terça-feira, 27 de maio de 2014

A perspectiva de Thomas Kunh


Segundo Kuhn, a ciência suficientemente amadurecida estrutura-se e orienta-se por paradigmas. Na ausência de um paradigma, não existe ainda ciência propriamente dita. Permanece-se, ainda, no período da pré-ciência.

A pré-ciência corresponde à actividade desorganizada e diversa que marca o período que precede a formação de uma ciência e que termina quando uma comunidade científica adere a um paradigma.

Neste período, não existe ainda um trabalho concertado entre os investigadores, nem um acordo acerca dos fundamentos da investigação científica. São os paradigmas que fundam a ciência e organizam o trabalho dos cientistas.

Um paradigma é uma estrutura teórica que oferece a uma comunidade de investigadores uma visão
do mundo e uma forma específica de fazer ciência.

O período pré-científico é ultrapassado quando alguém propõe uma teoria de tal modo poderosa que toda a comunidade de investigadores se une em seu torno. O conceito de paradigma apresenta-se como o conceito central da filosofia da ciência de Kuhn e encerra em si alguns elementos distintivos.

1. Um paradigma inclui, antes de mais, leis e pressupostos teóricos fundamentais. Centra-se num corpo de leis científicas e de pressupostos gerais acerca do que uma teoria científica deve ser. Por exemplo, o paradigma copernicano centra-se na tese heliocêntrica, e o paradigma newtoniano nas leis do movimento e na lei da gravitação universal de Newton.
2. Um paradigma inclui também regras para aplicar as leis à realidade, ou seja, mostra como lidar com objectos e situações concretas a partir das leis. Por exemplo, o paradigma newtoniano inclui regras para aplicar as leis de Newton a objectos como planetas, pêndulos e bolas de bilhar.
3. Além disso, um paradigma integra regras para usar instrumentos científicos. Por exemplo, o astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) desenvolveu instrumentos para o paradigma copernicano que permitiram formular as leis do movimento dos planetas. Um paradigma diz que instrumentos se devem usar e como fazê-lo.
4. Por fim, um paradigma envolve princípios metafísicos e filosóficos. Um paradigma diz-nos que coisas existem no mundo e contém pressupostos gerais sobre a natureza e o funcionamento do universo, como o pressuposto de que tudo o que acontece tem uma causa e obedece a leis deterministas.

A ciência normal

Kuhn defende que, depois da instituição de um paradigma, se inicia um período de ciência normal. O paradigma determina o trabalho dos cientistas durante este período. Quando surge o paradigma é bastante impreciso e deixa em aberto uma infinidade de questões, o que permite que se desenvolva muita investigação a partir dele. A ciência normal caracteriza-se, pois, pelas tentativas de desenvolver o paradigma, tornando-o mais pormenorizado e completo. Os investigadores envolvidos na ciência normal não estão interessados em grandes problemas. Em vez disso, resolvem enigmas geralmente muito específicos e detalhados à luz de um paradigma. Um dos muitos enigmas teóricos que os cientistas que trabalhavam sob o paradigma newtoniano enfrentaram foi o de desenvolver pressupostos adequados para aplicar as leis de Newton ao movimento dos fluidos. E um enigma experimental foi o de tornar mais rigorosas as observações telescópicas.

A ciência normal é uma actividade de resolução de enigmas, tanto teóricos como experimentais, governada pelas leis e regras do paradigma.

Durante os períodos de ciência normal, os cientistas não são críticos em relação ao paradigma no âmbito do qual trabalham. O paradigma é aceite por uma comunidade científica que, ao contrário do que acontecia no período da pré-ciência, não questiona os pressupostos teóricos a partir dos quais a sua actividade se desenvolve. Esta actividade consiste num esforço para alargar o leque dos factos explicáveis pelo paradigma e de articular as teorias que o paradigma já inclui. No entanto, não se procura a invenção de novas teorias, nem a descoberta de novos tipos de fenómenos. Aliás, nem todos os fenómenos da natureza interessam ao cientista. É o paradigma no qual trabalha que determina que fenómenos observáveis têm interesse.

Anomalias e crise do paradigma

A actividade de resolução de enigmas nem sempre corre da melhor forma. Por vezes, os cientistas vêem-se confrontados com um enigma que não conseguem resolver recorrendo ao paradigma - mas que supostamente deveriam conseguir resolver. Surge então uma anomalia.

Uma anomalia é um enigma, teórico ou experimental, que não encontra solução no âmbito do paradigma vigente.

Quando surge uma anomalia, como uma falsificação experimental, não se consegue fazer ajustar devidamente a natureza ao paradigma: a natureza não se comporta como seria de esperar. Mas a mera existência de anomalias isoladas não provoca uma crise, não conduz a uma quebra de confiança no paradigma. Uma anomalia só será considerada séria se ameaçar os fundamentos do paradigma, se resistir durante demasiado tempo às tentativas de solução ou se puser em causa a satisfação de qualquer necessidade social. E, sempre que podem, os cientistas procuram ignorar a anomalia ou diminuir a sua importância, esperando que um dia o fenómeno que lhe dá origem possa ser acomodado pelo paradigma. Kuhn critica o falsificacionismo de Popper porque o que observa na prática científica é uma tentativa de salvar a todo o custo o paradigma vigente, e não um esforço constante para falsificar as teorias adoptadas. Apesar disto, a existência de anomalias que ameacem os princípios fundamentais do paradigma ou tenham importância prática favorece, de facto, a emergência de uma crise.

Uma crise é um período de insegurança evidente durante o qual a confiança num paradigma é abalada por sérias anomalias.

Ciência extraordinária e revolução científica


As anomalias tornam-se tema de amplo debate na comunidade científica. Progressivamente instala-se um momento de ciência extraordinária, indispensável ao surgimento de uma revolução geradora de um novo período de ciência normal.


A ciência extraordinária corresponde ao período de crise, em que se confrontam propostas explicativas novas e incompatíveis a com os procedimentos e crenças do paradigma vigente.

Durante este período, os fundamentos do paradigma vigente acabarão por ser questionados e serão levadas a cabo disputas metafísicas e filosóficas que, geralmente, em nada contribuem para a manutenção do paradigma. O fim de uma crise na ciência depende, obviamente, do surgimento de um paradigma rival que conquiste a adesão da comunidade científica. Todavia, a implantação de um novo paradigma não ocorre rápida e facilmente. Os cientistas resistem a abandonar o paradigma no qual trabalham, chegando mesmo a negar a evidência de algumas anomalias. Além disso, para que um novo paradigma se imponha, é preciso que primeiro surja uma nova teoria proposta por um cientista profundamente envolvido na crise. Só quando isso acontece, pensa Kuhn, se dá o passo decisivo para uma revolução científica.

A revolução científica corresponde ao abandono de um paradigma e à adopção de outro paradigma (novo) por parte de toda a comunidade científica.

