sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Falácias. Falácias formais e informais



Falácias informais - teste intermédio / exame
  • Petição de princípio
  • Falso dilema
  • Apelo à ignorância
  • Ad hominem
  • Derrapagem (ou “bola de neve”)
  • Boneco de palha (ou "o espantalho")

As falácias informais

as_falácias

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A emergência da Retórica


Texto 1 - O Despertar da Oratória

Desde sempre os gregos foram inveterados amantes da palavra, apreciando a eloquência natural mais do que qualquer outro povo antigo. A comprová-lo estão os brilhantes discursos que enchem as páginas da Ilíada e as fervorosas palavras que os comandantes militares dirigiam às suas tropas antes de entrar em combate. Os próprios soldados caídos na guerra eram logo honrados com solenes discursos fúnebres. Mas foi com o advento da democracia que esse interesse pela eloquência e oratória cresceu de uma maneira explosiva. Compreende-se porquê: o povo - onde não se incluíam, nem as mulheres, nem os escravos, nem os forasteiros - passou a poder reunir-se [, na Ágora,] em assembleia geral para tratar e decidir de todo o tipo de questões. Assembleia geral que era ao mesmo tempo o supremo órgão legislativo, executivo e judicial. Nela se concentravam os mais altos poderes. Podia declarar a guerra ou a paz, alterar as leis, outorgar a alguém as máximas honras mas também mandá-lo para o exílio ou condená-lo à morte. Tratava-se de reuniões públicas e livres, pois todos os cidadãos podiam assistir, participar e votar. Logicamente, os que melhor falavam eram também os mais influentes. Logo, quem aspirasse a ter alguma influência nessas assembleias, forçosamente teria de possuir assinaláveis dotes oratórios. (...)

Definitivamente, o saber defender-se com a palavra, passou a ser uma parte essencial da educação e cultura geral grega. E Aristóteles [,na sua obra Retórica], explica porquê: "se é vergonhoso que alguém não possa servir-se de seu próprio corpo [para se defender], seria absurdo que não o fosse no que respeita à razão, que é mais própria do homem do que o uso do corpo”. É certo que uma das maiores acusações que Platão fizera à retórica tinha sido a de que esta poderia trazer graves consequências quando alguém dela se servisse para fazer o mal, mas Aristóteles riposta categoricamente, lembrando que "se é certo que aquele que usa injustamente desta capacidade para expor razões poderia causar graves danos, não é menos certo que isso ocorre com todos os bens, à excepção da virtude, sobretudo com os mais úteis, como o vigor, a saúde, a riqueza ou a capacidade militar, pois com eles tanto pode obter-se os maiores benefícios, se usados com justiça, como os maiores custos, se injustamente utilizados”.

|Américo de Sousa, http://www.persuasao.com/trechos.htm.



Texto 2 - A Pólis

“A polis grega ou cidade-Estado é um dos elementos fundamentais da civilização grega, resultante da conjugação de um conjunto variado de factores. Ela nasceu de factores de ordem geográfica, de uma instabilidade gerada depois da invasão dórica, e da falta de um poder centralizado defensor dos indivíduos, que os levou a unirem-se em pequenos territórios.<…>

Os Gregos viviam nas polis, e estavam somente sujeitos às suas leis, o que para eles era decisivo para os distinguir dos povos bárbaros. A polis era, também, um sistema de vida e, portanto, um modo de formar e moldar os cidadãos gregos que dela faziam parte. Este conceito está sintetizado nas palavras de Simónides: "A polis é mestra do homem".<…>

Este espaço físico para além deste aspecto individualizado, continha uma série de edifícios públicos, presentes em qualquer cidade do mundo helénico. Os templos dedicados aos deuses eram indispensáveis; a Ágora, ou praça pública, onde se exerciam actividades ligadas ao comércio; as dependências dos magistrados, e uma cidadela (Acrópole).

A cidade vivia de uma economia de base agrária, e nela estavam contempladas as três divisões do poder, distribuídas pelas actividades legislativa, judicial e administrativa<…>

A Assembleia Popular, o Conselho e os tribunais formados pelos cidadãos eram três aspectos significativos da vida quotidiana da polis ateniense que caracterizavam este original sistema, no qual a participação na coisa pública era exercida rotativamente. Assim se manteve este regime político democrático até à época helenística.”

|http://www.infopedia.pt/$polis-da-grecia-antiga



Texto 3

A origem da polis a partir do século VIII a.C., com o renascimento do comércio, acaba com o isolamento das aldeias. A sociedade torna-se mais complexa. As cidades sofrem mudanças radicais. O local mais importante da cidade passa a ser a "Ágora", a praça pública, onde o comércio se desenvolve e as discussões sobre a vida e a sociedade acontecem.

