sábado, 6 de dezembro de 2014

A Ação Humana - Ficha Formativa 04


"Suponhamos que apanhei o comboio e paguei o meu bilhete. Durante o  percurso vou distraído, pensando nas minhas coisas, sem me dar conta de que brinco com o pedacito de cartão, enrolo-o e desenrolo-o, até que finalmente o atiro descuidadamente pela janela aberta. Nessa altura aparece-me o cobrador e pede-me o bilhete: desespero e provavelmente vou levar uma multa. Posso apenas murmurar para me desculpar: " Atirei-o da janela...sem me aperceber." O revisor, que é também um pouco filósofo, comenta: "Bom, se não se apercebeu do que estava do que estava a fazer, não pode dizer que o tenha atirado pela janela. É como se ele tivesse caído".

Mas eu não estou disposto a aceitar essa restrição: "Desculpe, mas uma coisa é que me tenha caído o bilhete e outra tê-lo atirado, mesmo que o tenha feito inadvertidamente." Parece que esta discussão agrada mais ao revisor do que multar-me: " Veja, "deitar fora" o bilhete é uma ação, algo diferente de que nos caia, que é apenas uma dessas coisas que acontecem. Quando alguém faz uma ação é porque uma dessas coisas que acontecem. Quando alguém faz uma ação é porque quer fazê-la, não é verdade? Mas em contrapartida as coisas acontecem sem querer. De maneira que como você quis atirar o bilhete podemos dizer que na realidade ele lhe caiu.". Revolto-me contra esta interpretação mecanicista: "Não e não! Poderíamos dizer que o bilhete me tinha caído se eu tivesse adormecido, por exemplo, ou até se uma rabanada de vento mo tivesse atrancado da mão. Mas eu estava bem acordado, não fazia vento e o que acontece é que atirei o bilhete sem querer." "Basta disse o revisor riscando o seu caderno com um lápis -, E se não o quis fazer, como é você sabe que foi você, exactamente você, quem atirou? Porquê "atirar" uma coisa é fazer uma coisa e ninguém pode fazer uma coisa se não quiser fazê-lo." "Pois sabe o que lhe digo? Atirei a porcaria do bilhete porque me deu na realíssima gana!"

A verdade é que existe uma diferença entre o que simplesmente me acontece (viro um copo com um safanão na mesa ao ir buscar o sal), o que faço sem me dar conta e sem querer ( o belo do bilhete atirado pela janela), o que faço sem me dar conta mas segundo uma rotina adquirida voluntariamente (como meter os pés nos chinelos quando me levanto da cama meio adormecido) e o que faço apercebendo-me e querendo (atirar o revisor bruscamente pela janela para que vá buscar o bilhete). Parece que a palavra "ação" é uma palavra que apenas convém à última destas possibilidades. É evidente que ainda existem outros gestos difíceis de classificar mas que à partida parecem qualquer coisa menos "ações": por exemplo, fechar os olhos e levantar o braço quando alguém me atira alguma coisa à cara ou procurar algo a que me agarrar quando estou quase a cair. Não decididamente um "ação" é apenas o que eu não teria feito se não tivesse querido fazê-lo: chamo ação a um ato voluntário. O "finado" revisor tinha portanto razão...

Mas como podemos saber se um ato é voluntário ou não? Porque talvez antes de o levar a cabo pondero entre várias possibilidades e finalmente decido-me por uma delas.
Claro que não é o mesmo "decidir-me a fazer algo" que "fazê-lo”. “Decidir-se" é por fim a uma deliberação mental sobre o que quero realmente fazer. Mas uma vez decidido, tenho ainda que fazer. O que decido é o objectivo ou fim da minha ação, mas talvez não a própria acção. Por exemplo decido apanhar o copo e estendo o braço para o apanhar. O que é que decidi realmente fazer, apanhar o copo ou estender o braço? E qual é a verdadeira ação: apanhar o copo ou estender o braço? Se estendo o braço e deixo fora o copo posso dizer que agi ou não ? Ou agi a meias?"
Fernando Savater, As Perguntas da Vida

Responda às seguintes questões colocadas no texto:

1. Como podemos saber se um ato é voluntário ou não?

2. Decido apanhar o copo e estendo o braço para o apanhar. O que é que decidi realmente fazer, apanhar o copo ou estender o braço? E qual é a verdadeira ação: apanhar o copo ou estender o braço?


Correção (clique no link abaixo para aceder):


A Ação Humana - Ficha Formativa 03




Texto 1
O João deseja herdar uma fortuna. O seu pai é muito rico, mas nunca o ajudou, sempre foi distante e desinteressado pelo filhos. É até provável que o pai acabe por deserdá-lo.  Quando se dirigia para o trabalho ao volante do seu carro, preocupado com o facto de já estar atrasado, acelera para tentar ganhar tempo, ao mesmo tempo que lhe vem à ideia que e o melhor a fazer para resolver de vez todos os seus problemas seria matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no ainda mais nervoso que, ao conduzir desajeitadamente o seu carro, mata um peão que atravessava na passadeira depois de se ter acendido o sinal verde para os peões. Quando sai do carro descobre que o peão que acabava de atropelar é o seu pai!

1. O João deve ser julgado e condenado por parricídio? Ele, de facto, assassinou o seu pai?

2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes? Justifique com base na rede conceptual da ação.



Correção:

1. A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai constitui, ou não, uma ação do João.
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um acontecimento é uma ação.
Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.
Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento corporal (estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações (respirar).
Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue os acontecimentos que contam como ações:
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a exibir a presença de uma intenção no agente.
Neste caso, o João não tinha a intenção de atropelar alguém, muito menos o seu pai (a hipótese de poder matá-lo para herdar a fortuna não passou de uma ideia sem nexo, como tantas que nos ocorrem e que acabamos por considerar absurdas). O atropelamento é, assim, um ato involuntário, não é o resultado de uma deliberação da vontade do João.
Logo, o João não assassinou o seu pai: de facto, ele nem sabia que se tratava do seu pai. Contudo, o João é responsável pela condução imprudente, mas isso é outra questão, fosse quem fosse que atravessasse a passadeira naquele momento seria atropelado, quis o acaso que fosse o seu pai.

2. Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa, no mesmo local e à mesma hora.
Por outro lado, cada pessoa poderá possuir uma intenções diferentes ao comer (apenas matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.
Pode dizer-se que aquelas pessoas estão a praticar ações diferentes. Isto se olharmos apenas ao ato de comer. Contudo, se aquela refeição tivesse um objectivo que transcendesse a ingestão dos alimentos, a coisa pode mudar de figura: pode tratar-se de uma festa de aniversário.
Nesse caso todos estariam ali com a mesma intenção: celebrar o aniversário de um familiar. É que há ações que só podem fazer-se através da cooperação entre diversos agentes. Mas mesmo assim cada um estaria a agir de forma voluntária e em cada um a ação assumiria uma tonalidade diferente.


A Rede Conceptual da Ação




Texto 1 - O homem e o Animal

      “Os animais (para já não falar nos minerais e nas plantas) não podem evitar ser como são e fazer aquilo que naturalmente estão programados para fazer. Não se lhes pode censurar que o façam nem aplaudi‑los pelo que fazem, porque não sabem comportar‑se de outro modo. As suas disposições obrigatórias poupam‑lhes sem dúvida muitas dores de cabeça.
Em certa medida, de início, nós, os homens, também estamos programados pela Natureza. Estamos feitos para beber água, e não lixívia, e tomemos as precauções que tomarmos, mais cedo ou mais tarde, morreremos. E de modo menos imperioso mas análogo, o nosso programa cultural, é também determinante: o nosso pensamento é condicionado pela linguagem que lhe dá forma (uma linguagem que nos é imposta de fora e que não inventámos para nosso uso pessoal) e somos educados em certas tradições, hábitos, formas de comportamento, lendas...; numa palavra, são‑nos inculcadas desde o berço certas fidelidades e não outras. Tudo isto pesa muito e faz com que sejamos bastante previsíveis.
     Com os homens nunca podemos ter bem a certeza, ao passo que com os animais, ou outros seres naturais, sim. Os castores fazem represas nos ribeiros e as abelhas favos com alvéolos hexagonais:
não há castores que se sintam tentados a fazer alvéolos de favos, nem abelhas que se dediquem à engenharia hidráulica. No seu meio natural cada animal parece saber perfeitamente o que é bom e o que é mau para ele, sem discussões nem dúvidas.
     Por grande que seja a nossa programação biológica ou cultural, nós, seres humanos, podemos acabar por optar por algo que não está no programa (pelo menos que lá não está totalmente). Podemos dizer «sim» ou «não», «quero» ou «não quero». Por muito apertados que nos vejamos pelas circunstâncias, nunca temos um só caminho, mas sempre vários.”                                        
Fernando Savater, Ética para um jovem.(Texto adaptado)

Texto 2 - Nem todos os atos do homem são atos humanos

"Deixando de lado alguns usos puramente técnicos da palavra ‘ação’ (por exemplo, ação como participação no capital de uma empresa), o núcleo significativo da palavra assenta na produção ou causação de um efeito. A palavra ‘ação’ emprega-se às vezes para falar de animais não humanos (diz-se que a ação das cigarras é benéfica para a agricultura) ou, inclusive, de objetos inanimados (diz-se que a gravitação é uma forma de ação à distância ou que a toda a ação exercida sobre um corpo corresponde uma ação igual de sentido contrário). Mas sobretudo usamos a palavra ‘ação’ para nos referirmos ao que fazem os humanos. Aqui só nos interessa este tipo de ação, a ação humana.
As nossas ações são (algumas das) coisas que fazemos. Na realidade o verbo ‘fazer’ cobre um campo semântico bastante mais amplo que o substantivo ‘ação’. O latim distingue o agere do facere (aos quais corresponde em português agir e fazer). Ao substantivo latino actio, derivado de agere, corresponde o substantivo ação. Assim, até de um ponto de vista etimológico, ‘ação’ só carrega a carga semântica de ‘agir’ e não propriamente de ‘fazer’.
Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma ação. Enquanto dormimos realizamos muitas coisas: respiramos, suamos, damos voltas, apertamos a cabeça contra a almofada, sonhamos, talvez ressonemos alto ou falemos em voz alta ou andemos sonâmbulos pela casa. Todas estas coisas as realizamos inconscientemente, enquanto dormimos. Realizamo-las mas não damos conta delas, não temos consciência de que as realizamos. A estas coisas que fazemos inconscientemente não lhes vamos chamar ações. Vamos reservar o termo ‘ação’ para as coisas que realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos.
Há, no entanto, coisas que fazemos conscientemente, dando-nos conta delas, mas sem que à sua realização corresponda uma intenção nossa. Damo-nos conta dos nossos ‘tiques' e de muitos dos nossos atos reflexos, mas realizamo-los involuntariamente, constatamo-los como espectadores, não os efetuamos como agentes. (A palavra ‘agente’ é outra das palavras derivadas do verbo latino agere). Por algo que sentimos depois de comer damo-nos conta de que estamos a fazer a digestão. Mas fazer a digestão não constitui (normalmente) uma ação. Pelos sorrisos dos que nos observam damo-nos conta de que estamos a ser ridículos. Mas ser ridículo (praticar atos ridículos) não é uma ação, mas uma reação, algo que nos passa despercebido e que lamentamos (a não ser que o façamos de propósito, como provocação; neste caso já seria uma ação). Também não chamamos ação a esses aspectos da nossa conduta de que nos damos conta, mas que não efectuados intencionalmente. No presente estudo limitar-nos-emos às ações humanas conscientes e voluntárias, às que daqui em diante chamaremos ações (sem mais).
Uma ação é uma interferência consciente e voluntária de um homem ou de uma mulher (o agente) no normal decurso das coisas, que sem a sua interferência haveriam seguido um caminho distinto do que por causa da ação seguiram. Uma ação consta, pois, de um evento que sucede graças à interferência de um agente e de um agente que tinha a intenção de interferir para conseguir que tal evento sucedesse.
Jesús MOSTERÍN - Racionalidad y Acción Humana.