Contrariamente a Popper, que acredita que a ciência está em permanente evolução, Kuhn afirma que as revoluções na ciência são raras, mas é através delas que a ciência muda historicamente. Uma revolução científica corresponde à aceitação, pela comunidade científica, de um novo paradigma incompatível com o anterior.
Contudo, não se pode dizer que as revoluções científicas se constituam como aproximações à verdade: dado que os paradigmas são incomensuráveis, estes não podem ser comparados a partir de um critério de verdade - a existirem critérios de verdade, estes são definidos por cada um dos paradigmas, não podendo servir de base à comparação entre paradigmas.

A incomensurabilidade dos paradigmas

Cada paradigma apresenta-nos um mundo constituído por objectos diferentes. A química anterior a Antoine Lavoisier (1743-1794), por exemplo, afirmava que na natureza existia uma substância chamada flogisto que explicava a combustão, mas no paradigma de Lavoisier o flogisto desapareceu. A teoria do electromagnetismo de James Clerk Maxwell (1831-1879) postulava a existência de um éter no universo, mas o paradigma de Einstein eliminou o éter. Os conceitos que fazem parte de um paradigma não são, pois, aqueles que surgem com o paradigma posterior. E assim, sustenta Kuhn, não há forma de fazê-los corresponder, ou seja, é impossível dizer que um conceito de um paradigma corresponde a um outro conceito do paradigma que o substituiu.

As questões investigadas no âmbito de cada paradigma são também bastante distintas, assim como os critérios que permitem determinar o que importa observar e o que é central ou periférico na teoria. Além disso, os cientistas que aderem a paradigmas diferentes aceitam pressupostos metafísicos diferentes e trabalham à luz de métodos específicos também distintos. A mudança de paradigma é holística (palavra de origem grega holos, que significa todo), porque os aspectos que constituem o paradigma mudam em conjunto, como um todo e não de forma isolada ou independente. O paradigma determina de tal forma a sua visão do mundo que, quando olham na mesma direcção, dois cientistas que aceitam paradigmas diferentes vêem mundos diferentes. Entre os paradigmas existe, portanto, um abismo intransponível. Os paradigmas são, pensa Kuhn, incomensuráveis.

A incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de compará-los objectivamente de maneira a concluir que um é superior ao outro, uma vez que eles propõem modos incompatíveis de conceber a realidade e a ciência.

Dado que Kuhn pensa que os paradigmas são incomensuráveis, pensa igualmente que não dispomos de um critério neutro, de uma medida comum, que nos permita afirmar que o novo paradigma está mais próximo da verdade que o paradigma anterior - não se pode mostrar que o novo paradigma constitui um avanço em direcção à verdade. Dizer que um paradigma constitui um avanço em relação ao seu antecessor implicaria comparar paradigmas entre si. Por isso, os proponentes do velho paradigma não podem ser objectivamente compelidos a rejeitá-lo.

Critérios objectivos e factores subjectivos

A tese da incomensurabilidade pode levar-nos a pensar que Kuhn defende que a escolha de paradigmas é completamente arbitrária. Todavia, como vimos, Kuhn acredita que as boas teorias científicas partilham certas características, que as demarcam da má ciência ou da pseudociência.

1. A exactidão ou precisão consiste na concordância entre as previsões decorrentes do paradigma (ou entre as previsões decorrentes das teorias fundamentais que compõem o paradigma) e os resultados das experimentações e das observações. Este é o mais decisivo dos cinco critérios, por ser o mais preciso e, também, por si especialmente valorizado pelos cientistas.
2. A consistência de um paradigma (ou de uma das suas teorias fundamentais) é tanto a sua consistência lógica interna, como a sua compatibilidade com outras teorias amplamente aceites e com aplicações reconhecidas a fenómenos afins.
3. O alcance ou a abrangência de um paradigma (ou de uma das suas teorias fundamentais) consiste na quantidade e na diversidade de fenómenos e de leis que o paradigma (ou uma das suas teorias fundamentais) abrange.
4. A simplicidade de um paradigma (ou de uma das suas teorias fundamentais) é parcimónia das suas explicações. Uma explicação é tanto mais parcimoniosa quanto menor é o número de leis a que apela para explicar os fenómenos observáveis e também quanto maior é o número de fenómenos dispares que, desse modo, consegue explicar.
5. A fecundidade de um paradigma (ou de uma das suas teorias fundamentais) é sua capacidade para originar novas descobertas científicas.

Ora, estas características (precisão, abrangência, consistência, simplicidade e fecundidade) deveriam poder também contribuir significativamente para a comparação de paradigmas rivais, tornando a escolha de um deles um processo de decisão inteiramente objectivo. De facto, estes critérios objectivos de apreciação de teorias têm um papel a desempenhar na escolha dos investigadores. Contudo estes critérios não bastam para que a mudança de paradigmas se possa classificar como um processo objectivo. Kuhn afirma que a exactidão, a consistência, o alcance, a simplicidade e a fecundidade, embora sejam características valorizadas por todos os cientistas, não determinam a escolha entre paradigmas. Partindo do mesmo conjunto de critérios, dois cientistas podem chegar a conclusões muito diferentes; ou porque um valoriza mais um desses critérios do que o outro, ou até porque os interpretam de maneira diferente. O modo diferente como aplicam o mesmo conjunto de critérios (um cientista valoriza mais a simplicidade enquanto o outro prefere uma teoria menos simples e mais fecunda, por exemplo) só é explicável com recurso a factores pessoais,  como a experiência anterior e a personalidade; a factores sociais, como o contexto político, económico e religioso; e a factores grupais, como a pressão dos pares ou dos elementos mais influentes da comunidade científica. São estes factores subjectivos, associados aos critérios objectivos, que explicam a preferência por um ou outro paradigma.

O desenvolvimento da ciência não é, portanto, um processo absolutamente racional de eliminação de teorias falsas à luz de critérios objectivos, mas uma sucessão de paradigmas escolhidos por uma combinação de critérios objectivos e factores subjectivos. As mudanças que ocorrem na ciência estão, assim, dependentes dos contextos sociais e psicológicos em que os cientistas se movem. A experimentação e os testes empíricos não podem servir de critério objectivo na separação das boas ou más teorias (critério de demarcação), como pensava Popper, uma vez que é o paradigma que confere sustentabilidade a uma teoria.

Podemos afirmar que, segundo Kuhn, o desenvolvimento da ciência processa-se do seguinte modo:

Pré-ciência → Paradigma → Ciência normal → Crise do paradigma/Ciência extraordinária → Revolução científica → Paradigma → …

Critica à perspectiva de Kuhn

É a tese da incomensurabilidade que recebe a principal crítica que se pode fazer à perspectiva de Kuhn. Kuhn afirma que um paradigma entra em crise quando a acumulação de anomalias coloca em causa os seus fundamentos, quando este já não é capaz de responder aos enigmas colocados pela experiência. O novo paradigma que emergiu é capaz de solucionar os aspectos enigmáticos da experiência que levaram ao abandono do velho paradigma. Assim, a tese da incomensurabilidade parece não fazer sentido. Os paradigmas não são completamente incomensuráveis, uma vez que o novo paradigma parece apresenta-se como superior ao velho e as anomalias que existiam no anterior deixaram de existir no novo.

