastar o mais possível da ambiguidade polissémica da linguagem natural, o conceito é expresso através do termo. 
Assim, o termo corresponde à designação lógica do símbolo, ou conjunto de símbolos, que se convencionou utilizar para expressar um conceito. De igual modo, a expressão lógica de um juízo designa-se proposição, enquanto que a expressão lógica de um raciocínio tem a designação lógica de argumento. Por razões práticas, daqui para a frente poderemos referir-nos quer aos conceitos, juízos e raciocínios, quer aos termos, proposições e argumentos, ficando estabelecido que, do ponto de vista prático, é indiferente utilizarmos um ou outro tipo de designação. 
Para que se compreenda esta correspondência, consulte-se o seguinte quadro:




O que é definir um conceito?

Tipos de definições

Há quem defenda que definir um conceito é dizer em que consiste e caso não saibamos defini-lo dessa maneira também não estamos em condições de o utilizar adequadamente. Defender isto é o mesmo que dizer que há apenas uma forma de definir conceitos, o que não é o caso. Ao contrário do que é vulgar pensar-se, não existe apenas um tipo de definições. Sabemos utilizar perfeitamente o conceito “azul” sem que, no entanto, o possamos definir dessa maneira. Não o saber definir dessa maneira não é o mesmo que o não poder definir. Para compreendermos isso é preciso distinguir dois tipos de definições: definições explícitas e definições implícitas.

Diz-se que uma definição é explícita quando apresentamos as condições necessárias e suficientes do conceito a definir. Mas o que são condições necessárias e suficientes? Oferecemos uma condição necessária de X se apresentarmos uma propriedade que qualquer objecto tem de ter para ser X. Por exemplo, se dissermos que uma mãe é alguém que já teve filhos, estamos apenas a referir uma condição necessária para alguém ser mãe (de facto ninguém pode ser mãe se não tiver tido pelo menos um filho); só que isso não é suficiente, pois há pessoas que já tiveram filhos, como é o caso dos homens com filhos, e que não são mães. A condição necessária aplica-se a todas as mães, mas não tem de se aplicar só às mães. Temos, pois, de definir “mãe” de tal maneira que a definição inclua as mães e só as mães, o que se faz indicando a condição suficiente. Uma condição suficiente de X é uma característica tal que se um qualquer objecto a possui, então esse objecto é X. Isso indica-nos que se trata de uma característica de X e apenas de X. A condição suficiente de X não nos garante, pois, a inclusão de tudo o que queremos incluir na definição de X. Para dar um exemplo, é condição suficiente viver no Algarve para viver em Portugal, embora essa não seja uma condição necessária. Afinal de contas, as pessoas que vivem no Minho também vivem em Portugal. Voltando ao meu primeiro exemplo, se quisermos dar uma definição explícita de “mãe” teremos de dizer qualquer coisa como isto: “alguém é uma mãe se, e somente se, é do sexo feminino e já teve filhos”. Ser do sexo feminino e ter tido filhos são em conjunto propriedades suficientes para alguém ser mãe; mas cada uma delas em separado é apenas condição necessária.

Já numa definição implícita não temos de oferecer as condições necessárias e suficientes de um conceito. Exigir, por exemplo, as condições necessárias e suficientes do conceito de azul, é fazer uma exigência que não pode ser satisfeita. Penso que o mesmo acontece também com o conceito de filosofia. Daí o embaraço do professor de filosofia quando o aluno lhe pede que defina a disciplina que lecciona. Significa isso que não podemos definir tais conceitos? Se estivermos a pensar numa definição explícita, é claro que não. Mas é perfeitamente possível dar uma definição implícita, que é o que fazemos com as crianças quando lhes queremos ensinar as cores (e com os alunos quando nos perguntam o que é a filosofia) e o que provavelmente teríamos de fazer se nos aparecesse por aí algum extraterrestre interessado em compreender o que dizemos. Assim, para dar uma definição de X, usamos esse conceito em situações diferentes de tal modo que, ao fazê-lo, estamos a exemplificar as propriedades dos objectos que com X queremos identificar. Diríamos, então, ao extraterrestre que o céu (poderíamos até apontar) é azul, que o mar é azul, que as camisolas do Belenenses são azuis, e por aí em diante.

