A validade formal e a validade material
Texto 1
O Homem coloca questões a si mesmo acerca da sua capacidade de conhecer e de interpretar o mundo e reflete sobre o seu próprio pensamento. Esta reflexão acerca da possibilidade de um pensamento correto insere-se na lógica, ramo da Filosofia que estuda as condições de possibilidade de um discurso (pensamento) válido.
O objectivo da Lógica é a coerência do discurso. Diz-se que este é coerente quando tem validade formal.
A validade formal refere-se à correção do encadeamento de um discurso; quer dizer, se este é ou não lícito, lógico. A validade material é o que normalmente designamos como verdade, ou seja, se o conteúdo, a matéria a que se refere o discurso, está em conformidade com a realidade (a verdade é definida desde a antiguidade como a adequação do pensamento à realidade).
Se um discurso for válido formalmente, teremos depois que verificar se este é ou não válido materialmente. Se o discurso não for válido formalmente, é imediatamente considerado errado, não é aceite, pois não pode ter validade material se não tem validade formal. Esta verifica-se pelas leis da lógica, que se apresentam a seguir.
Exemplo:
“Ouviu-se o som da campainha porque ninguém tocou”.
Esta proposição é inválida formalmente, pelo que nem faz sentido pensar se ela é verdadeira ou falsa, é imediatamente excluída.
Isto significa que os nossos pensamentos têm uma forma lógica: os atos do pensamento têm uma estruturação formal que é independente do seu conteúdo. Assim, os atos do pensamento do mesmo tipo têm a mesma forma lógica, embora possam ser diferentes do ponto de vista da matéria: é o que acontece na nossa linguagem natural (na nossa língua), o mesmo tipo de frase possui a mesma estrutura, mas o conteúdo das frases pode ser muito diverso sem que exista aí alguma inconsistência.
A lógica trata da validade formal, da coerência, e, por isso, é tão importante. Podemos estabelecer aqui uma analogia com a linguagem: a lógica trata, por assim dizer, da gramática do pensamento.
A lógica faz uma reflexão acerca da regras do pensamento, que todos nós usamos, mas das quais podemos nem sequer ter consciência.
Existe uma lógica espontânea, pela qual qualquer pessoa, ao pensar, usa as leis do pensamento. Estas nascem com o ser humano, são naturais em nós. Mas como não são conscientes nem reflectidas, embora as usemos, podemos cair no erro.
Pela lógica científica há uma reflexão acerca do uso dessas mesmas leis, da possibilidade de erro do pensamento humano e das suas condições de validade; assim, evita-se a ocorrência da falha lógica, da incongruência.
A lógica assenta em três princípios básicos formulados por Aristóteles, filósofo da Grécia Antiga, considerado o pai da lógica:
O Princípio da Identidade, que enuncia que uma coisa é o que é, ou seja, o que é, é; o que não é, não é.
O Princípio da Não Contradição enuncia que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, ou seja, algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo.
O Princípio do Terceiro Excluído, que enuncia que uma coisa ou é ou não é, não havendo uma terceira hipótese. Uma proposição ou é verdadeira ou falsa, não há uma terceira hipótese.
Estes princípios são complementares e solidários, ou seja, cada um completa os outros e não faz sentido sem os outros.
A lógica tem também instrumentos: são eles o conceito, o juízo e o raciocínio.
O conceito é a unidade mínima do pensamento. Conceitos são ideias, representações mentais, por exemplo, a ideia que temos da realidade "árvore", "casa", entre tantas outras. Quando alguém diz a palavra "árvore", nós sabemos a que realidade a pessoa se está a referir, porque temos a ideia de árvore na cabeça, não é necessário que ela nos aponte uma árvore. O mesmo acontece com "casa". Nós temos um mundo inteiro de conceitos na nossa cabeça.
Os seres humanos constroem conceitos através do processo de abstração. Assim, a partir da observação de muitos objetos, por exemplo as árvores, reúno na cabeça apenas as características comuns a todas as árvores, como ter tronco e folhagem.
Deste modo, quando vir um qualquer exemplar que nunca tenha visto, vai-me ser possível ver que se trata de uma árvore.
Na linguagem, o correspondente ao conceito é o termo. O termo é a expressão simbólica de um conceito (diz-se que o conceito é denotado através de um termo). Por isso, o significado de um termo (na linguagem natural, das palavras) é sempre um conceito. Normalmente as palavras têm mais do que um significado (a isso se chama polissemia), por isso em filosofia e nas ciências a definição dos termos (conceitos) é muito importante para que não haja ambiguidades no discurso.
Quando estabeleço mentalmente uma relação entre conceitos, obtenho um juízo.
Então o juízo é uma operação em que a um conceito, que é sujeito, eu atribuo um outro conceito, que é predicado, através do verbo ser (ou de outro verbo que seja mais adequado), que é a cópula que vai ligar os dois conceitos. Por exemplo: "Esta árvore é bela." “Árvore é o sujeito; “Bela”, o predicado e “é”, a cópula.