Texto 3 - Os elementos constitutivos da ação

“Para compreendermos o que é a ação, e para a podermos distinguir dos outros atos do homem, temos que ter em conta os diversos elementos que a constituem.
 Graças a eles podemos compreender porque é que alguém agiu de determinada forma, o que é que essa pessoa queria efetivamente realizar com a sua acção, quais as consequências dessa ação e qual a sua responsabilidade face a essas consequências. É isso que acontece, por exemplo, na investigação criminal, mas não é preciso ir tão longe: em qualquer situação em que nos deparemos com uma ação, se não conhecemos todos os seus contornos, somos levados a levantar as seguintes questões:

1. Quem agiu (‘quem fez isto?’)?
2. Porquê? Com que motivo?
3. Para quê? Com que intenção? Com que finalidade?
4. Quais as consequências dessa acção? Todas elas foram ponderadas pelo agente?

A primeira questão remete-nos para o autor da ação, para o agente. Ora para que alguém seja agente de uma ação, é necessário que estejamos perante um ser dotado de consciência racional e de uma vontade livre. Assim, o agente é responsável pelas ações que pratica, porque estas são atos voluntários que resultam de uma deliberação. Podemos então concluir que todos os atos que nascem da nossa liberdade são da nossa responsabilidade. E responsabilidade, a este nível, significa que é o agente quem responde pelas suas cções e pelas respectivas consequências (sejam elas boas ou más), porque não há ninguém acima da sua liberdade: o agente age porque quer, ele é dotado de uma vontade soberana, ele é senhor das suas ações.
A segunda questão refere-se ao motivo da ação. Toda a ação é motivada, ou seja tem que existir uma causa, interna ou externa, que leve o agente a tomar a decisão de agir. Se não tivermos uma motivação para fazermos algo, não o fazemos. Assim, o motivo é a causa que suscita no agente a vontade de agir, que o leva, num dado momento, a preferir fazer uma coisa e não outra. Uma pessoa pode estar confortavelmente sentada a ouvir música, mas se sentir fome, pode decidir ir à cozinha fazer um lanche, por sentir fome. Pode, também, decidir ir estudar, por ter que realizar testes de avaliação na escola. Ou pode decidir desligar a aparelhagem por começar a sentir dores de cabeça.
A terceira questão tem a ver com a intenção do agente. Há quem considere que a intenção é a chave para a compreensão de uma ação. De facto, se nos situarmos num ponto de vista moral, para sabermos se uma ação é boa ou má, temos que conhecer a intenção do agente, temos que saber o que é que ele queria alcançar com a sua ação, quais os fins que ele queria atingir, enfim, o que é que ele projetou quando decidiu agir daquela forma. Por exemplo, se acontecer um incêndio de grandes proporções, e se as autoridades descobrirem que esse incêndio começou devido à ação de um determinado indivíduo, só poderão saber se esse indivíduo, que é responsável pelas suas ações, é criminalmente  responsável  pelo incêndio, depois de descobrirem qual a intenção desse indivíduo. Se ele acendeu uma pequena fogueira para assar sardinhas, e se uma rajada de vento espalhou as brasas ateando o incêndio, esse indivíduo pode não  ser criminalmente responsável pelo incêndio, apesar de, em última instância, ser o causador do mesmo. Caso tenha havido incúria, ou o desrespeito por uma proibição de atear fogo nesse local, então, nesse caso, o agente será criminalmente responsável, mesmo se a sua intenção não era provocar um incêncio. Mas se, por outro lado, se apurar que esse indivíduo agiu com a intenção de, através do incêndio, provocar danos a terceiros, motivado pelo ódio, então ele é duplamente responsável: ele é responsável por ser o causador do incêndio, e é criminalmente responsável, porque a sua intenção era criminosa.
Por fim, em relação à quarta questão, temos as consequências da ação. E elas existem porque todas as ações têm um impacto sobre o real, o agente interfere com a realidade, a sua ação é um acontecimento que dá origem a outros acontecimentos que, por sua vez, podem ter efeitos positivos ou negativos na vida das outras pessoas. O agente é, direta ou indiretamente, responsável pelas consequências das suas ações, mas a sua responsabilidade moral, só pode ser aferida tendo em conta a intenção que presidir a cada uma dessas ações. Isto faz com que o agente tenha o dever de pensar nas consequências das suas ações, antes de as pôr em prática. E, mesmo assim, podem acontecer resultados imprevistos, porque nós temos o poder de decidir fazer algo, mas não controlamos a forma como a realidade se vai comportar em relação às  nossas ações.”


Atividades:

1. De acordo com o texto 1, o que é que distingue o homem dos outros animais? Justifique a sua resposta.

2. Todos os atos do homem são ações? O que é necessário para considerarmos um ato do homem uma ação? Justifique a sua resposta.

3. Pode dizer-se que os animais agem? Justifique a sua resposta.

4. Identifique e caracterize, por palavras suas, os elementos constitutivos da ação.

5. Comente a seguinte afirmação do texto 3: “E responsabilidade, a este nível, significa que é o agente quem responde pelas suas acções e pelas respectivas consequências (sejam elas boas ou más)”.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A Ação Humana - Ficha Formativa 02

Escolha apenas uma opção em cada item.
Deve escolher a opção mais correta.

1. Os atos involuntários:

A. São sempre conscientes e são específicos do ser humano;
B. são sempre inconscientes e são específicos dos animais;
C. podem ser conscientes ou inconscientes e são comuns aos homens e aos animais;
D. são sempre inconscientes e são específicos do ser humano.