A tese de que não há, em ciência, uma aproximação à verdade até pode ser verdadeira, mas que as teorias hoje aceites permitem explicar, prever e controlar com mais sucesso os fenómenos também é verdade.

A ciência parece, cada vez mais, trilhar os caminhos da racionalidade e da objectividade.

domingo, 25 de maio de 2014

Filosofia da Ciência - Ficha Formativa

Grupo I
Texto 1
"Uma característica notável de muita informação que adquirimos através da experiência comum é que, embora ela possa ser suficientemente precisa dentro de certos  limites, raramente é acompanhada por qualquer explicaçāo que nos diga por que se deram os factos alegados."
Ernst Nagel


1. Identifique o tipo de conhecimento a que o texto se refere. Justifique.

2. Distinga ciência de senso comum, a partir das três características da ciência mais importantes (de acordo com a sua opinião).


Grupo II

1. De acordo com Karl Popper as teorias científicas podem ser verificadas? Porquê.
2. O conhecimento científico é objectivo? Responda a esta questão confrontando as perspectivas de Popper e Kuhn.

_____________________
Correção:

Grupo I

1. O texto refere-se ao senso com um (conhecimento vulgar). 
A "experiência comum" a que o texto se refere é a experiência sensorial, ingénua, não mediada racionalmente, através da qual contactamos com a realidade na nossa vida quotidiana.
Essa experiência espontânea dá-nos um conhecimento superficial da realidade, embora esse conhecimento possa ser muito variado, não é suficiente para ficarmos com uma visão sistemática do mundo.
O texto refere, ainda, que essa experiência "raramente é acompanhada por qualquer explicação": o conhecimento vulgar, ao contrário do que se passa com a ciência, não é explicativo, não procura descobrir as causas reais dos fenómenos. Isto porque se trata de um conhecimento que tem uma forte componente prática, é constituído por segmentos de informação que nos permitem funcionar no mundo em que vivemos: como acender a luz, como abrir uma fechadura, como apanhar um autocarro, como usar uma ferramenta, etc., não necessitando, assim, de grandes explicações.

2. É difícil selecionar as três características mais importantes da ciência, porque muitas dessas características estão interligadas. Mas podemos procurar os pontos de encontro das principais características da ciência: a sistematicidade, o carácter metódico, o carácter explicativo, a revisibilidade, entre outras, remetem para o facto da ciência ser um saber racional: o senso comum é um saber empírico, ou seja, é um saber que deriva de forma direta e acrítica da experiência quotidiana, sem 'filtros' que lhe garantam o rigor e sem a obediência a princípios lógicos que lhe garantam a coerência.
Pelo contrário, a ciência é um saber altamente testado, sofisticado do ponto de vista lógico e conceptual, que procura explicar o funcionamento da realidade (natureza, universo...). Este objectivo só é alcançável através da problematização: o carácter racional da ciência evidencia-se na problematização - ao colocar problemas, o cientista aprofunda o seu conhecimento da realidade, coloca-se na posição de quem mergulha para lá da superfície da experiência sensorial e vai ao fundamento de toda a explicação: as causas ocultas dos fenómenos. E não estamos perante nenhuma forma de 'ocultismo': as aparências sensoriais escondem o que de facto acontece na complexíssima fábrica do mundo, a constituição da matéria, as forças que atuam sobre os corpos, enfim, tudo o que está para além da imediatez do conhecimento sensorial.
Na problematização está pressuposta uma atitude crítica em relação aos dados da experiência, mas também em relação às explicações racionais: em ciência o dogmatismo funciona como um travão à descoberta, por isso as conclusões alcançadas são encaradas como boas respostas aos problemas que, no futuro, poderão ser substituídas por outras melhores. A ciência é, portanto, revisível, pode ser melhorada, com vista a que se encontrem explicações mais verdadeiras.
Outra característica da ciência que podemos destacar é a sua dimensão factual: a ciência assenta em factos, o que torna muito importante a experiência na sua construção. Mas já não se trata da experiência sensorial, tal com acontece ao nível do quotidiana, trata-se, pelo contrário, de uma experiência mediada racionalmente, que incorpora elementos metodológicos necessários ao cumprimento das metas da investigação: como observação, a experiência assume em ciência uma dimensão instrumental e quantitativa, os cientistas observam os fenómenos utilizando instrumentos que lhes permitem ultrapassar as lacunas do conhecimento dos sentidos (que estão na base da argumentação céptica e cartesiana). A observação científica assenta na medida, pelo que grande parte dos instrumentos de observação científica são instrumentos de medida ou têm na medição a razão de ser do seu funcionamento. Só assim é possível recolher dados quantitativos, objectivos, que podem ser trabalhados com base em instrumentos de análise matemática. Assim se ultrapassa o subjectivismo do conhecimento vulgar e se pode alcançar um conhecimento objectivo.
Mas a experiência em ciência também assume uma dimensão experimental: os cientistas, depois de formularem hipóteses explicativas, testam-nas construindo experiências que reproduzem os fenómenos naturais em situações controladas, frequentemente em laboratório. Aí a experiência é depurada de todos os elementos que possam introduzir imprecisões ou confusão para que se possa aquilatar com rigor as relações causais que produzem os fenómenos.
Por fim, podemos destacar a importância do conhecimento científico para a evolução histórica da humanidade. É que a ciência está na base da tecnologia e, através desta, te um impacto crescente na vida dos seres humanos e das sociedades. Vivemos hoje numa sociedade do conhecimento, em que se assiste a uma galopante sucessão de inovações tecnológicas que, de forma muito rápida, mudam a sociedade e a nossa vida, trazendo novas formas de comunicar, mais poder reivindicativo para os cidadãos, um alargamento inaudito da esperança média de vida e um acesso à informação e ao saber nunca antes experienciado.
Estas mudanças profundas são são possíveis graças à ciência e ao seu sentido progressivo: a ciência está sempre em evolução e, por isso, serve de motor da História, provoca transformações nas formas de pensar, nas relações sociais, nas transções económicas, no fundo em tudo o que faz a malha cada vez mais complexa da cultura e da sociedade que são a base da vida humana.
O senso comum, pode, pelo contrário, ser considerado conservador, uma vez que é um repositório acrítico de conhecimentos dispersos, onde o novo se confunde com o ancestral e o irracional muitas vezes trava a marcha da racionalidade.