A democracia contribuiu para que "todos" tivessem acesso à Ágora, de modo que cidadania passou a ser um direito dos homens adultos e que não fossem estrangeiros ou escravos.

Essa nova forma de pensar a partir da formação da Pólis é o oposto ao pensamento mítico. É como se o homem grego do século VI a.C. se tivesse libertado das fantasias da religião e da mitologia para evoluir racionalmente.

A Pólis grega, criação da vontade dos homens, estabelece o desaparecimento da vontade divina e celestial de todo um conjunto de relações, quer dos homens entre si, quer dos homens com a Natureza. A mitologia apenas narra, de forma poética e fantasiosa, uma sucessão de fenómenos divinos, naturais e humanos.

Ela é, então, substituída pela Filosofia na compreensão desses fenómenos. Com isso, ao utilizar a Razão, o homem busca uma explicação para entender a relação entre o caos e a ordem do mundo.

|http://www.mundovestibular.com.br/articles/2432/1/A-EVOLUCAO-DA-POLIS-GREGA-E-A-RAZAO/Paacutegina1.html



Texto 4

Os sofistas viveram numa época áurea da cultura grega. O século de Péricles onde a democracia em Atenas desenvolveu intensa vida cultural e artística.Sofista etimologicamente significa dizer apenas "intelectual que sabe falar". Posteriormente adquiriu um sentido pejorativo de "alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar".

Ao longo dos anos, os sofistas sempre foram mal interpretados devido a críticas feitas por Sócrates e Platão. Segundo estes filósofos, a Filosofia não se deve basear na doxa, na opinião, mas deve constituir-se como episteme (ciência), ou seja, como saber racionalmente fundamentado e empiricamente comprovado. A verdade deve ser a principal preocupação dos filósofos, o que leva à rejeição da argumentação retórica e do relativismo defendido pelos sofistas, para quem não há opiniões verdadeiras, mas apenas opiniões defendidas de forma competente.

Sábios e pedagogos, os sofistas contribuíram muito para o ensino. Formaram um currículo de estudos que foi resgatado no período medieval.

Talvez o que mais escandalizava os seus contemporâneos seja o facto de que eles se faziam pagar pelas suas aulas, muitas vezes exigindo somas muito elevadas aos seus alunos e, por isso, Sócrates acusava-os de prostituição. <…>

Ensinavam a arte de argumentar e persuadir, indispensável para exercer a cidadania numa democracia directa. Também davam aulas de retórica, que consistia em defender e a atacar com argumentos de igual força o mesmo assunto. Isso dava impressão de serem egoístas e sem credibilidade moral. Isto era reforçado pela sua afirmação cívica da lei do mais forte, o que parece que leva à instituição da democracia como um espaço político onde predominaria a lei da selva: os mais poderosos vencem sempre os mais fracos. Mas talvez o que os sofistas fizeram foi demonstrar que o poder da argumentação se sobrepõe a qualquer tipo de imposição dogmática, o que terá contribuído para o desenvolvimento da racionalidade em áreas que ficariam por explorar se a esfera pública ficasse inteiramente entregue a filósofos como Platão que, como ficou bem patente na sua obra A República, era contra a democracia.

É graças aos sofistas que o ‘povo’, enquanto auditório a que se dirigiam os seus discursos, ganhou consciência de si, dando origem a algo que hoje denominamos como opinião pública. (Texto adaptado)

| http://minhafilosofia.blogspot.com/2009/06/socrates-e-os-sofistas.html (Este site não deve ser consultado devido à fraca qualidade da escrita).



Texto 5

“Os sofistas preocupavam-se, não com os valores que constituem a humanidade da conduta humana, mas com a utilidade da sua doutrina e da sua técnica para os indivíduos, especialmente na vida política.<…>

A existência da escolaridade depende do livro, e o seu uso tornara-se vulgar durante o século V, especialmente através dos escritos dos sofistas. A literatura grega anterior tinha por base a tradição oral, tendo que ser recitada e escutada.