Definições e caracterizações

Mas acontece, ainda assim, que muitas das nossas definições implícitas nos deixam insatisfeitos. Precisamos de saber algo mais acerca dos conceitos definidos. Algo que seja relevante para a compreensão do conceito e que nos informe acerca das propriedades mais importantes dos objectos que fazem parte da sua extensão. Para isso é que servem as caracterizações, isto é, a apresentação das principais características daquilo que os conceitos referem. No caso da filosofia, o professor pode apontar exemplos de problemas, teorias e argumentos filosóficos. Estará assim a dar uma definição implícita de filosofia. Mas pode e deve ir mais longe, fazendo acompanhar a sua definição de uma caracterização. Nesse sentido, poderá referir o que distingue os problemas filosóficos dos problemas científicos e religiosos; as teorias filosóficas das teorias científicas, religiosas e artísticas, etc. É claro que tal caracterização nunca irá ser exaustiva nem pacífica, mas, concordemos ou não com ela, sempre clarifica aquilo que se tem em mente quando se usa tal conceito.

Aires Almeida
http://criticanarede.com/fil_tresteoriasdaarte.html



A definição dos conceitos – Regras da definição

Definir um conceito é, de acordo com a natureza formal dos conceitos, clarificar e distinguir com rigor a sua compreensão, de forma a que se possa delimitar com exactidão a sua extensão. Assim, ao definirmos um conceito, devemos centrar-nos na análise da sua compreensão, porque é quanto à compreensão que os conceitos se distinguem uns dos outros ( dois conceitos diferentes podem ter uma extensão equivalente ). E se atendermos ao conteúdo da regra RC1, a explicitação da compreensão de um conceito é suficiente para podermos conhecer a sua extensão.

Quanto melhor definidos os conceitos forem, mais rigorosos serão os nossos enunciados. Logo, a definição assume uma importância fulcral no que diz respeito aos saberes racionais, principalmente no domínio das ciências ( se bem que a sua importância também seja primordial em filosofia ). Por isso, é importante que aprendamos a definir correctamente os conceitos que empregamos. Para tal, necessitamos de seguir um pequeno conjunto de regras, que se referem à estrutura formal da definição dos conceitos. Uma definição que viole qualquer dessas regras é formalmente inválida, não podendo ser aceite como uma definição adequada do conceito a definir. 

As regras que indicamos a seguir, são as regras gerais da definição. Cada área do saber racional, para além de seguir essas regras gerais, pode seguir regras específicas, que devem ser estabelecidas no âmbito de cada disciplina, não pertencendo, por isso, ao campo da Lógica. Daí que as definições em Matemática obedeçam, para além das regras gerais da definição, a regras específicas da Matemática, o mesmo acontecendo com cada uma das ciências, de acordo com os seus métodos de investigação e do seu objecto de estudo.   


O princípio dos indefiníveis Não podem definir-se quer os conceitos singulares, quer os conceitos mais gerais ( Ser, etc. ); no primeiro caso, devido à impossibilidade de delimitar a compreensão dos conceitos singulares; no segundo caso, devido à impossibilidade de delimitar a extensão dos conceitos mais gerais.




segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A Validade e a Verdade




Ficha 03 - A Validade e a Verdade - Ver Transferir (em pdf)










Validade e solidez dos argumentos
Comecemos com o termo «válido». Na linguagem quotidiana, as pessoas falam de alguém ter uma opinião válida ou de ter afirmações válidas. No discurso filosófico, contudo, o termo «válido» não se aplica a opiniões, nem a frases, nem a ideias. O termo válido é exclusivamente reservado à avaliação de argumentos. Só os argumentos podem ser válidos. Apesar de contrariar uma forma de falar e de pensar, até aqui não há problemas de maior. Trata-se de respeitar a linguagem técnica própria de cada disciplina. Contudo, os problemas começam quando apresentamos exemplos de argumentos válidos tais como este:

Qualquer fatia de queijo é mais inteligente do que um estudante de filosofia
O meu gato é uma fatia de queijo
Logo, o meu gato é mais inteligente do que um estudante de filosofia
Trata-se de um argumento completamente disparatado mas, apesar disso, do ponto de vista estritamente lógico, é um exemplo perfeito de argumento válido. O que se passa?