Grupo II

1. 
De acordo com Karl Popper as teorias científicas não podem ser verificadas.
Em primeiro lugar, para haver lugar à verificação das teorias (que são universais) teria que ser possível conhecer todos os fenómenos explicáveis com base na teoria, ou ter um princípio de indução capaz de garantir à indução a possibilidade de derivar a verdade da conclusão da verdade das premissas (o que é uma característica da validade dedutiva). 
Karl Popper, seguindo na esteira de David Hume, rejeita o indutivismo que é a base do verificacionismo: quando se fazem testes experimentais às teorias não se pode pretender verificá-las, uma vez que é impossível garantir a verdade de conclusões universais a partir de premissas particulares, pois é sempre possível que existam excepções à teoria que ainda não foram observadas.
Sendo assim, a única forma de corroborar as teorias será através do princípio da falsificabilidade: a aparente fraqueza das teorias científicas, a sua inverificabilidade, é, no entanto, a sua força. ou seja o que garante a fecundidade da investigação científica e a revisibilidade evolutiva da ciência. Uma teoria só é científica se for falsificável, isto é, se, a partir do momento em que é formulada, abre as portas à possibilidade da sua falsificação.
A falsificabilidade é, por isso, o critério de demarcação que permite separar a ciência da não-ciência. O conhecimento científico não é dogmático nem evolui por acréscimos sucessivos de novas verdades, pelo contrário, a ciência avança, sim, mas pela eliminação do erro, não pela afirmação de verdades absolutas. Isto não quer dizer que na ciência não existem certezas: quando uma teoria é falsificada pela experiência há a certeza, absoluta e irrevogável, de que a teoria é falsa e deve ser substituída por outra melhor, mais ajustada à experiência.

2. 
De acordo com Karl Popper o conhecimento científico é objectivo porque se baseia na observação da realidade, tendo, por isso, uma base observacional e factual. Os factos não são construídos pelo sujeito cognoscente, embora sejam abordados observacionalmente a partir dos interesses de quem investiga: a observação científica é orientada pela problematização que, por sua vez, pressupõe uma participação activa do sujeito na busca e construção do saber.
No entanto os fenómenos observados em ciência têm uma dimensão positiva, factual e empírica, que não depende da natureza do sujeito cognoscente nem das condições subjectivas e culturais em que o conhecimento se desenrola. É isto que permite garantir o rigor da ciência e a corroboração das teorias.
No caso de Thomas Kuhn a resposta será radicalmente diferente: a ciência não é objectiva porque a definição do objecto da ciência depende do paradigma que serve de base à prática de cada comunidade científica. Sendo assim a própria forma como a realidade é entendida depende das orientações paradigmáticas e são estas que vão permitir decidir o que é ou não objecto da ciência e o que os cientistas devem poder esperar do seu objecto de investigação.
Quando muda o paradigma muda também a forma com os cientistas encaram os objectos por si estudados. Há a possibilidade de surgirem novas formas de conceber os objectos investigados e investigáveis, de abandonar as anteriores categorizações que diziam aos cientistas que tipos de ser poderiam encontrar na natureza e quais as relações que se podem estabelecer entre os diversos elementos da realidade. Se na Idade Média a existência dos anjos era praticamente inquestionável, hoje em dia os mesmos não passam de seres pertencentes ao campo do imaginário, completamente desprovidos da possibilidade de virem a ser considerados como objectos de qualquer conhecimento científico.



terça-feira, 6 de maio de 2014

Silogismo: questões de exame

1.  Considere a proposição seguinte.

«Alguns seres vivos são animais».

Construa um silogismo categórico válido da primeira figura em que a proposição apresentada seja
a conclusão e o termo médio seja «vertebrados».
Indique o modo do silogismo construído.
Exame: 1ª Fase 2013


2.  Considere os termos seguintes.

Termo maior – «convincentes».
Termo médio – «oradores».
Termo menor – «políticos».

Construa um silogismo categórico válido da terceira figura, utilizando os termos apresentados.
Indique o modo do silogismo construído.
Exame: 1ª Fase 2013


3. Teste a validade do seguinte argumento, aplicando expressamente as regras do silogismo adequadas.

Todos os pedantes são enfadonhos.
Alguns intelectuais não são enfadonhos.
Logo, alguns intelectuais não são pedantes.
Exame: 1ª Fase 2012


4. Teste a validade do seguinte argumento, aplicando expressamente as regras do silogismo adequadas.

Nenhum retórico é ignorante.
Todos os advogados são retóricos.
Logo, nenhum advogado é ignorante.
Exame: 1ª Fase 2012


5. Teste a validade do seguinte argumento, aplicando expressamente as regras do silogismo adequadas.

Todos os portugueses são cidadãos europeus.
Alguns eurocéticos são portugueses.
Logo, alguns eurocéticos são cidadãos europeus.
Exame: Fase extraordinária 2012



6. Identifique os termos que se encontram distribuídos em cada uma das proposições seguintes.

a) Nenhum racionalista é empirista.
b) Alguns filósofos são idealistas.

7. De acordo com as regras do silogismo, é possível derivar validamente uma  conclusão a partir das proposições seguintes? Justifique.

Algumas obras influentes foram recomendadas aos alunos.
Muitas obras influentes foram escritas por filósofos.
Exame: 1ª Fase 2007


8. Identifique os termos maior, menor e médio do silogismo seguinte.

Nenhum ser intolerante é pacífico.
Alguns seres humanos são intolerantes.
Logo, alguns seres humanos não são pacíficos.

9. Construa um silogismo válido com as premissas seguintes.

Premissa maior: alguns cientistas são relativistas.
Premissa menor: todos os cientistas são seres racionais.
Exame: 2ª Fase 2007


10. Apresente o argumento seguinte na forma silogística (forma-padrão do silogismo), enunciando na forma canónica as proposições que o compõem.

"Não há filósofos dogmáticos, visto que qualquer filósofo é crítico. Mas nenhum dogmático é crítico."

11. Verifique se é válido ou não o silogismo seguinte, aplicando as regras de validade silogística.

Todas as boas pessoas são simpáticas.
Nenhum egoísta é boa pessoa.
Logo, nenhum egoísta é simpático.
Exame: 1ª Fase 2006


12.Apresente o argumento seguinte na forma silogística (forma-padrão do silogismo), enunciando na forma canónica as proposições que o compõem.

"Há filósofos mediterrânicos, pois certos filósofos são gregos, e os gregos são mediterrânicos."

13. Verifique se é válido ou não o silogismo seguinte, aplicando as regras de validade silogística.

Alguns fundamentalistas são violentos.
Todos os ditadores são fundamentalistas.
Logo, alguns ditadores são violentos.
Exame: 2ª Fase 2006

Falácias Informais e Validade Dedutiva: Questões de Exame

Leia o seguinte exemplo de uma falácia apresentado por Irving M. Copi e Carl Cohen.

Texto A
Para haver paz, temos de não encorajar o espírito competitivo. Ao passo que, para haver progresso, temos de encorajar o espírito competitivo. Temos ou de encorajar o espírito competitivo ou de não encorajar o espírito competitivo. Logo, ou não haverá paz ou não haverá progresso.
Irving M. Copi e Carl Cohen, Introduction to logic, Nova Iorque, Macmillan Publishing Company, 1994 (adaptado)

2. Identifique a falácia informal em que incorre o argumento transcrito.
Justifique a resposta.

3.  Defina «argumento dedutivamente válido».


Exame: Fase Extraordinária 2012

David Hume: questão de exame


Leia o texto seguinte.