As suas várias actividades no campo da literatura foram baseadas apenas na observação e experiências práticas. Não pode existir qualquer dúvida acerca da sua própria eficiência e no seu entusiasmo em esclarecer outras mentes. Eles deram uma contribuição decisiva para o desenvolvimento do livro, de cuja emergência e existência a escolaridade dependeu. <…>

A virtuosidade retórica teve como resultado imediato as suas análises da linguagem e os seus estudos "críticos" da literatura. O seu amor genuíno pela linguagem influenciou gerações que começaram pesquisas mais sérias. Finalmente, se tiveram que acumular uma vasta sabedoria para as suas próprias performances e para a instrução de alunos, tais colecções tornaram-se sugestivas para estudos posteriores. Mas todos os seus esforços, consideráveis como foram, tiveram um carácter mais ou menos arbitrário e casual.”

|Rudolf Pfeiffer, “Os sofistas, seus contemporâneos e alunos nos séculos V e IV”.


A Alegoria da Caverna





Platão, República, Livro VII

"Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glaucon – Estou a ver.
Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glaucon – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica de fronte?
Glaucon – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glaucon – Sem dúvida.
Sócrates – Portanto, se pudessem comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glaucon – É bem possível.
Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glaucon – Sim, por Zeus!
Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados.
Glaucon – Assim terá de ser.
Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glaucon – Muito mais verdadeiras.
Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glaucon – Com toda a certeza.
Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glaucon – Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz.
Glaucon – Sem dúvida.
Sócrates – Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é.
Glaucon – Necessariamente.
Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glaucon – É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates – Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glaucon – Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glaucon – Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glaucon – Por certo que sim.
Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glaucon – Sem nenhuma dúvida.

PLATÃO. A República. (trad. Enrico Corvisieri) São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Col. Os Pensadores).
http://www.benitopepe.com.br