Definindo validade dedutiva
A validade é uma propriedade de argumentos bem construídos. No caso dos argumentos dedutivos - os mais usados em filosofia – a conclusão é apresentada como consequência necessária das premissas.
O que é intrigante para muitas pessoas é que um argumento pode ser válido mesmo que as suas premissas e conclusão sejam todas falsas. A validade é essencialmente uma característica da forma ou estrutura de um argumento. Por isso mesmo, no que respeita à validade, o conteúdo (a verdade ou a falsidade factual) das proposições que os compõem é irrelevante.
Consideremos a estrutura. O argumento que apresentámos sobre gatos, queijo e estudantes de filosofia é um exemplo de uma estrutura argumentativa com a forma:
Todos o A são B
(Qualquer fatia de queijo é mais inteligente do que um estudante de filosofia)
C é A
(O meu gato é uma fatia de queijo)
Logo, C é B
(Logo, o meu gato é mais inteligente do que um estudante de filosofia)
 No nosso exemplo, fatia de queijo é substituída por A e seres que são mais inteligentes do que qualquer estudante de filosofia é substituída por B.O meu gato é um termo substituído por C.
O que se deve notar é que não é preciso atribuir nenhum significado a estas variáveis para ver que este argumento temforma válida ou seja que é correcto. Sejam quais forem os termos que usemos para substituir aquelas variáveis a conclusão será sempre uma consequência necessária das premissas seconsiderarmos as premissas verdadeiras (embora não o sejam neste caso).A conclusão, correctamente obtida, só pode ser também verdadeira.
A noção de validade é neutral a respeito do conteúdo das proposições de um argumento. Não interessa qual é o conteúdo das proposições do argumento, não interessa o seu valor de verdade. Quando se trata da validade o que importa é a correcção lógica na ligação entre premissas e conclusão. O nosso exemplo é o de um argumento perfeitamente válido: se as suas premissas ridículas forem consideradas verdadeiras, a sua ridícula conclusão também terá de ser verdadeira porque da verdade (suposta ou factual) não pode logicamente derivar a falsidade. Que premissas e conclusão sejam ridículas não impede em nada que o argumento seja válido, bem construído. 

Argumentos sólidos ou bons
É evidente que em filosofia, nas ciências e noutras áreas do saber pretendemos mais do que rigor lógico do pensamento. Queremos argumentos bons com premissas e conclusão de facto verdadeiras ou pelo menos muito credíveis.
Dizer que um argumento é válido não significa dizer que é sólido. Estamos perante um argumento sólido quando e só quando (1) o argumento é válido e (2) as premissas são de facto verdadeiras (e por conseguinte, a conclusão também é verdadeira). Podemos colocar esta explicação sob a forma de um argumento condicional. Dizer que um argumento é sólido é dizer duas coisas que podem ser entendidas como premissas:

1)      Se as premissas do argumento são ditas verdadeiras, então a conclusão tem de ser verdadeira. (significa que o argumento é válido)
2)      As premissas do argumento são de (facto) verdadeiras.
3)      Por conseguinte a conclusão do argumento é verdadeira.


A importância da validade

Um argumento só é sólido se for válido mas ser válido não é suficiente para ser sólido. Um argumento para ser sólido tem de ser válido e também constituído por premissas de facto verdadeiras.
Apesar do que dissemos, há quem se interrogue sobre a grande importância atribuída à validade. No fim de contas, dirão alguns, um argumento válido pode ser absurdo no seu conteúdo e falso na sua conclusão. Na verdade, a solidez é o que realmente procuramos num argumento. Fixa, contudo, que a validade é um componente indispensável da solidez: não há solidez sem validade».
Baggini,Julian e S.Fosl,Peter, The philosopher’s toolkit,Blackwell,pp12-14.
Texto copiado daqui.


domingo, 11 de outubro de 2015

Um Toque de Canela




O filme 'Um Toque de Canela', sendo sobre gastronomia não deixa de ser uma reflexão sobre o sentido da existência. O avô de Fanis, a personagem principal do filme, faz a ligação entre a palavra 'gastronomia' e a palavra 'astronomia' - a arte da cozinha, assente no sortilégio dos condimentos e da magia da combinação dos ingredientes e a ciência que estuda o universo, o cosmos, como os antigos gregos lhe chamaram, veem-se misturadas nos vários níveis em que o filme se desenrola. E aqui não é de estranhar que Fanis, o menino que aprende a cozinhar e se torna fanático da arte culinária, o jovem que se torna um cozinheiro virtuoso, acabe por se tornar num famoso astrofísico com uma grande reputação académica. 