"Todas as ideias são copiadas de impressões ou de sentimentos precedentes e, onde não pudermos encontrar impressão alguma, podemos ter a certeza de que não há qualquer ideia.
Em todos os exemplos singulares das operações de corpos ou mentes, não há nada que produza qualquer impressão e, consequentemente, nada que possa sugerir qualquer ideia de poder ou conexão necessária. Mas quando aparecem muitos casos uniformes, e o mesmo objeto é sempre seguido pelo mesmo evento, começamos a ter a noção de causa e de conexão."
David Hume, Tratados Filosóficos I, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2002 (texto adaptado)

1. A partir do texto, exponha a tese empirista de Hume sobre a origem da ideia de conexão causal.
Na sua resposta, integre, de forma pertinente, informação do texto.

Exame: 1ª Fase 2013

Questões de Exame: Kant e Stuart Mill


Leia o texto seguinte.

"Ora todos os imperativos ordenam ou hipotética ou categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade.
[...] No caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético; se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como necessária numa vontade em si conforme à razão, como princípio dessa vontade, então o imperativo é categórico."
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 2011

1.  A partir do texto, mostre por que razão, para Kant, a ação com valor moral se fundamenta no imperativo categórico e não em imperativos hipotéticos.
Na sua resposta, integre, de forma pertinente, informação do texto.

2.  Será que há deveres morais absolutos?
Compare as respostas de Kant e de Stuart Mill a esta questão.



Exame: 1ª Fase 2013

sábado, 3 de maio de 2014

Os valores - Análise e compreensão da experiência valorativa / Valores e Cultura - CORREÇÂO

Grupo I
Escolha apenas uma alternativa em cada questão.

1. A afirmação "Não há códigos morais únicos nem valores absolutos" identifica-se com a perspectiva filosófica que habitualmente designamos por:

(A) etnocentrismo;
(B) dogmatismo;
(C) relativismo;
(D) absolutismo.


2. A perspectiva axiológica que afirma os valores como propriedades reais existentes nos objectos designa-se por:

(A) subjectivismo;
(B) ontologismo;
(C) objectivismo;

(D) naturalismo.


3. A cultura pode ser definida como:

(A) um conjunto de saberes que permite distinguir os indivíduos dentro do grupo social a que pertencem;
(B) um conjunto de formas de estar, pensar e agir características de uma sociedade;
(C) um fenómeno que ocorre no interior das sociedades actuais;
(D) um fenómeno que ocorre entre os diversos seres vivos.


4. O juízo "A discriminação das mulheres grávidas no acesso ao emprego é injusta" é um juízo:

(A) de valor; verdadeiro;
(B) de valor; afirmativo;
(C) de facto; afirmativo;
(D) de facto; verdadeiro.

5. O facto de ao valor belo corresponder o seu contravalor feio permite-nos confirmar:

(A) a sua objectividade;
(B) a sua subjectividade;
(C) a sua polaridade;
(D) a sua hierarquia.


6. O relativismo cultural é a perspectiva filosófica que defende:

(A) a universalidade de valores e culturas;
(B) a impossibilidade de as culturas serem tolerantes umas com as outras;
(C) a possibilidade de as culturas se compreenderem mutuamente à luz dos seus próprios valores;
(D) a diversidade de valores e culturas.


7. Os juízos de valor são enunciados subjectivos. Esta afirmação é:

(A) verdadeira, porque os juízos de valor são afirmações sobre diferentes sujeitos;
(B) verdadeira, porque os juízos de valor são enunciados que derivam da valoração que o sujeito faz da realidade;
(C) falsa, porque os juízos de valor são afirmações que derivam de experiências que são comuns a todos os homens;
(D) falsa, porque os juízos de valor são enunciados objectivos.


8. O diálogo intercultural implica:

(A) A comunicação entre as diferentes culturas, tendo em vista o seu entendimento e mútuo enriquecimento;
(B) a aceitação passiva de uma pluralidade de opiniões provenientes de diferentes culturas;(C) a comunicação a partir de uma dada cultura e de uma língua específica que todos conhecem;

(D) a aceitação de uma pluralidade de opiniões provenientes exclusivamente de uma dada cultura dominante.


9. A afirmação "Não há códigos morais únicos nem valores absolutos" identifica-se com a perspectiva filosófica que habitualmente designamos por:

(A) relativismo;
(B) etnocentrismo;
(C) dogmatismo;
(D) absolutismo.


10. O facto de eu afirmar que a liberdade está acima da segurança, confirma que:
(A) os valores são bipolares;
(B) os valores são hierarquizáveis;
(C) os valores são universais;
(D) os valores são objectivos;


11. De acordo com o relativismo cultural,

(A) os critérios valorativos não variam de cultura para cultura;

(B) existe um padrão universal para avaliar os costumes;
(C) todas as práticas culturais devem ser toleradas;
(D) os códigos morais são idênticos em todas as culturas.


12. Segundo o relativismo cultural,


(A) a moralidade não é uma questão de convenção social;
(B) os hábitos e as tradições culturais não devem ser valorizados;
(C) há verdades morais aceites por todos os povos e culturas;
(D) os juízos morais dependem das convenções de cada sociedade.


13. Analise as seguintes afirmações:


1. 'Portugal é o melhor país da Europa para se viver';

2. 'Hoje em Faro registou-se uma temperatura de zero graus à meia-noite';
3. 'A Torre de Belém é um edifício manuelino';
4. 'Camões é o melhor escritor português de todos os tempos';
6. 'Cristiano Ronaldo é o futebolista português com mais títulos';
7. 'Cristiano Ronaldo é um bom jogador';
8. 'Esta sala é adequada ao estudo'.


14. Das seguintes alternativas, escolha a que identifica corretamente quais das afirmações são juízos de valor:

(A) 1; 3; 7 e 8;

(B) 1; 4; 7;
(C) 2; 4; 8;
(D) 1; 2; 4; 7.


15. A cultura de uma sociedade corresponde:

(A) Aos seus modos de vida;
(B) às suas formas de produção artística;
(C) aos seus padrões de trabalho;
(D) às suas actividades de lazer.


16. Considere as afirmações seguintes:

1. É errado não ajudar a resolver o problema da fome no mundo.

2. Muitas pessoas não ajudam a resolver o problema da fome no mundo.
3. Algumas pessoas abandonam o seu estilo de vida, chegando mesmo a pôr a sua vida em risco, para ajudar a combater a fome no mundo.

(A) 1 e 2 são juízos de facto e 3 é um juízo de valor.

(B) 1 é um juízo de valor e 2 e 3 são juízos de facto.
(C) 1 e 3 são juízos de valor e 2 é um juízo de facto.
(D) 3 é um juízo de facto e 1 e 2 são juízos de valor.