A importância dos Sofistas

Contas feitas, depois de dois milénios e meio, damo-nos conta que o nosso mundo actual está muito próximo da visão do homem e da vida dos Sofistas. Hoje nas sociedades mais avançadas, marcadas pelo multiculturalismo e pelo acelerado processo de mundialização, acentuado pelo desenvolvimento da Internet e dos outros meios de comunicação, vive-se um relativismo muito próximo daquele que esteve na base da prática dos grandes mestres da sofística antiga.
Por outro lado, há uma valorização crescente da persuasão, por via da publicidade e do marketing político. As democracias ocidentais assumem-se como regimes políticos abertos, capazes de incorporarem reformas profundas das suas instituições, sem o recurso à violência, estabelecidas com base no consenso obtido através da argumentação persuasiva.
A palavra é de novo rainha, não a palavra entendida como um oráculo divino, mas a palavra instrumento de comunicação e veículo de ideias partilháveis, mobilizadoras em termos políticos. A opinião pública é um dos esteios da democracia - trata-se da Doxa reabilitada como importante meio de agregação social que garante, ao mesmo tempo, a coesão social e, também, se torna um dos alvos do discurso político e da acção política. O que coloca a liberdade de expressão como um dos valores mais importantes das democracias modernas.
No entanto, não vivemos num mundo perfeito: existem inúmeros dispositivos de manipulação da opinião pública e da adesão dos cidadãos a crenças e valores dependentes de interesses que lhes são alheios, ou que estão ligados a estratégias de poder que, em si, não têm nada de democrático.
Os cidadãos só poderão estar a salvo destes mecanismos de manipulação se tiverem ferramentas conceptuais que lhes permitam desmontá-los e entender as suas dinâmicas internas. Para isso há que apostar na educação, as pessoas devem desenvolver a sua razão, duma forma livre, criativa e crítica, para poderem ser agentes duma soberania democrática consciente e responsável.
Por estas razões só nas últimas décadas se começou a olhar os sofistas sem os preconceitos nascidos da ofensiva que contra eles foi lançada por Platão. Platão responsabilizou-os pela condenação à morte de Sócrates, o seu mestre e procurou defender a Filosofia como alternativa à sofística, encarada como uma prática sem ética e sem qualquer preocupação com a verdade.
Sócrates, contudo, não deixou de esgrimir as armas retóricas que os sofistas levaram a uma perfeição nunca ante vista, sem os sofistas Sócrates não teria existido.
Sócrates trouxe a filosofia para o centro da cidade (Pólis), tendo destruído os muros das escolas, algumas delas completamente fechadas à sociedade circundante - como é o caso da escola pitagórica - assumiu-se, enquanto filósofo, como um 'moscardo' que tinha como missão libertar os seus concidadãos da sua ignorância. Se tomarmos a alegoria da caverna como um roteiro do projecto socrático, podemos ver que Sócrates tinha uma intenção subversiva aos olhos dos que tomavam a sociedade como o esteio da vida humana.
Os sofistas não viviam nas nuvens - essa era a imagem recorrente que os gregos comuns colavam ao 'ofício' de 'filósofo' - eles acreditavam na solidez das instituições sociais e na densidade antropológica da cultura (Paideia) que era o verdadeiro cimento da Pólis.
O que Sócrates procurou foi secundarizar a cultura da cidade e torná-la dependente dum conjunto de valores universais, que seriam a base inabalável de um saber fundamental, propiciador de uma verdade não sujeita à volatilidade das paixões humanas. Na verdade estamos a falar do Sócrates de Platão, um Sócrates algo divinizado, transformado num modelo de filósofo que acabou por se tornar dominante na civilização ocidental. Mas podemos compreender que aos olhos dos seus contemporâneos Sócrates não tenha passado dum iconoclasta que pretendia destruir os alicerces da Pólis, a sua Cultura, sem ter nada na manga que os substituísse. Daí a sensação de perigo que a sua acção terá suscitado nos atenienses que o condenaram à morte. Talvez Sócrates, depois de morto, tenha sido elevado à condição de filósofo-modelo por ter vivido como o mais exímio dos sofistas.
Mas mesmo que esses valores existissem, a proposta socrática acabaria por tomar a forma de uma profunda revolução social, dado que os estatutos e os papéis sociais em uso corrente na Atenas daquele período dependiam do sistema de valores que davam sentido à vida na Pólis.
Os sofistas, por seu lado, reforçavam essa estrutura social, ao garantirem que o discurso pudesse ser submetido a um controlo social: o jogo da persuasão não envolve os valores fundamentais, uma vez que estes estão reduzidos ao mínimo que garante a coesão social. Mas isto não impedia a sociedade ateniense de ser sacudida ciclicamente por violentas convulsões políticas.
E é isso que leva Platão a defender um ideal de sociedade que não tem nada de democrático - Karl Popper defende na sua obra A sociedade aberta e os seus inimigos que Platão é um dos principais teóricos do totalitarismo que desembocou, no século XX nos regimes nazi e soviético.
Os sofistas são defensores de uma concepção de educação que hoje ainda nos é muito cara: a ideia de que há uma cultura geral agregadora dos homens numa comunidade que ultrapassa em muito os muros da Cidade e que permite não só uma convivência social entre iguais, mas também, uma abertura à diferença, encarada como constitutiva do ser humano, encarado com o uma individualidade que se compreende como portadora de um interesse auto-centrado que, sem colidir com o interesse geral ou grupal, se constitui como um foco dinamizador da acção social e da vida comunitária. Dito por outras palavras: os sofistas são talvez os primeiros defensores da radicalidade ontológica do indivíduo.


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Os Sofistas




Para além de formar o homem, a educação deve, sobretudo, formar o cidadão. A finalidade cívica da educação passa, claramente, a primeiro plano. É originariamente grega a ideia, tão actual, de que a educação é a preparação para a cidadania.


Habitante da Pólis, o homem só é o que é porque vive na cidade e sem ela não é nada. E o que diz respeito à cidade, é comum, isto é, afecta a todos enquanto comunidade e afecta cada um enquanto cidadão ou membro dessa comunidade. Neste sentido, é evidente que, antes de mais, o homem é um político (zoon politikon), como bem o captou Aristóteles, distinguindo-o, assim, do animal pela sua qualidade de cidadão; e o Biós politikos, que é a forma própria e sublime da vida do homem como habitante da pólis.


A consciência da cidadania desde cedo faz sentir a necessidade de uma nova educação, uma vez que, a antiga educação, com o seu receituário básico, simples e elementar de ginástica e música, não servia para a formação do cidadão, nem correspondia às novas necessidades individuais nem às novas exigências sociais e políticas.