O astrónomo gastrónomo mostra-nos como o sentido da nossa vida se faz da interligação das pequenas coisas, misturadas na memória, mesmo quando estão separadas pelo tempo e pelo espaço, ambos relativos à forma como ligamos as nossas experiências dando-lhe um sentido único, ao mesmo tempo pessoal e universal - porque nunca somos desligados do todo, mesmo ínfimos, fazemos parte do universo imenso que mais parece um bailado que a tudo envolve, como nos é mostrado no final do filme quando Fanis regressa à loja do avô e se lembra da ligação entre as palavras mágicas que dão sentido ao filme, a gastronomia, representada pela farinha, o açúcar, os outros condimentos que Fanis dispõe sobre a mesa representado a Via Láctea, mostrando a ligação desses elementos primitivos da cozinha à astronomia. Ora a Via Láctea no seu nome tem um dos sabores mais universais - na realidade talvez o único que é verdadeiramente universal no que se refere à espécie humana, uma espécie de mamífero. Trata-se, como é óbvio, do leite. O outro sabor universal será o açúcar (o doce). 

Estes sabores estão representados pelo seio que aparece em dois momentos fulcrais do filme, mostrando que os seres humanos buscam desde o berço o consolo do aleitamento e o contentamento da doçura, talvez por isso desde há milénios se fala da terra prometida como um lugar onde jorram o leite e o mel. E isto coloca-nos perante o problema da felicidade. 

De facto este é um filme sobre a felicidade, sobre o sentido da existência e, também, sobre a forma como os seres humanos podem, dando sentido à sua vida, viver uma vida prazenteira e, ao mesmo tempo, repleta de significado.

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Atividade:  Elaborar uma reflexão crítica sobre o filme.

Ficha sobre o filme 'Um Toque de Canela', em formato para ser impresso e passado à mão.  Ver Transferir

Ficha sobre o filme 'Um Toque de Canela', em formato Word para ser processado no computador e enviado por email . Ver Transferir

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Ficha/modelo 01


Ficha/modelo01 - Ficha/modelo para elaboração de fichas de trabalho. Em formato Word para processar no computador.  Ver Transferir 

Ficha/modelo01 - Ficha/modelo para elaboração de fichas de trabalho. Em formato pdf para preencher à mão.                   Ver Transferir   

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O problema da Felicidade

A FELICIDADE É UM PROBLEMA FILOSÓFICO


1. A felicidade é um valor racional que se fundamenta em sentimentos de ordem e equilíbrio e em vivências harmónicas de carácter psíquico e social. Não em estados eufóricos e jubilosos momentâneos.

2. Só uma teoria filosófica pode responder à questão de saber o que é a felicidade, ou seja, apenas uma teoria argumentativa coerente e coesa, de carácter universal, vinculando todos os homens e todas as sociedades, pode dar conta de saber o que é a felicidade, não para este ou aquele, para esta ou aquela organização social, mas para a totalidade da humanidade.

3. Não para este ou aquele tempo, mas para o todo evolutivo da humanidade. Do mesmo modo, só a filosofia se encontra capacitada - pela própria natureza dos seus estudos e pelo seu alcance universal, reflector ao homem de todos os tempos, isto é, da humanidade - a integrar este conceito numa visão universal do homem. Uma ética humana, racional, não religiosa.

4. A felicidade é, assim, um problema filosófico, não de sociologia ou economia, ciências que teorizam aspectos parcelares da atividade humana, muito menos de ciência política, que teoriza os modos de organização do Estado com o objectivo de evitar um maior mal no seio da sociedade, e não a forma de generalização da felicidade entre os cidadãos.