Na linguagem, ao juízo corresponde a proposição. “As proposições são frases indicativas ou declarativas suscetíveis de serem encaradas como verdadeiras ou falsas.” Manual Clube das Ideias, p.20.
Finalmente, temos o terceiro instrumento lógico do pensamento, que é o raciocínio. Neste, a partir da relação entre dois ou mais juízos, obtém-se um novo, a que se chama conclusão. Então um raciocínio consiste em juízos logicamente ordenados, que, pela relação que se estabelece entre si, nos permitem obter um juízo novo.
Ao raciocínio corresponde, na linguagem, o argumento. “Um argumento é um complexo formado por um conjunto de proposições. À proposição ou conjunto de proposições que suporta(m) a conclusão chamamos premissa(s). À proposição que se infere da premissa ou conjunto de premissas denominamos conclusão. A relação que se estabelece entre premissa e conclusão é, pois, de justificação: as premissas apoiam a conclusão e estabelecem as razões para que as aceitemos.” IBIDEM, p.20.
www.edusurfa.pt/
Texto 2
Síntese:
Um Pensamento tem Validade Material (verdade) quando o seu conteúdo está conforme à realidade.
Um Pensamento tem Validade Formal quando os elementos que o constituem se apresentam coerentes entre si, sem contradição ou incompatibilidade, ou seja, quando obedecem aos princípios lógicos.
O Pensamento para ser verdadeiro (válido em termos materiais) tem de possuir validade formal.
À lógica diz respeito a validade formal do pensamento. Ela pode dispensar a questão da adequação à realidade exterior.
As ciências trabalham sobretudo com a validade material pois a Ciência procura 'explicar' com rigor, adequadamente, o real que nos circunda.
Mas como a verdade implica a validade formal, então as ciências tomam a Lógica como auxílio, quer no processo da investigação científica propriamente dita, quer na exposição/comunicação das suas 'verdades' científicas - teorias ou Leis.
Portanto, a Lógica pode ser usada como uma disciplina em si mesma, por si mesma, mas também como um útil instrumento de auxílio para as ciências e outros saberes.
http://esbclubefilosofia.blogspot.com
Texto 3
A importância da lógica para a Filosofia
A lógica desempenha dois papéis na filosofia: clarifica o pensamento e ajuda a evitar erros de raciocínio. A filosofia ocupa-se de um conjunto de problemas. Os filósofos, ao longo da história, têm dado resposta a esses problemas, tentando solucioná-los. Para isso, apresentam teorias e argumentos. A lógica permite assumir uma posição crítica perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia:
1. A lógica permite avaliar criticamente os problemas da filosofia. Se alguém quiser refletir sobre o problema de saber por que razão a cor azul dos átomos verdes é tão estridente, o melhor a fazer é mostrar que se trata de um falso problema. Para isso são necessários bons argumentos; não basta afirmar que se trata de um falso problema.
2. A lógica permite avaliar criticamente as teorias dos filósofos. Será que uma dada teoria é plausível? Como poderemos defendê-la? Quais são os seus pontos fracos e quais são os seus pontos fortes? E porquê?
3. A lógica permite avaliar criticamente os argumentos dos filósofos. São esses argumentos bons? Ou são erros subtis de raciocínio? Ou baseiam-se em premissas tão discutíveis quanto as suas conclusões?
A lógica representa para a filosofia o que o laboratório representa para o cientista empírico: é o palco onde as ideias se testam e avaliam criticamente. Sem esta atitude crítica não há atitude filosófica. Logo, sem lógica não pode haver uma verdadeira atitude filosófica.
Desidério Murcho “O lugar da lógica na filosofia”, Plátano Editora
Actividades:
1. Defina 'validade formal'.
2. Defina 'validade material'.
3. Defina 'verdade'.
4. Esclareça a relação entre a validade material e a validade formal.
5. Enuncie os instrumentos lógicos.
6. Quais são os princípios lógicos?
7. Explique porque é que a seguinte informação é inválida em termos formais:
«Ouviu-se o som da campainha porque ninguém tocou».
8. Defina 'conceito'.
9. Defina 'juízo'.
10. Defina 'raciocínio'.
11. Como é que se formam os conceitos?
12. Relacione os seguintes grupos de conceitos:
a) Conceito; Juízo; Raciocínio.
b) Termo; proposição; Argumento.
13. O que é a 'lógica espontânea'?
14. O que distingue a lógica espontânea da lógica científica?
15. Explique o sentido da seguinte afirmação: “[A Lógica] pode dispensar a questão da adequação à realidade exterior”.
16. Porque é que “as ciências tomam a Lógica como auxílio, quer no processo da investigação científica propriamente dita, quer na exposição/comunicação das suas 'verdades' científicas - teorias ou Leis”?