Politicamente, a forma democrática de organização do Estado foi a forma de governo escolhida pela Cidade-Estado de Atenas. Ora, no estado democrático ateniense, a exigência de todos os indivíduos enquanto homens livres, ou seja, cidadãos, participarem activamente no Estado e na vida pública são deveres cívicos, e assim a participação nas assembleias torna-se indispensável. Neste contexto, compreende-se que tenha surgido uma nova estirpe de "educadores", os sofistas - com o estrondoso sucesso que se lhes conhece - que se apresentam como professores no sentido actual do termo, (os primeiros professores da história) e que oferecem, a troco de dinheiro (só por curiosidade, Protágoras pedia dez mil dracmas pelos seus serviços!... Note-se que uma dracma representava o salário diário de um operário qualificado...) o ensino da "virtude", o ensino da aretê política ou, como também lhe chamam os sofistas, a technê política (technê, em grego, significa técnica, ofício, habilidade, arte, ciência aplicada).


Os sofistas convertem, pois, a educação numa técnica ou numa arte, na qual eles são mestres e, por isso, capazes de a transmitirem e de a ensinarem. Assim os jovens, seus alunos, que vierem a dominar a technê política alcançarão, a aretê política.


Mas esta technê política, está em conexão com as finalidades práticas que se propõe - formação de homens de Estado e de dirigentes da vida pública - e vai conduzir à valorização do homem (cidadão individualmente considerado) e vai orientar-se num sentido amoral ou mesmo imoral. Os seus contemporâneos vão acusar os sofistas de imoralidade.


Deste modo, um homem situado no coração da pólis, quer vencer na vida política, quer fazer valer os seus interesses ou as suas convicções, quer ganhar um lugar de destaque, quer ser eleito para cargos públicos, quer ser governante e aceder ao poder. Para isso, para ter êxito político, precisa de saber falar bem, de encantar o auditório, de construir discursos persuasivos, de formular os argumentos que justifiquem e validem as suas posições, fazendo-as prevalecer como as melhores. Precisa, pois, da arte sofística da oratória, da retórica e da dialéctica. Mas porque o que é necessário é ter sucesso na vida pública e política, vencer a todo o custo e a qualquer preço, e isso só é possível convencendo os outros das minhas razões, retórica e dialéctica tornam-se armas potentíssimas que é preciso saber esgrimir com perícia; técnicas cujo domínio permite utilizá-las segundo as nossas conveniências, mas técnicas que se podem aplicar a qualquer conteúdo. Ora, os artífices desta técnica são os sofistas, ("Sofistas e oradores são a mesma coisa" PLATÃO, Górgias, 520b), pelo que o Górgias, condenando a retórica que conduz à imoralidade, condena simultaneamente toda a sofística.


Não admira que os sofistas venham a ser acusados de imoralidade, de administrar uma educação perversa e pervertida, de corromper a juventude e de sublevar os valores tradicionais, minando as bases da ordem social e da política estabelecida.


Para saber um pouco mais...


O palco dos sofistas? As casas particulares, as aulas improvisadas... Os sofistas viajavam de cidade em cidade à procura de alunos, levando consigo aqueles que já conseguiam arrebanhar. Poderão eles ser considerados pensadores? Talvez apenas pedagogos, educadores dos homens. Por um lado, educadores do espírito pela transmissão de um saber enciclopédico; por outro, a formação do espírito nos seus diversos campos. Um grande antagonismo espiritual... "Ao lado da formação meramente formal do entendimento, existiu igualmente nos sofistas uma educação formal no mais alto sentido da palavra, a qual não consistia já numa estruturação do entendimento e da linguagem, mas partia da totalidade das forças espirituais. É Protágoras quem a representa." Para este sofista, são a poesia e a música as principais forças modeladoras da alma, assim como a gramática, a dialéctica e a retórica. Sempre em busca da conquista de plateias, os sofistas procuravam desenvolver o dom de pronunciar discursos convincentes e oportunos, usando palavras decisivas e bem fundamentadas.