5. A felicidade não é também um conceito da psicologia. A psicologia tem como objecto de estudo o comportamento, a mente e a personalidade individuais. A felicidade é um sentimento universal e complexo, que supera a experiência individual e conjuntural e se eleva a um estatuto de universalidade antropológica.

6. A psicologia responde à questão sobre a felicidade a partir da situação de ciência concreta, limitada ao tempo e aos estudos do psicólogo e ao espaço da pesquisa científica - ambos condicionados pelo atual modo de pensar individualista e hedonista.

7. A psicologia evidencia o que o homem é empiricamente falando, como age e reage a estímulos, como se comporta face a obstáculos e se organiza individual e socialmente, tendo em conta as suas necessidades e e as instituições sociais em que se integra.

8. A felicidade, mais do que um desejo, uma motivação, como limitadamente a explica a psicologia, é um valor racional, uma aspiração ideal, sentimentos racionalidade complexos, cruzamento de inúmeros estímulos, emoções, desejos, necessidades, atravessando simultaneamente todos os conceitos da psicologia e desta transbordando para a filosofia, único estudo que possui a cultura do passado e a visão geral para a definir como conceito central da ética. Neste sentido, para além dos estudos feitos pela psicologia (inquéritos circunstanciais sobre o que um número limitado de indivíduos, focalizados num tempo e num espaço particulares, pensa ser a felicidade), a felicidade estabelece o sentido último unificante de todos os estudos de psicologia, a todos enlaçando de um modo substancial, isto é, filosófico.

9. A felicidade é, assim, um conceito central da Ética, porventura superior, já que estabelece e orienta a prática do Bem. Deste modo, enquanto conceito supremo da vida ética, todos os outros se lhe submetem: o amor-próprio, o dever moral, o bem quotidiano, a liberdade, a justiça, a forma ética de vida... 

10. Neste sentido, a felicidade consiste no estado racional e sentimental superior da existência, reitor último e causa primeira dos comportamentos avulsos. Todos os nossos passos se orientam para a aquisição do estado de felicidade e dela só desistimos quando, por experiência quotidiana, constatamos não haver possibilidade de a conquistarmos ou atingirmos.
Miguel Real, Nova Teoria da Felicidade, Publicações D. Quixote, Alfragide, 2013, pp.25-28.


____Atividades:____________________
1. De acordo com o texto, o que é uma teoria filosófica? (deve responder por palavras suas, não se deve limitar a transcrever passagens do texto).
2. Porque é que a felicidade é um problema filosófico? Justifique.
3. Elabore um mapa conceptual interpretativo do texto.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O que é a Lógica?

A validade formal e a validade material

Texto 1
O Homem coloca questões a si mesmo acerca da sua capacidade de conhecer e de interpretar o mundo e reflete sobre o seu próprio pensamento. Esta reflexão acerca da possibilidade de um pensamento correto insere-se na lógica, ramo da Filosofia que estuda as condições de possibilidade de um discurso (pensamento) válido.

O objectivo da Lógica é a coerência do discurso. Diz-se que este é coerente quando tem validade formal.

A validade formal refere-se à correção do encadeamento de um discurso; quer dizer, se este é ou não lícito, lógico. A validade material é o que normalmente designamos como verdade, ou seja, se o conteúdo, a matéria a que se refere o discurso, está em conformidade com a realidade (a verdade é definida desde a antiguidade como a adequação do pensamento à realidade).

Se um discurso for válido formalmente, teremos depois que verificar se este é ou não válido materialmente. Se o discurso não for válido formalmente, é imediatamente considerado errado, não é aceite, pois não pode ter validade material se não tem validade formal. Esta verifica-se pelas leis da lógica, que se apresentam a seguir.

Exemplo:
“Ouviu-se o som da campainha porque ninguém tocou”.

Esta proposição é inválida formalmente, pelo que nem faz sentido pensar se ela é verdadeira ou falsa, é imediatamente excluída.