2. O que distingue os atos voluntários dos atos involuntários:

A. É que os primeiros são conscientes e os segundos, inconscientes;
B. é que os primeiros são inconscientes e os segundos são conscientes;
C. é que os primeiros são causados pela vontade do agente;
D. é que os segundos são causados pela vontade do agente.

3. Os atos involuntários:

A. Estão dependentes do mecanismo do estímulo-resposta;
B. dependem da vontade do agente;
C. são atos intencionais;
D. não são motivados.

4. Os atos voluntários são próprios do homem. Esta afirmação é:

A. Verdadeira, porque só o homem possui liberdade;
B. falsa, porque os animais têm liberdade;
C. verdadeira, porque só os homens têm uma programação biológica;
D. falsa, só o homem possui liberdade.

5. O comportamento humano não é totalmente previsível, porque:

A. Os seres humanos podem sempre escolher fazer o que não está 'programado';
B. os seres humanos nascem programados biologicamente;
C. os seres humanos, para além de uma programação biológica têm uma programação cultural;
D. o comportamento humano é fruto do acaso.

6. Segundo o determinismo radical:

A. O ser humano é livre de escolher o seu destino;
B. todos os comportamentos, mesmo os dos seres humanos, dependem da causalidade natural;
C. a liberdade é uma característica fundamental da natureza humana;
D. os seres humanos não estão totalmente dependentes da causalidade natural.

7. 'O João sentiu fome. Como estava em casa foi ao frigorífico e reparou que tinha todos os ingredientes para fazer uma sandes de fiambre. Decidiu, então comer uma sandes e beber um copo de leite. Depois deste lanche sentiu-se saciado.' 
Das seguintes opções, escolha a que melhor identifica os elementos constitutivos desta ação:

A. Agente: o João; Motivo: a fome; Intenção: a decisão de comer uma sandes e beber um copo de leite; Consequência(s) da ação: a saciedade;
B. Agente: o João; Motivo: a decisão de comer uma sandes e beber um copo de leite; Intenção: a fome ; Consequência(s) da ação: a saciedade;
C. Agente: o João; Motivo: o sentir-se saciado; Intenção: a fome ; Consequência(s) da ação: a decisão de comer uma sandes e beber um copo de leite;
D. Agente: o João; Motivo: a decisão de comer uma sandes e beber um copo de leite; Intenção: a saciedade; Consequência(s) da ação:  a fome.

8. Nem tudo o que fazemos é uma ação. Esta afirmação é...

A. falsa, porque tudo o que envolve um agente é uma ação;
B. verdadeira, porque só existe uma ação se o sujeito tiver a intenção de fazer algo;
C. falsa, porque tudo o que o sujeito faz de forma consciente é uma ação;
D. verdadeira, porque há acontecimentos que não envolvem sujeitos.

9. Todas as ações resultam de uma decisão. Esta afirmação é...

 A. verdadeira, porque fazer algo intencionalmente implica sempre uma escolha;
 B. falsa, porque os atos involuntários não resultam de decisão;
 C. verdadeira, porque a ação é voluntária e consciente;
 D. Falsa, porque a decisão implica escolha, tendo consciência de que há ações alternativas.

10. Se não há intenção, então não há ação. Esta afirmação é...

A. verdadeira, porque não há ação sem o propósito ou objetivo de fazer algo;
B. falsa, porque pode haver intenção sem ação;
C. verdadeira, porque a intenção faz parte da rede conceptual da ação;
D. falsa, porque existem ações que não se explicam.

11. O motivo é...

 A. a crença que acompanha a ação;
 B. o objetivo a alcançar com a ação;
 C. a justificação ou o porquê da ação;
 D. a relação entre a deliberação e a decisão da ação.

12. Não fazer nada, pode ser uma ação. Esta afirmação é...

A. verdadeira, porque o agente pode estar intencionalmente a não fazer nada;
B. falsa, porque só existe ação se o sujeito realiza algo;
C. verdadeira, porque não fazer nada é um acontecimento;
D.  Falsa, porque não fazer nada é sempre uma ação.

13. A ação é um acontecimento...

 A. porque ocorre, de forma involuntária, no espaço e no tempo;
 B. porque é algo que é feito por alguém;
 C. que um agente realiza intencionalmente;
 D. quando o sujeito tem consciência do que faz

Correção:

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Questões filosóficas - 10ºD (2014/2015)

1.      O que é a felicidade?
2.      Temos a obrigação de viver? Temos a obrigação de viver, mesmo sofrendo?
3.      Temos o direito de tirar a vida a alguém (eutanásia)?
4.      O que é a vida?
5.      Será que estamos a viver um filme?
6.      Será que vale a pena lutar por uma coisa que nos poderá matar?
7.      O que é a força de vontade?
8.      O que é a coragem?
9.      Será que o ser humano é um perigo para si próprio?
10.   O que é a valorização (de alguém)?
11.   Porque é que se matam os animais que estão em sofrimento e às pessoas não?
12.   Devemos enfrentar os nossos medos?
13.   Escolher morrer (no caso da eutanásia)  implica coragem?
14.   Deverá existir igualdade nos desportos?
15.   Porque é que os seres humanos sentem necessidade de se 'prenderem' a alguém?
16.   O que é o medo?
17.   O que é o sonho?
18.   Temos o direito de apressar a morte?
19.   Será que morremos quando morremos?
20.   Será que existe uma força superior ao ser humano?
21.   Temos o dever de pensar nos nossos familiares quando ponderarmos a eutanásia?
22.   O que é ter um rosto? Os animais têm um rosto?
23.   Porque é que morremos?
24.   Será que o sofrimento nos faz amadurecer?


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A Ação Humana - Ficha Formativa 01

UNIDADE 1
A ACÇÃO HUMANA – ANÁLISE E COMPREENSÃO DO AGIR.
1.    A REDE CONCEPTUAL DA ACÇÃO

1. O que é uma acção?

2. Por que razão uma acção é um acontecimento?

3. Todas as acções são acontecimentos. Por que razão nem todos os acontecimentos são acções?

4. Imaginemos que, inadvertidamente, escorrego numa casca de banana e acabo por entornar uma garrafa de Coca-Cola em cima do livro de um colega que estudava comigo no bar da escola. Sujar o livro do colega foi algo que eu fiz. Mas será isto uma acção?