Os sofistas vinculam-se à tradição educativa dos grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, de Simónides a Píndaro. Estes últimos tornaram a poesia no palco de uma discussão intensa sobre educação, ao levarem o problema da possibilidade de ensinar a arete para os seus poemas. Os sofistas fizeram o resto, fornecendo livros dos grandes poetas aos seus discípulos e transportando para o seio da sua prosa artística os mais diversos géneros de poesia moral e interpretando, metodicamente, os grandes poetas, a cujos ensinamentos se vincularam afincadamente. No entanto, esta interpretação era fria, imediata e intemporal. Os sofistas não embebiam o poema em si, mas sim todo o conhecimento que este lhes pudesse transmitir. Para eles, Homero é uma útil enciclopédia, onde figuram regras fulcrais para a vida e todos os conhecimentos humanos, como a construção de carros, as estratégias... "A educação heróica da epopeia e da tragédia é interpretada de um ponto de vista francamente utilitário." Para os sofistas, o uso dos poemas justifica-se pelo facto de estes permitirem alcançar uma pronúncia e dicção correcta das palavras.
Olga Pombo, http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras/links/sofistas.htm

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Sobre a Sofística

“O choque provocado pelos sofistas – sucesso e escândalo – na sociedade ateniense foi profundo. Ele reflecte-se na literatura da época, nomeadamente no teatro de Eurípides e de Aristófanes, que desde os anos 430 para o primeiro e 420 para o segundo põem em cena as múltiplas formas que a arte da palavra assume, maravilhando-se com o poder do discurso e das inovações recentes introduzidas neste domínio, mas denunciando os discursos demasiado hábeis e os professores de subtileza argumentativa, empregando as palavras sophos, sophisma e sophistês. Textos escritos mais tardiamente, mas referindo-se ao mesmo período do último terço do século V, contêm um testemunho semelhante: em particular certos diálogos de Platão, nos quais Sócrates conversa com os principais sofistas sobre retórica, ou tal passagem de Tucídides que faz dizer a Cléon, em 427, que os Atenienses, apaixonados pelas justas de palavras e por argumentos novos, importam os procedimentos dos sofistas para a eloquência deliberativa e transformam esta em política-espectáculo: «gentes dominadas pelo prazer de escutar», são, quando se sentam na assembleia, «semelhantes mais a um público lá instalado para sofistas do que a cidadãos que deliberam sobre a sua cidade» (Tucídides, III, 38, 7). A atracção pedagógica que exerciam os professores de eloquência traduz-se no topos da visita ao sofista, que consiste em mostrar um futuro aluno ansioso por ser aceite pelo mestre e pronto a se lhe entregar com toda a confiança, contanto que ele o ensine a falar (Aristófanes, Nuvens, 427 e ss.; Platão, Protágoras, 312).
A convergência destes textos, tão diferentes nos seus objectivos, atesta a amplitude das inovações introduzidas pelos sofistas. Desde logo, a sofística e a retórica serão ligadas para sempre no pensamento antigo, mesmo se a sofística não se reduz à retórica, mesmo se numerosos oradores se recusam a ser apelidados de sofistas. Platão insiste nisso não sem malícia: a despeito de todas as diferenças que podem ser estabelecidas entre as duas categorias, «sofistas e oradores confundem-se, misturam-se, sobre o mesmo domínio, em torno dos mesmos assuntos» (Górgias, 465 c, 520 a). E de facto, com os sofistas, a palavra constitui-se em disciplina autónoma e teorizada. O objecto «falar» foi isolado e torna-se em si mesmo objecto de reflexão e de arte. Esta arte engloba as teorias sobre a persuasão e sobre os fundamentos filosóficos do discurso, investigações técnicas (no domínio da argumentação e do estilo), um ensino. Os discursos começaram a ser publicados e não apenas pronunciados. O cadinho destas inovações foi Atenas, onde todos os sofistas permaneciam mais ou menos longamente.”

Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité, pp. 34-36.
(Adaptado)