Isto significa que os nossos pensamentos têm uma forma lógica: os atos do pensamento têm uma estruturação formal que é independente do seu conteúdo. Assim, os atos do pensamento do mesmo tipo têm a mesma forma lógica, embora possam ser diferentes do ponto de vista da matéria: é o que acontece na nossa linguagem natural (na nossa língua), o mesmo tipo de frase possui a mesma estrutura, mas o conteúdo das frases pode ser muito diverso sem que exista aí alguma inconsistência.

A lógica trata da validade formal, da coerência, e, por isso, é tão importante. Podemos estabelecer aqui uma analogia com a linguagem: a lógica trata, por assim dizer, da gramática do pensamento.

A lógica faz uma reflexão acerca da regras do pensamento, que todos nós usamos, mas das quais podemos nem sequer ter consciência.

Existe uma lógica espontânea, pela qual qualquer pessoa, ao pensar, usa as leis do pensamento. Estas nascem com o ser humano, são naturais em nós. Mas como não são conscientes nem reflectidas, embora as usemos, podemos cair no erro.

Pela lógica científica há uma reflexão acerca do uso dessas mesmas leis, da possibilidade de erro do pensamento humano e das suas condições de validade; assim, evita-se a ocorrência da falha lógica, da incongruência.

A lógica assenta em três princípios básicos formulados por Aristóteles, filósofo da Grécia Antiga, considerado o pai da lógica:

O Princípio da Identidade, que enuncia que uma coisa é o que é, ou seja, o que é, é; o que não é, não é.

O Princípio da Não Contradição enuncia que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, ou seja, algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo.

O Princípio do Terceiro Excluído, que enuncia que uma coisa ou é ou não é, não havendo uma terceira hipótese. Uma proposição ou é verdadeira ou falsa, não há uma terceira hipótese.

Estes princípios são complementares e solidários, ou seja, cada um completa os outros e não faz sentido sem os outros.

A lógica tem também instrumentos: são eles o conceito, o juízo e o raciocínio.

O conceito é a unidade mínima do pensamento. Conceitos são ideias, representações mentais, por exemplo, a ideia que temos da realidade "árvore", "casa", entre tantas outras. Quando alguém diz a palavra "árvore", nós sabemos a que realidade a pessoa se está a referir, porque temos a ideia de árvore na cabeça, não é necessário que ela nos aponte uma árvore. O mesmo acontece com "casa". Nós temos um mundo inteiro de conceitos na nossa cabeça.

Os seres humanos constroem conceitos através do processo de abstração. Assim, a partir da observação de muitos objetos, por exemplo as árvores, reúno na cabeça apenas as características comuns a todas as árvores, como ter tronco e folhagem.
Deste modo, quando vir um qualquer exemplar que nunca tenha visto, vai-me ser possível ver que se trata de uma árvore.

Na linguagem, o correspondente ao conceito é o termo. O termo é a expressão simbólica de um conceito (diz-se que o conceito é denotado através de um termo). Por isso, o significado de um termo (na linguagem natural, das palavras) é sempre um conceito. Normalmente as palavras têm mais do que um significado (a isso se chama polissemia), por isso em filosofia e nas ciências a definição dos termos (conceitos) é muito importante para que não haja ambiguidades no discurso.

Quando estabeleço mentalmente uma relação entre conceitos, obtenho um juízo.

Então o juízo é uma operação em que a um conceito, que é sujeito, eu atribuo um outro conceito, que é predicado, através do verbo ser (ou de outro verbo que seja mais adequado), que é a cópula que vai ligar os dois conceitos. Por exemplo: "Esta árvore é bela." “Árvore é o sujeito; “Bela”, o predicado e “é”, a cópula.

Na linguagem, ao juízo corresponde a proposição. “As proposições são frases indicativas ou declarativas suscetíveis de serem encaradas como verdadeiras ou falsas.” Manual Clube das Ideias, p.20. 
Finalmente, temos o terceiro instrumento lógico do pensamento, que é o raciocínio. Neste, a partir da relação entre dois ou mais juízos, obtém-se um novo, a que se chama conclusão. Então um raciocínio consiste em juízos logicamente ordenados, que, pela relação que se estabelece entre si, nos permitem obter um juízo novo. 