5. Uma acção é um acontecimento intencionalmente causado por um agente. Esclareça e dê exemplos.

6. O que se entende por rede conceptual da acção?

7. O que é a intenção?

8. Que relação existe entre a intenção e a explicação de uma acção?

9. Que relação existe entre intenções, desejos e crenças?

10. O que é o motivo de uma acção?

11. Que relação existe entre motivo e intenção?

12.O que é a deliberação?

13. O que é a decisão?

14. O que são as consequências de uma acção?

15. Considere a seguinte acção: Vou à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça. Tente descrevê – la e explicá – la usando os conceitos fundamentais que a tornam inteligível ou compreensível (deliberação, decisão, intenção, motivo).

16.Consideremos os dois seguintes acontecimentos: a) José vai a uma clínica médica fazer um exame de rotina e b) um ribeiro transborda e inunda as ruas de uma cidade. Será que podem ser explicadas

17. Em que consiste a responsabilidade (moral)?

18. Em que condições é que uma pessoa é moralmente responsável? Em que condições pode ser considerada moralmente responsável por um acontecimento? Em que condições atribuímos responsabilidade moral a um agente?

19. O que significa dizer que um agente podia não ter feito o que fez?

20. Que relação há entre agir livremente e ser moralmente reponsabilizado pelo que se faz?

21. Por que razão o problema do livre - arbítrio é um problema importante do ponto de vista prático?





Respostas:


1. O que é uma acção?

Uma acção é um acontecimento cujo autor (ou origem) é um agente que o causa voluntaria e intencionalmente. Uma acção é um acontecimento desencadeado pela vontade e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente algo que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou propositadamente.

2. Por que razão uma acção é um acontecimento?

Um acontecimento é algo que se verifica num certo momento e num certo lugar. Em linguagem mais técnica, é um evento espacio – temporalmente enquadrado. Imaginemos que o João decide ir à praia. Tem de ir a uma praia situada num certo lugar – Vilamoura no Algarve, Portinho da Arrábida em Setúbal ou Praia do Castelo na Costa da Caparica – e num determinado momento - normalmente no Verão, de manhã ou de tarde. Ficaríamos muito surpreendidos se João dissesse que foi a uma praia em momento algum e que não ficasse em lado nenhum.

3. Todas as acções são acontecimentos. Por que razão nem todos os acontecimentos são acções?

Nem tudo o que acontece é uma acção, ou seja, se todas as acções são acontecimentos nem todos os acontecimentos são acções. Um furacão – uma tempestade, um raio de sol, o arco-íris, etc, - é um acontecimento mas não uma acção porque não tem carácter voluntário ou intencional. Uma acção é algo que acontece devido à vontade e intenção consciente de um sujeito.

4. Imaginemos que, inadvertidamente, escorrego numa casca de banana e acabo por entornar uma garrafa de Coca-Cola em cima do livro de um colega que estudava comigo no bar da escola. Sujar o livro do colega foi algo que eu fiz. Mas será isto uma acção?

Não, porque não tive intenção de sujar o livro do meu colega, não o fiz de propósito. Estamos perante algo que eu fiz sem querer e assim sendo o livro foi estragado pelo que me aconteceu e não propriamente por mim. Ter sujado o livro do meu colega nada tem de voluntário. O agente não o podia evitar.

5. 'Uma acção é um acontecimento intencionalmente causado por um agente'. Esclareça e dê exemplos.

Uma acção tal como é habitualmente definida é um comportamento desencadeado, dirigido e controlado por um agente. O que fazemos involuntariamente – seja de forma consciente ou inconsciente – não conta como acção.
 Os exemplos são muitos: empurrar alguém para que caia na piscina, estudar para o teste de modo a obter bom resultado, cozinhar, treinar intensamente para ser campeão olímpico, ser fiel para não destruir o casamento, etc.

6. O que se entende por rede conceptual da acção?

A rede conceptual da acção é o conjunto de conceitos que usados nas frases que descrevem e explicam acções nos permitem compreender e explicar as acções. Os conceitos mais importantes a este respeito são conceitos como agente, motivo, intenção e consequências da ação.

7. O que é a intenção?

A intenção é o propósito ou o objectivo da acção. Voltando a um exemplo dado: alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando – os. O agente deste acontecimento pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objectivo – causar esses estragos. Não foi para isso que se desequilibrou.

8. Que relação existe entre a intenção e a explicação de uma acção?

Explicar uma acção é indicar a sua causa. A causa de uma acção é a intenção ou o propósito do agente ao realizá – la. Se poupo dinheiro com o objectivo de inscrever o meu filho no Instituto Britânico, essa intenção é que explica a minha acção.

9. Que relação existe entre intenções, desejos e crenças?

As intenções são estados mentais frequentemente associados a outros estados psicológicos que são as crenças e os desejos do agente. Voltemos ao exemplo anterior: poupo dinheiro com o objectivo de inscrever o meu filho no Instituto Britânico, essa intenção é que explica a minha acção. Na origem da minha intenção está um desejo que pretendo realizar – quero inscrever o meu filho no I.B. Poupo dinheiro para isso porque acredito – crença – que esse e não um empréstimo bancário ou a ajuda de um familiar é o melhor meio para atingir esse fim ou objectivo. O desejo de inscrever o meu filho no I.B. é condição necessária para ter a intenção de fazer tal inscrição. Mas não chega, não é condição suficiente para explicar a acção. Com efeito, há outros institutos onde inscrever o meu filho para aprender Inglês. Aqui entra em jogo outro factor psicológico: a crença ou convicção.
É por acreditar que a melhor forma de aprender Inglês é inscrever o meu filho no I.B. que opto por fazê – lo em vez de o matricular noutros institutos.