O ensino

“A prática oratória apoiava-se sobre um ensino muito activo. Numerosos eram os mestres de retórica existentes em Atenas, desde os mais reputados aos mais modestos. Numerosas eram as escolas, caracterizadas por níveis diferentes e finalidades diferentes. Podia aprender-se a falar, como disse Platão, seja em vista da «arte» (tekhnê), seja em vista da «educação» (paideia) (Protágoras, 312), quer dizer, seja a fim de fazer da retórica uma profissão, seja de maneira desinteressada, a fim de se instruir e de se cultivar. Os métodos eram certamente variados e em grande parte orais. Pode facilmente imaginar-se que compreendiam lições teóricas, estudos de casos, a aprendizagem de discursos modelos propostos pelo mestre, exercícios práticos de composição, sobre assuntos reais ou fictícios, e ainda justas entre estudantes, sem esquecer o treino do gesto e da voz.
A escola que conhecemos melhor é a de Isócrates [...]. O ciclo de estudos durava até três ou quatro anos. Os estudantes, vindos não apenas da Ática, mas de todo o mundo grego, pagavam honorários elevados e ofereciam presentes, mediante os quais lhes eram propostos dois modos de ensino. Primeiro, sobre o que o mestre chamava as ideiai, palavra muito ampla que designa todas as «formas» do discurso, desde o conteúdo (acusação, elogio, etc.) até às figuras de estilo, passando pelas ideias, os temas e as formas de raciocínio, ou seja, todo o espectro da arte da palavra. Depois a audição de discursos compostos pelo mestre, que eram discutidos e explicados em comum, numa atmosfera de seminário [...]. Para além dos preceitos técnicos, Isócrates considerava fornecer uma formação completa, ao mesmo tempo intelectual e moral, em nome da convicção de que não é possível falar bem sem pensar bem e ser um homem de bem. Realista, até mais não, o mestre sublinhava que a educação não pode tudo e que ela não dá frutos, a menos que encontre um terreno favorável: as lições e os exercícios devem apoiar-se sobre os dons naturais. Os numerosos alunos saídos da escola de Isócrates ilustram o carácter generalista duma educação que formou oradores, escritores (como os historiadores Teopompo e Éforo), cidadãos activos nos negócios públicos e homens políticos importantes, entre os quais o estratego Timóteo, filho de Conon.
O ensino ateniense recorria a textos escritos: discursos-modelos, recolhas de exórdios e de perorações, e sobretudo a esses manuais ou tratados a que chamavam Tekhnai («Artes», subentendido «de retórica»). Os Tekhnai, na maior parte, incidiam sobre o género judiciário; utilitários, forneciam os meios de compor sem esforço um defensor.”

Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité, pp. 60-61.
(Adaptado)


A Retórica

“Esta, dizíamos, é uma arte. Este termo, tradução do grego technè, é ambíguo, e é-o mesmo duplamente. Primeiro, porque designa igualmente bem um saber-fazer espontâneo como uma competência adquirida pelo ensino. Em seguida, porque designa ora uma simples técnica, ora pelo contrário o que na criação ultrapassa a técnica e pertence ao «génio» do criador. Em qual ou em quais destes sentidos se pensa quando se diz que a retórica é uma arte? Em todos.
Em primeiro lugar, existe uma retórica espontânea, uma aptidão para persuadir pela palavra que não é talvez inata — não entremos aqui neste debate —, mas que também não é devida a uma formação específica; e, depois, uma retórica que se ensina, sob o nome, por exemplo, de «técnicas de expressão e de comunicação», e que serve para formar vendedores ou homens políticos, a ensinar-lhes o que outros vendedores, outros homens políticos, parecem saber naturalmente. Quais são os mais eficazes, quais sabem «melhor como preceder»? Sem dúvida os segundos. Mas nos segundos, tal como nos primeiros, encontramos os mesmos procedimentos, intelectuais e afectivos, estes procedimentos que fazem da retórica uma técnica.
Mas trata-se de uma simples técnica? Não, trata-se de bem mais. O verdadeiro orador é um artista no sentido em que descobre argumentos tanto mais eficazes quanto não os esperávamos, figuras de que ninguém teria tido a ideia e que se revelam adequadas; um artista cujos desempenhos não são programáveis e não se impõem senão mais tarde. Les Provinciales de Pascal (sempre ele, mas em retórica é incontornável!) dão um belo exemplo; onde os seus amigos jansenistas esperavam uma argumentação técnica, que não teria deixado de ser enfadonha, Pascal retomou as mesmas ideias sob a forma de um panfleto irónico, eficaz porque claro e divertido, e que ainda nos diz respeito. A arte de persuadir criou bastantes obras-primas.”