Ao raciocínio corresponde, na linguagem, o argumento. “Um argumento é um complexo formado por um conjunto de proposições. À proposição ou conjunto de proposições que suporta(m) a conclusão chamamos premissa(s). À proposição que se infere da premissa ou conjunto de premissas denominamos conclusão. A relação que se estabelece entre premissa e conclusão é, pois, de justificação: as premissas apoiam a conclusão e estabelecem as razões para que as aceitemos.” IBIDEM, p.20.
www.edusurfa.pt/


Texto 2
Síntese:
Um Pensamento tem Validade Material (verdade) quando o seu conteúdo está conforme à realidade. 

Um Pensamento tem Validade Formal quando os elementos que o constituem se apresentam coerentes entre si, sem contradição ou incompatibilidade, ou seja, quando obedecem aos princípios lógicos.

O Pensamento para ser verdadeiro (válido em termos materiais)  tem de possuir validade formal.

À lógica diz respeito a validade formal do pensamento. Ela pode dispensar a questão da adequação à realidade exterior.

As ciências trabalham sobretudo com a validade material pois a Ciência procura 'explicar' com rigor, adequadamente, o real que nos circunda.

Mas como a verdade implica a validade formal, então as ciências tomam a Lógica como auxílio, quer no processo da investigação científica propriamente dita, quer na exposição/comunicação das suas 'verdades' científicas - teorias ou Leis.

Portanto, a Lógica pode ser usada como uma disciplina em si mesma, por si mesma, mas também como um útil instrumento de auxílio para as ciências e outros saberes.
http://esbclubefilosofia.blogspot.com

Texto 3
A importância da lógica para a Filosofia
A lógica desempenha dois papéis na filosofia: clarifica o pensamento e ajuda a evitar erros de raciocínio. A filosofia ocupa-se de um conjunto de problemas. Os filósofos, ao longo da história, têm dado resposta a esses problemas, tentando solucioná-los. Para isso, apresentam teorias e argumentos. A lógica permite assumir uma posição crítica perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia:
1. A lógica permite avaliar criticamente os problemas da filosofia. Se alguém quiser refletir sobre o problema de saber por que razão a cor azul dos átomos verdes é tão estridente, o melhor a fazer é mostrar que se trata de um falso problema. Para isso são necessários bons argumentos; não basta afirmar que se trata de um falso problema.
2. A lógica permite avaliar criticamente as teorias dos filósofos. Será que uma dada teoria é plausível? Como poderemos defendê-la? Quais são os seus pontos fracos e quais são os seus pontos fortes? E porquê?
3. A lógica permite avaliar criticamente os argumentos dos filósofos. São esses argumentos bons? Ou são erros subtis de raciocínio? Ou baseiam-se em premissas tão discutíveis quanto as suas conclusões?
A lógica representa para a filosofia o que o laboratório representa para o cientista empírico: é o palco onde as ideias se testam e avaliam criticamente. Sem esta atitude crítica não há atitude filosófica. Logo, sem lógica não pode haver uma verdadeira atitude filosófica.
Desidério Murcho “O lugar da lógica na filosofia”, Plátano Editora


Actividades:

1. Defina 'validade formal'.

2. Defina 'validade material'.

3. Defina 'verdade'.

4. Esclareça a relação entre a validade material e a validade formal.

5. Enuncie os instrumentos lógicos.

6. Quais são os princípios lógicos?

7. Explique porque é que a seguinte informação é inválida em termos formais:

«Ouviu-se o som da campainha porque ninguém tocou».

8. Defina 'conceito'.

9. Defina 'juízo'.

10. Defina 'raciocínio'.

11. Como é que se formam os conceitos?

12. Relacione os seguintes grupos de conceitos:
                 a) Conceito; Juízo; Raciocínio.
                 b) Termo; proposição; Argumento.

13. O que é a 'lógica espontânea'?

14. O que distingue a lógica espontânea da lógica científica?

15. Explique o sentido da seguinte afirmação: “[A Lógica] pode dispensar a questão da adequação à realidade exterior”.

16. Porque é que “as ciências tomam a Lógica como auxílio, quer no processo da investigação científica propriamente dita, quer na exposição/comunicação das suas 'verdades' científicas - teorias ou Leis”?

17. Construa um mapa conceptual dos textos desta ficha.