10. O que é o motivo de uma acção?

O motivo é a justificação, o porquê ou a razão de ser da acção. Tenho a intenção de inscrever o meu filho no I.B. e desejo fazê – lo julgando que é onde aprenderá melhor essa língua. Qual é a razão de ser fundamental da acção, qual a sua motivação? Podemos supor que é a crença de que dominar a língua inglesa é um requisito essencial no actual mundo do trabalho e da investigação científica - «Não vai longe se não souber bem Inglês» - e o desejo de que o meu filho seja bem sucedido profissionalmente, de que não lhe falte um instrumento de trabalho muito importante. Este desejo e esta crença acompanham e esclarecem o motivo da minha acção, explicam – na, dão a conhecer a sua razão de ser. Como se vê as crenças e os desejos do sujeito estão associados à intenção e à motivação do sujeito que age.
NOTA - Por vezes é difícil distinguir entre o que me move a agir (o motivo) e o que quero conseguir ao agir (o fim). Há quem resolva o problema distinguindo o motivo como causa do motivo como fim. Motivo como causa: o motivo pelo qual vou ao multibanco levantar dinheiro é o facto de não ter dinheiro nenhum na carteira; o motivo pelo qual entro num restaurante é o facto de ter fome. Motivo como fim: o motivo pelo qual vou levantar dinheiro ao multibanco é querer comprar um par de sapatos; o motivo pelo qual entro num restaurante é o de, ao almoço, ir tratar de um negócio importante com um cliente da minha empresa.

11. Que relação existe entre motivo e intenção?

A relação é a seguinte: saber qual o motivo da acção, o seu porquê ou razão de ser, clarifica a intenção do agente, torna possível e é necessário para que compreendamos a intencionalidade da acção. Se um agente tem a intenção de fazer algo – inscrever o filho no I.B. – saber o que o motiva torna mais claro o seu propósito e esclarece – nos quanto a opções que podia tomar e não tomou. Teremos por outras palavras a justificação da intenção. As noções de motivo e de intenção estão extremamente próximas umas da outra porque só falamos de acções intencionais se elas forem determinadas por um motivo ou razão que as justifique: uma acção é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.
A íntima ligação entre motivo e intenção pode exemplificar-se: dizer que o motivo pelo qual Miguel quer ser actor de cinema é viver uma vida mais plena é aproximadamente o mesmo que dizer que a sua intenção é a de exercer uma profissão que lhe permitirá ser ele próprio e, ao mesmo tempo, sob a forma de representação, outros seres humanos. Quando perguntamos "0 que quer fazer aquele que age?", referimo-nos à intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer. A intenção de Miguel é ser actor de cinema.
Quando perguntamos "Por que razão quer Miguel ser actor de cinema", a resposta apresentar-nos-á o motivo dessa decisão, tomando-a inteligível ou compreensível: quer ser actor de cinema por esta ou por aquela razão (porque satisfaz o seu desejo de fantasia, de libertação face à rotina da vida real ou comum).

12. O que é a deliberação?

A deliberação é um processo reflexivo que, em princípio, ou seja, em muitos casos antecede a decisão. Orientados por determinadas razões, ponderamos qual a melhor opção a tomar entre várias alternativas possíveis. Quero que o meu filho aprenda Inglês num instituto de línguas. O motivo que esclarece essa intenção é: tenho dinheiro para pagar a despesa (motivo como causa) ou quero que esteja bem preparado para enfrentar o mundo do trabalho (motivo como fim). Há várias alternativas, ou seja, vários institutos onde pode aprender. Ao deliberar pondero os prós e os contras da decisão que vou tomar. Escolho o I.B. após deliberar e concluir que esse instituto é o melhor para o efeito pretendido.

13. O que é a decisão?

A decisão é um acto que resulta frequentemente de um processo denominado deliberação. O motivo pelo qual agimos ou a intenção que nos orienta para um determinado fim implica também a decisão de o alcançar. Na maior parte dos casos, decidir supõe escolher entre vários rumos possíveis de acção, entre várias possibilidades ou alternativas.
É o que acontece com alguém que no momento de decidir o seu futuro profissional decide tornar-se aquilo que escolheu (ser actor de cinema), considerando isso preferível a outra possibilidade em aberto (ser gestor de empresas). A decisão incide no que é possível ao agente, no que está ao seu alcance e é realizável.

14. O que são as consequências de uma acção?

As consequências de uma acção são o modo como o resultado da nossa acção afecta os outros e também a nós próprios.
Alguém quis tornar – se actor de cinema e tornou - se um actor de cinema famoso. Que consequências teve esse facto? Tomou-se admirado quer no estrangeiro quer no seu país, saiu (por boas razões) do anonimato a que milhões de seres humanos parecem destinados, recebeu vários convites para trabalhar no seu país, etc.
E nele próprio, o que aconteceu? Podemos imaginar que sentiu que valeu a pena, que tomou a opção correcta, ao não seguir quem lhe dizia "Vem por aqui". E, por que não, sentiu orgulho em si próprio.

15. Considere a seguinte acção: Vou à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça. Tente descrevê – la e explicá – la usando os conceitos fundamentais que a tornam inteligível ou compreensível (deliberação, decisão, intenção, motivo).

 - Devo ir à farmácia ou não? Será que não há alguém que possa ir por mim? A aspirina não irá fazer – me mal ao estômago? Se calhar isto passa sem tomar medicamentos, dormindo um pouco. Trata – se do momento da deliberação que antecede habitualmente a decisão e consiste em ponderar diferentes possibilidades de acção.
Vou à farmácia. Esta dor de cabeça tem de ser tratada com medicamentos e não vou poder dormir. Não acredito que duas ou três aspirinas me vão causar problemas de estômago. E quero mesmo ver – me livre desta dor incómoda. Tenho de trabalhar.
Trata – se da decisão, do momento em que se escolhe uma das alternativas ou possibilidades de acção, preferindo uma delas.