Olivier Reboul, Introduction à la rhétorique, p. 6.
(Adaptado)
http://rotasfilosoficas.blogs.sapo.pt/32351.html

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http://sofistas.no.sapo.pt/

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

"O Elogio a Helena" - Um exemplo da arte de discursar de Górgias


“O discurso é um grande e soberano senhor, o qual, por meio de um corpo pequeníssimo e muito subtil, diviníssimas acções opera. É possível, pois, pelas palavras, tanto acalmar o medo e afastar a dor quanto engendrar a alegria e intensificar a compaixão. Mostrarei que assim são estas coisas.
É necessário também mostrar, pela opinião, aos ouvintes: Considero e designo toda a poesia como discurso metrificado: um estremecimento de medo bastante espantado, uma compaixão que provoca lágrimas abundantes, uma saudade nostálgica entra no espírito dos que a ouvem. A alma é afectada (uma afecção que lhe é própria), por meio das palavras, por sucessos e insucessos que concernem a outras coisas e outros seres animados. Mas passemos de um a outro discurso.
Pois os mágicos e sedutores cantos, por meio de palavras, inspirados pelos Deuses, produzem prazer afastando a dor. Pois o poder do mágico canto, que nasce com a opinião da alma, encanta-a, persuade-a e modifica-a por fascinação. Duas artes são descobertas: a fascinação e a magia, que são as instabilidades do espírito e os enganos da opinião.
Quantos persuadiram e persuadem outros tantos a propósito de outras tantas coisas forjando um falso discurso! Se, com efeito, todos, acerca de todas as coisas, tivessem tanto a memória das coisas passadas quanto a noção das coisas presentes, quanto a presciência das coisas futuras, o discurso não seria o mesmo para os que agora não podem facilmente nem lembrar o passado nem examinar o presente, nem predizer o futuro. De modo que os muitos, acerca de muitas coisas, buscam pela alma a opinião conselheira. A opinião (doxa), sendo incerta e inconstante, lança a incertos e inconstantes sucessos os que a ela se confiam.
Com efeito, que motivo impede ter também Helena ido para Tróia, de igual modo, sob a influência das palavras, não agindo de modo espontâneo, do mesmo modo que se fosse abraçada por poderosíssima força? Na verdade, o modo de ser da Persuasão de maneira alguma se parece à necessidade, mas tem o mesmo poder. Pois o discurso persuasivo impele a alma, constrangendo-a tanto a crer nas coisas ditas quanto a concordar com as coisas feitas. Com efeito, aquele que a persuadiu e a constrangeu é injusto, aquela que foi persuadida e constrangida tem uma reputação desonrosa em vão.
[Quanto ao fato de] que a Persuasão, enquanto propriedade do discurso, modela também a alma como quiser, é necessário primeiro observar os discursos dos filósofos que estudam os fenómenos celestes, os quais, descartando uma opinião por preferência a outra opinião por eles engendrada, fazem surgir coisas inacreditáveis e invisíveis aos olhos, por meio da opinião. Em segundo lugar, as necessárias assembleias, nas quais um único discurso, composto por arte, mas não dizendo verdades, encanta e persuade numerosa multidão; em terceiro lugar, os combates dos discursos dos filósofos, nos quais a rapidez do pensamento se apresenta como mudando facilmente a crença da opinião.
A mesma relação tem também a potência do Lógos em relação à boa ordem da alma e a potência dos medicamentos com relação ao estado natural dos corpos, pois do mesmo modo que certos medicamentos expulsam do corpo certos humores, e uns suprimem a doença, outros, a vida, do mesmo modo também, dentre as palavras, umas afligem, outras encantam, outras amedrontam, outras estabelecem confiança nos ouvintes, outras, por meio de sórdida persuasão, envenenam e enganam a alma.
E que se diga: Helena, se foi convencida pelo discurso, não cometeu uma injustiça, mas foi desafortunada.”
|Górgias, “Elogio de Helena” (Excerto)
http://www.paraibaonline.com.br/coluna.php?id=40&nome=O%20Elogio%20de%20Helena

Actividades:

1. A partir duma análise do texto, faça o levantamento das propriedades do discurso persuasivo.
2. Pode afirmar-se, de acordo com Górgias, que a persuasão é uma forma de manipulação? Justifique a sua resposta com base numa interpretação do texto.
3. Górgias considera que a Razão (Lógos) está ligada à Verdade? Justifique.
4. Este texto de Górgias ainda faz sentido nos nossos dias? Porquê?
5. Faça o levantamento de instâncias persuasivas presentes na nossa sociedade.
6. Qual a forma de persuasão que pode ser mais perigosa? Porquê?