17. Analise as afirmações que se seguem sobre juízos de facto e juízos de valor. Em seguida escolha alternativa correta:

(A) Os juízos de valor são interpretações subjetivas e expressam as emoções do sujeito;
(B) os juízos de facto são descrições objetivas e expressam as emoções do sujeito;
(C) os juízos de valor são descritivos, neutros, impessoais e empiricamente verificáveis;
(D) Os juízos de facto são interpretações subjetivas e expressam as emoções do sujeito;


18. Considere as seguintes afirmações:

1. Os juízos de valor são apenas uma questão de gosto pessoal.

2. Em matéria de valores, todas as opiniões são erradas.
3. Os juízos de valor dependem dos contextos sociais.

Acerca dos valores, os relativistas consideram que:


(A) 3 é verdadeira; 1 e 2 são falsas.

(B) 1 e 3 são verdadeiras; 2 é falsa.
(C) 1 e 2 são verdadeiras; 3 é falsa.
(D) 1, 2 e 3 são verdadeiras.


19. De acordo com os defensores do objetivismo axiológico:

(A) os valores dependem dos critérios valorativos de cada indivíduo;
(B) os valores estão nas propriedades concretas dos objetos;
(C) o ensino dos valores não faz sentido;
(D) Não há valores absolutos.

20. Considere as afirmações seguintes:

1. Os valores dependem apenas da educação que se teve.
2. Os juízos de valor de pessoas diferentes não podem coincidir.
3. Os valores são uma questão de preferências pessoais.


21. Acerca dos valores, os subjetivistas consideram que:

(A) 1 é falsa; 2 e 3 são verdadeiras.
(B) 1 e 2 são verdadeiras; 3 é falsa.
(C) 1 e 2 são falsas; 3 é verdadeira.

(D) 1 é verdadeira; 2 e 3 são falsas.


22. A axiologia é a disciplina filosófica que estuda:

(A) A totalidade do real;
(B) os valores;
(C) os objectos valiosos;

(D) o homem e as suas experiências de vida.


23.De acordo com o subjetivismo axiológico:

(A) Os valores têm uma existência autónoma em relação ao sujeito;
(B) os valores são uma propriedade objetiva da realidade;
(C) os valores devem a sua existência às características psicológicas do sujeito;
(D) a avaliação que o ser humano faz do mundo depende de critérios valorativos universais.


Ficha Formativa - A Ética Deontológica de Kant

Esta ficha foi distribuída em duas partes:



______
Objetivos: 1. Compreender a ética deontológica de Kant.
                     2. Definir o conceito de dever moral.
                     3. Definir o conceito de boa vontade.
                     4. Compreender o imperativo categórico como critério moral racional.
                     5. Compreender a universalização como a base de aplicação do imperativo categórico.
                     6. Reconhecer e aplicar as duas versões do imperativo categórico.
                     7. Distinguir entre autonomia e heteronomia.
                     8. Compreender a pessoa como fim em si mesmo.
                     9. Distinguir entre preço e dignidade.
                   10. Distinguir agir por dever e agir conforme ao (ou em conformidade com) o dever.
A execução desta ficha deve ser acompanhada da leitura do manual pp. 126-133
Pode ser útil a consulta do glossário do manual e o Dicionário Escolar de Filosofia (Ver secção do blogue com esse nome).