O que pretendo com a acção? Neste caso a intenção é tratar uma dor de cabeça. Quando perguntamos "O que quer fazer aquele que age?", referimo-nos à intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer.

"Por que razão quero ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça?» A resposta apresentar-nos-á o motivo dessa decisão, tomando-a compreensível. O motivo pode ser acabar com o desconforto físico e poder trabalhar em melhores condições.

16.Consideremos os dois seguintes acontecimentos: a) José vai a uma clínica médica fazer um exame de rotina e b) um ribeiro transborda e inunda as ruas de uma cidade. Será que podem ser explicadas da mesma maneira?
Em a) descreve – se uma acção. Em b) descreve – se um acontecimento natural. Sabemos que uma acção é um acontecimento. Acreditamos também que se o acontecimento natural descrito acima tem uma causa – choveu muito, por exemplo – a acção descrita também terá uma causa. Ninguém vai a uma clínica médica por nada. Mas será que explicamos os dois acontecimentos da mesma forma? Será que a causalidade que está na origem da acção é idêntica à que provoca um acontecimento natural?
 Uma coisa é falar da causa dos eclipses do Sol e da Lua, da queda dos corpos ou dos tsunamis. Outra bem diferente é falar das causas de acções realizadas por nós. No primeiro caso, dizemos que foram as leis da natureza. No segundo caso, procuramos outro tipo de explicação. Vários filósofos como, por exemplo, John Searle e Donald Davidson acreditam que as acções são causadas, ou seja, que acontecem por alguma razão. Assim, as acções são causadas pelas intenções, desejos e crenças dos agentes, são acontecimentos intencionais cuja razão de ser são as crenças e desejos de quem age. Voltemos ao exemplo a). José vai a uma clínica médica fazer um exame de rotina. A que se deve a sua acção? Qual a sua causa ou razão de ser? O que o fez ir à clínica? Dizer por que razão aconteceu este facto – José foi à clínica fazer um exame – é associar a acção a uma intenção: José foi à clínica fazer um exame com o propósito ou objectivo de saber como está a sua saúde. É também referir que há uma ou mais crenças na base dessa acção: aquela clínica presta um bom atendimento ou é aconselhável estar a par do modo como o nosso organismo está a funcionar (se bem, se mal). Pode – se apresentar também como razão explicativa da acção o desejo de saber que se está em forma ou o de tratar a tempo algum problema de saúde se for esse o caso.
Passemos ao exemplo b) um ribeiro transborda e inunda as ruas de uma cidade. Para o explicar basta pensar, por exemplo, numa precipitação intensa que aumentou muitíssimo o caudal do ribeiro. Não falamos neste caso de intenção do ribeiro, nem de desejos e crenças que estivessem na origem do que aconteceu. Por outras palavras, ir à clínica é algo que o José faz acontecer. Transbordar é algo que acontece ao ribeiro mas não algo que ele faz intencionalmente. As acções são acontecimentos mas nem tudo o que acontece é uma acção. A diferença, para quem defende uma explicação causal da acção, está no modo como um acontecimento é causado. Se um acontecimento é causado por intenções, desejos e crenças temos uma acção. E só nesse caso se pode falar de acção.

17.Em que consiste a responsabilidade moral?
A responsabilidade moral é a capacidade que um agente tem de responder pelos seus actos, de assumir a sua autoria, assumindo as suas consequências e efeitos. Em suma não se demite de prestar contas pelo que faz e pelos resultados dos seus actos.
A responsabilidade designa a possibilidade de imputarmos uma acção a alguém que consideramos ser seu autor, que teve a última palavra na decisão que desencadeou a acção.

18. Em que condições é que uma pessoa é moralmente responsável? Em que condições pode ser considerada moralmente responsável por um acontecimento? Em que condições atribuímos responsabilidade moral a um agente?
Uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por um acontecimento quando podia não ter feito o que fez. Assim, se decido invadir o quintal do vizinho para me apropriar de algumas laranjas apetitosas, posso ser responsabilizado porque podia não ter feito o que fiz. Quando alguém me censura dizendo «Não devias ter feito o que fizeste!» está precisamente a dizer – me que havia outra alternativa.Mas se o que aconteceu se verificou em estado de sonambulismo não posso ser responsabilizado porque momentaneamente perdi o controlo dos meus actos e não podia não ter feito oque fiz. Podia ter tido outra intenção.

19. O que significa dizer que um agente podia não ter feito o que fez?
Significa que podia ter agido de modo diferente se a sua intenção – as suas crenças e os seus desejos – tivesse sido diferente. Se eu acreditasse seriamente que o risco que iria correr ao invadir o quintal do vizinho não se justificava e desejasse evitar problemas, mudaria de intenção e não realizaria a acção anteriormente descrita. Assim, agir intencionalmente parece implicar a ideia de que o agente fez o que fez livremente.

20. Que relação há entre agir livremente e ser moralmente reponsabilizado pelo que se faz?
A relação é esta: a)ser responsável implica ser livre. Não se pode responsabilizar uma pessoa por uma acção se ela não agiu livremente. Que um agente seja responsabilizável por uma acção implica que podia ter agido de modo diferente, não ter feito o que fez ou que podia ter evitado fazer o que fez (fosse a acção boa ou má).
b)Ser livre implica ser responsável.Se alguém pratica livremente uma acção então faz algo que podia não ter feito. Se o fez nestas condições é o autor da acção e por ela pode responder. Se agiu livremente não pode evitar ter de enfrentar e responder pelas consequências dos seus actos. Se forem boas pode ser elogiado. Se forem más pode ser censurado e mesmo sentir remorso.

NOTA IMPORTANTE - No próximo ponto a questão será a seguinte: Será que há boas razões para acreditar que somos livres e que por isso mesmo podemos ser responsabilizados pelo que fazemos livremente? Haverá argumentos bons a favor da ideia de que há acções que forma praticadas com livre arbítrio?