Na moral, o ponto de partida de Kant é o de que o único bem irrestrito é uma vontade boa. Talento, carácter, autodomínio e fortuna podem ser usados para alcançar maus fins; até mesmo a felicidade pode corromper. O que constitui o bem de uma vontade boa não é o que esta alcança; a vontade boa é um bem em si e por si, ela é o fundamento da lei moral. A lei moral é a orientação da nossa razão para o Bem, para o cumprimento do dever moral (que é o dever de termos uma vontade boa).
“Ainda que por um desfavor especial do destino, ou pelo apetrechamento avaro duma natureza madrasta, faltasse totalmente a esta boa vontade o poder de fazer vencer as suas intenções, mesmo que nada pudesse alcançar a despeito dos seus maiores esforços, e só afinal restasse a boa vontade […] ela ficaria brilhando por si como uma jóia, como coisa que em si tem o seu pleno valor.”
Não foi para procurar a felicidade que os seres humanos foram dotados de vontade; para isso, o instinto teria sido muito mais eficiente. A razão foi-nos dada para originar uma vontade boa não enquanto meio para outro fim qualquer, mas boa em si. A vontade boa é o mais elevado bem e a condição de possibilidade de todos os outros bens, incluindo a felicidade.
Que faz, pois, uma vontade ser boa em si? Para responder a esta questão, temos de investigar o conceito de dever. Agir por dever é exibir uma vontade boa face à adversidade. Mas temos de distinguir entre agir de acordo com o dever e agir por dever. Um merceeiro com medo das autoridades ou um filantropo que se deleite com o contentamento alheio podem agir de acordo com o dever: o merceeiro pode nunca enganar os seus clientes por ter medo de ser punido caso algum cliente, tendo sido enganado, se queixe às autoridades; por outro lado uma pessoa que sente grande prazer em ajudar os outros pode fazer doações a instituições de caridade. Mas ações deste tipo, por melhores e por mais agradáveis que sejam, não têm, de acordo com Kant, valor moral. O nosso carácter só mostra ter valor quando alguém pratica o bem não por inclinação mas por dever — quando, por exemplo, um homem que perdeu o gosto pela vida e anseia pela morte continua a dar o seu melhor para preservar a sua própria vida, de acordo com a lei moral.
De acordo com Kant não devemos agir motivados por inclinações sensíveis ou por interesses egoístas. Se um pai se atira à água tumultuosa de um rio para salvar o seu filho, se o fizer por amor, fá-lo por uma inclinação sensível, não por dever, embora aja em conformidade com o dever (pois, se agisse por dever, faria exatamente a mesma coisa). Neste caso, a ação do pai não tem valor moral, porque não agiu de forma desinteressada. Por outro lado, se quem se atirar à água for um desconhecido e se a sua única intenção for cumprir o dever moral, então, nesse caso, essa ação terá valor moral porque terá sido executada por dever.
A doutrina de Kant é, a este respeito, completamente oposta à de Aristóteles, que defendia não serem as pessoas realmente virtuosas desde que o exercício da virtude fosse contra a sua natureza; a pessoa verdadeiramente virtuosa gosta decididamente de praticar atos virtuosos. Para Kant, por outro lado, é a dificuldade de praticar o bem que é a verdadeira marca da virtude. Kant dá-se conta de ter estabelecido padrões muito difíceis de conduta moral — e está perfeitamente disposto a considerar a possibilidade de nunca ter havido, de facto, uma ação levada a cabo unicamente com base na moral e em função do sentido do dever.
O que é, pois, agir por dever? Agir por dever é agir em função da reverência pela lei moral; e a maneira de testar se estamos a agir assim é procurar a máxima, ou princípio, com base na qual agimos, isto é, o imperativo ao qual as nossas ações se conformam. Há dois tipos de imperativos: os hipotéticos e os categóricos. O imperativo hipotético afirma o seguinte: se quisermos atingir determinado fim, age desta ou daquela maneira. O imperativo categórico diz o seguinte: independentemente do fim que desejamos atingir, age desta ou daquela maneira. Há muitos imperativos hipotéticos porque há muitos fins diferentes que os seres humanos podem propor-se alcançar. Há um só imperativo categórico, que é o seguinte: "Age apenas de acordo com uma máxima que possas, ao mesmo tempo, querer que se torne uma lei universal".
Kant ilustra este princípio com vários exemplos, dos quais podemos mencionar dois. O primeiro é este: tendo ficado sem fundos, posso cair na tentação de pedir dinheiro emprestado, apesar de saber que não serei capaz de o devolver. Estou a agir segundo a máxima "Sempre que pensar que tenho pouco dinheiro, peço dinheiro emprestado e prometo pagá-lo, apesar de saber que nunca o devolverei". Não posso querer que toda a gente aja segundo esta máxima, pois, nesse caso, toda a instituição da promessa cairia por terra. Assim, pedir dinheiro emprestado nestas circunstâncias violaria o imperativo categórico.
Um segundo exemplo é este: uma pessoa que esteja bem na vida e a quem alguém em dificuldades peça ajuda pode cair na tentação de responder "Que me interessa isso? Que todos sejam tão felizes quanto os céus quiserem ou quanto o conseguirem; não o prejudicarei, mas também não o ajudo". Esta pessoa não pode querer que esta máxima seja universalizada porque pode surgir uma situação na qual ela própria precise do amor e da simpatia de outras.
Estes casos ilustram duas maneiras diferentes a que o imperativo categórico se aplica. No primeiro caso, a máxima não pode ser universalizada porque a sua universalização implicaria uma contradição (se ninguém cumprir as suas promessas, as próprias promessas deixam de existir). No segundo caso, a máxima pode ser universalizada sem contradição, mas ninguém poderia racionalmente querer a situação que resultaria da sua universalização.
Kant oferece uma formulação complementar do imperativo categórico. "Age de tal modo que trates sempre a humanidade, quer seja na tua pessoa quer na dos outros, nunca unicamente como meios, mas sempre ao mesmo tempo como um fim." Kant pretende, que este imperativo é equivalente ao anterior e que permite retirar as mesmas conclusões práticas.
Como ser humano, afirma Kant, não sou apenas um fim em mim mesmo, sou um membro do reino dos fins — uma associação de seres racionais sob leis comuns a todos. A minha vontade, como se disse, é racional na medida em que as suas máximas puderem transformar-se em leis universais. A conversa desta afirmação diz que a lei universal é a lei feita por vontades racionais como a minha. Um ser racional "só está sujeito a leis feitas por si mesmo e que, no entanto, sejam universais". No reino dos fins, todos somos igualmente legisladores e súbditos. Isto faz lembrar a vontade geral de Rousseau.
É aqui que entra a distinção kantiana entre autonomia e heteronomia. A pessoa só pode assumir-se como um fim em si mesmo se for autónoma, ou seja, se se guiar pela sua razão em todas as dimensões da sua vida, inclusive no campo da moralidade. A autonomia, neste sentido, significa independência racional (aquilo a que Kant também chama maioridade) – a palavra autonomia tem origem em duas palavras gregas: ‘autos’, que significa ‘si próprio’ e ‘nomos’ que significa ‘norma’ ou ‘lei’, daqui se depreende que quem é autónomo segue as suas próprias leis, ou seja, não está dependente de normas morais exteriores. Isto é interessante, porque, de acordo com Kant, se seguirmos a nossa razão estamos a ser autónomos e, ao mesmo tempo, estamos a instituir uma legislação universal, porque a razão é universal (é idêntica em todos os sujeitos e permite o acordo da ação de todos os sujeitos racionais, se estes cumprirem a lei moral).
A heteronomia é, pelo contrário, um estado de dependência – ‘heteros’, em Grego antigo significa ‘outro’, o que nos leva a concluir que a heteronomia significa seguirmos as normas/leis/máximas ditadas por outros, é sermos dependentes da vontade dos outros (sejam eles pessoas, instituições, grupos sociais ou a sociedade).
Kant conclui a exposição do seu sistema moral com um elogio à dignidade da virtude. No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Se algo tem um preço, pode ser trocado por qualquer outra coisa. O que tem dignidade é único e não pode ser trocado; está além do preço.
A "moralidade, e a humanidade enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade. A destreza e a diligência no trabalho têm um preço venal; a argúcia de espírito, a imaginação viva e as fantasias têm um preço de sentimento; pelo contrário, a lealdade nas promessas, o bem querer fundado em princípios (e não no instinto) têm um valor intrínseco." As palavras de Kant ecoaram ao longo do século XIX e ainda emocionam muitas pessoas hoje em dia.
Assim, a segunda formulação do imperativo categórico diz-nos que temos o dever moral de tratar as pessoas como fins em si mesmos e não como coisas que podem ser usadas para alcançarmos os nossos próprios fins – ou seja, temos que respeitar a autonomia das outras pessoas, independentemente da sua condição social ou económica.
Anthony Kenny (Texto adaptado)
Retirado de História Concisa da Filosofia Ocidental, de Anthony Kenny. Trad. Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral (Temas e Debates, 1999).

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Atividades:


Grupo I

1.Segundo Kant, agir moralmente bem depende:
a) Dos resultados da ação;
b) Da intenção do agente;
c) Da felicidade do agente;
d) Da satisfação interior que decorre da ação realizada.

2. Agir por dever é:
a) Respeitar a lei moral porque não se pratica crime algum.
b) Respeitar uma exigência moral hipotética;
c) Cumprir o dever sem qualquer outro objectivo.
d) Agir de uma forma em que os nossos desejos e interesses influenciam a nossa motivação.

3. Uma acção genuinamente moral é, para Kant, a que:
a) Fazemos por compaixão;
b) Fazemos por amor ao próximo;
c) Fazemos por respeito absoluto pela lei moral.
d) Fazemos por interesse em cumprir o dever.

4. Segundo Kant, para determinar o valor moral de uma acção temos de dar atenção:
a) Aos interesses envolvidos na ação;
b) À razão porque realizamos essa ação;
c) Aos efeitos da ação;
d) Ao que resulta do que fizemos.

5. A boa vontade é:
a) A vontade que age motivada exclusivamente pelo cumprimento do dever;
b) A vontade de um agente moralmente bom;
c) Uma vontade altruísta;
d) A vontade cujos atos produzem sempre boas consequências.

6. De acordo com Kant,
a) Para agir moralmente é suficiente fazer o que é correto;
b) Para agir moralmente temos de sentir simpatia pelos outros;
c) Para agir moralmente temos de fazer o que é correto pelas razões corretas;
d) Para agir moralmente temos respeitar a vontade de Deus.

7. Assinale das seguintes máximas a que para Kant tem valor moral genuíno:
a)«Serei honesto com os meus clientes de modo a ganhar a sua confiança e aumentar os meus lucros»;
b)«Serei honesto com os meus clientes porque são boas pessoas»;
c)«Não enganarei os meus clientes porque tenho bom carácter e gosto deles»;
d)«Serei honesto com os meus clientes porque a minha obrigação é respeitá-los».

8. O imperativo categórico é:
a) Um princípio condicionalmente imposto pela razão;
b) Um princípio que nos permite prever as consequências das nossas ações;
c) Uma obrigação absoluta e incondicionada;
d) Um princípio que nada tem a ver com as máximas que orientam as nossas ações.

9. Ajudar os outros por compaixão é, segundo Kant, uma ação:
a) Louvável, mas que não pode ser considerada como moralmente boa;
b) Correta porque baseada num bom sentimento;
c) Motivada pelo sentido do dever;
d) Uma ação correta porque baseada no Imperativo Categórico.

10. Ajudo alguém porque espero ser recompensado ou porque sinto ter o dever de o fazer. Isto significa que:
a) A mesma ação pode ser praticada com diferentes intenções.
b) A mesma ação pode ter diferentes consequências.
c) A moral kantiana tem origem na nossa experiência de carácter moral.
d) Apenas no primeiro caso a ação tem valor moral.

11. Quando Kant afirma que o valor moral de uma acção depende da intenção quer dizer que:
a) Uma ação tem valor moral se for motivada apenas pela compaixão pelos outros.
b) O conhecimento das intenções não é importante para determinarmos um valor moral de uma ação.
c) Há ações que não têm consequências.
d) Para determinar o valor moral de uma ação é, algumas vezes, necessário saber com que intenção essa ação foi praticada.

12. As regras morais devem ser respeitadas independentemente das consequências (boas ou más). Esta afirmação vale para:
a) O consequencialismo.
b) O utilitarismo
c) O deontologismo ou ética deontológica.
d) O altruísmo.

15. Segundo a ética deontológica de Kant, o bem último da ação é:
a) A felicidade.
b) A vontade boa.
c) O interesse da maioria.
d) Viver com a consciência tranquila.

16. Justifique a resposta que deu às questões 6, 7 e 9.


Grupo II
Texto 1  
"Numa cidade da Europa, uma mulher estava quase a morrer com um tipo muito raro de cancro. Havia um remédio, feito à base de Rádio, que os médicos imaginavam que poderia salvá-la, e que um farmacêutico da mesma cidade havia descoberto recentemente. A produção do remédio era cara, mas o farmacêutico cobrava por ele dez vezes mais do que lhe custava produzi-lo: O farmacêutico pagou €400 pelo Rádio e cobrava €4000 por uma pequena dose do remédio. Henrique, o marido da enferma, procurou todos os seus conhecidos para lhes pedir dinheiro emprestado, e tentou todos os meios legais para consegui-lo, mas só pôde obter uns €2000, que é justamente a metade do que custava o medicamento. Henrique disse ao farmacêutico que a sua mulher estava a morrer e pediu-lhe que vendesse o remédio mais barato, ou que o deixasse pagar a prestações. Mas o farmacêutico respondeu: ‘Não, eu descobri o remédio e vou ganhar dinheiro com ele’. Assim, tendo tentado obter o medicamento por todos os meios legais, Henrique, desesperado, considera a hipótese de assaltar a farmácia para roubar o medicamento para sua esposa. O Henrique deve roubar o medicamento?”
Kohlberg

Texto 2
"Este caso não é, obviamente, um caso de fácil solução. Ele é, na verdade, um dilema moral. Dilemas morais são aquelas situações em que, qualquer que seja o modo de proceder, aparentemente implica violar uma norma moral e agir, portanto, contra a virtude (contra o bem moral). No caso, ou Henrique arrombaria a farmácia, e violava a norma segundo a qual não devemos roubar, ou ele deixaria a sua mulher morrer, e violava a norma segundo a qual devemos ser solidários e auxiliar todos os homens, em especial aqueles que constituem a nossa família. Como Henrique deve, então, proceder? Qual seria, então, a acção justa (moralmente boa)?
O dilema de Henrique envolve claramente o seguinte problema, que pressupõe a questão da justiça: por que devo ser generoso com a mulher de Henrique e misericordioso para com Henrique, e não generoso e misericordioso para com o farmacêutico? Ou, ao contrário, porque devo aplicar a lei contra Henrique, e não contra o farmacêutico? Por que posso considerar como devido ou salvar a mulher de Henrique, ou não furtar, e não a acção contrária?"
Marcelo Campos Galuppo

1. De acordo com a ética deontológica de Kant, o Henrique deve assaltar a farmácia e roubar o medicamento? Justifique.
2. Se o farmacêutico fosse um seguidor da ética deontológica de Kant, qual deveria ser a sua resposta ao pedido do Henrique? Justifique.

Correção (Grupo I e Grupo II, questões 1 e 2)

Texto 3
Kant considera que o valor moral da ação depende da submissão da vontade a motivos de ordem racional: agir apenas por dever, isto é por respeito à lei moral (fazer apenas aquilo que é universalizável e não instrumentaliza as pessoas).
Todavia, em muitas circunstâncias, agimos por outras motivações, nomeadamente sentimentais ou afectivas, e não por simples respeito ao dever. E sentimos que está certo ter essas motivações afectivas e seria errado e “desumano” não as ter.
Se o valor moral da ação depende exclusivamente da intenção (a que apenas cada pessoa tem acesso) e não das consequências do ato praticado, como podemos saber se esta esconde ou não motivos egoístas? Se Kant tiver razão, no limite, não poderemos avaliar o valor moral das acções das outras pessoas.
A lei moral diz respeito apenas à forma como devemos agir em qualquer situação. No entanto, quando existe um conflito de deveres, há situações em que a aplicação da lei moral se revela problemática – durante a Segunda Guerra Mundial os pescadores holandeses mentiam aos nazis para proteger os judeus, que levavam escondidos, possibilitando que estes acedessem a um país neutral e assim pudessem salvar a vida. Neste caso as consequências não terão importância? Os pescadores deveriam obedecer à lei moral e dizer a verdade? Parece profundamente errado responder que sim. Neste caso, a mentira parece ser algo moralmente correto, aquilo que em Inglês se chama “white lie”.
http://duvida-metodica.blogspot.pt/2009/03/mentiras-boas-e-outras-objeccoes-etica_05.html

Responda a uma das seguintes questões:

3. Responda às questões sublinhadas no texto 3.
4. Que outras razões podemos apresentar para discordar de Kant? Ou, pelo contrário, terá este filósofo razão?
5. Podemos aplicar a ética kantiana na nossa vida? Justifique.