21. Por que razão o problema do livre - arbítrio é um problema importante do ponto de vista prático?
O interesse por este problema não é apenas teórico. Não se trata apenas de satisfazer a nossa curiosidade. O problema do livre-arbítrio tem importantes implicações práticas, a principal das quais relacionada com a responsabilidade moral. Tudo parece indicar que se não houver livre-arbítrio, então também não é possível responsabilizar moralmente um agente pelas acções que pratica e, consequente, puni-lo ou recompensá-lo. Será possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral? Se não houver livre – arbítrio não estará o nosso sistema penal todo errado.Não será que o criminoso, de modo análogo à pessoa que sofre de asma e assim vê o seu organismo prejudicado, não deve ser punido, mas sim tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade? Só faz sentido responsabilizar moralmente alguém (e por extensão punir ou recompensar) se a pessoa puder escolher entre diferentes acções alternativas possíveis, isto é, se for livre. Se não o for, isto é, se estiver determinado a fazer o que fez, então não há qualquer razão para a responsabilizar — e punir ou recompensar —, uma vez que não podia deixar de proceder como procedeu. Quer o assassino que tenha cometido o crime mais hediondo quer o herói que tenha realizado o acto mais altruísta que seja possível imaginar não podem ser responsabilizados pelos seus actos. Que diferença moral haveria entre um criminoso como Hitler e o Dalai Lama?

http://lrsr1.blogspot.pt/2011/02/exercicios-sobre-o-problema-da-accao-e.html

Teste 2 - Matriz

Nota: neste teste é obrigatório o uso de folha de teste.
Seja original e crítico nas suas respostas.


Por motivos óbvios de economia de tempo, nesta matriz não repetimos hiperligações. Sendo assim, a partir do objectivo 15, os objectivos que estão sem hiperligações são referidos nas hiperligações anteriores.
Os links dos objectivos 1 a 14 estão incorporados na matriz do teste 1.

Objectivos / Conteúdos:

1. Definir etimologicamente o termo 'Filosofia';
2. Reconhecer a importância filosófica do 'conhece-te a ti mesmo' socrático;
3. Reconhecer a importância filosófica do espanto/da admiração (o reconhecimento da ignorância);
4. Caracterizar a filosofia como uma busca da verdade;
5. Problematizar o conceito de verdade;
6. Conhecer e aplicar os Princípios Lógicos da Razão;
7. Identificar os componentes do argumento: premissa(s) e conclusão;
8. Caracterizar o senso comum;
10. Caracterizar a filosofia a partir das suas principais características: radicalidade; autonomia; historicidade e universalidade;
11. Confrontar a filosofia com a ciência tendo em conta o objecto de cada um destes saberes;
12. Explicar a alegoria da caverna.
13. Definir o conceito de problema;
14. Explicar a atitude filosófica;
15. Identificar os diversos elementos constitutivos da ação (os conceitos da ‘rede conceptual da ação’);
16. Definir e relacionar os conceitos de agente, motivo, intenção e consequências (da ação);
17. Distinguir atos voluntários e involuntáriosApresentação
18. Reconhecer que os atos involuntários podem ser conscientes ou inconscientes;
19. Definir a ação como ato voluntário;
20. Reconhecer que os atos voluntários são sempre conscientes;
21. Explicar a deliberação enquanto processo decisório;
22. Explicar porque é que o comportamento humano não é (totalmente) previsível;
23. Explicar a influência das condicionantes biológicas no comportamento humano;
24. Explicar a importância das condicionantes sócio-culturais no comportamento humano;
25. Reconhecer a existência da liberdade como fator decisivo na produção da ação humana; Apresentações
26. Interpretar o filme 'O menino selvagem' atendendo às condicionantes da ação humana e às características fundamentais da natureza humana - o homem como animal social;
27. Reconhecer que nem todos os atos do homem são atos humanos;
28. Reconhecer que o ser humano não nasce humano;
29. Analisar o problema do livre-arbítrio;
30. Explicar as teses e os argumentos do determinismo radical;
31. Explicar as teses e argumentos do libertismo;
32. Reconhecer as limitações do determinismo radical e do libertismo (através da análise das objeções a cada uma das teorias);
33. Explicar as teses e argumentos do compatibilismo (determinismo moderado);
34. Colocar problemas de forma pertinente;
35. Identificar teses e argumentos;
36. Construir argumentações sólidas.

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Recursos:

Fichas Formativas sobre a ação humana

Lista de artigos do blogue sobre a matéria relacionada com a ação humana




segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O Menino Selvagem

O garoto selvagem - legendado pt br from Silvana on Vimeo.




O filme “L’Enfant Sauvage d’Averyon” (O Menino Selvagem de Averyon), de Fraçois Truffaut, baseado num caso verídico, relata a história de uma criança de onze ou doze anos que foi capturada num bosque, tendo vivido afastada da sua espécie e ficando depois à guarda do Dr. Jean Itard. 
    Embora se pense que o menino selvagem tenha sido abandonado no bosque quando tinha dois ou três anos, altura em que já deveria dispor de algumas ideias e palavras, em consequência do começo da sua educação, tudo isso se lhe apagou da memória devido a cerca de sete anos de isolamento. Quando foi capturado, andava como um quadrúpede, tinha hábitos anti-sociais, órgãos pouco flexíveis e a sensibilidade embotada, não falava, não se interessava por nada e a sua face não mostrava qualquer tipo de emoção. Toda a sua existência se resumia a uma vida puramente animal.
    Assim, o seu isolamento passado condicionou a sua aprendizagem futura que, além do mais, deveria ter sido realizada durante a sua infância (época em que o seu cérebro apresentaria mais plasticidade, existindo uma facilidade de aprendizagem, socialização e interiorização dos comportamentos característicos da sua cultura). Desta forma, o menino selvagem não só tinha que lutar contra o seu passado como contra a idade avançada para uma aprendizagem, muito provavelmente, sendo esta a razão porque, segundo Itard, “para ser julgado racionalmente, (o menino selvagem de Averyon) só pode ser comparado a ele próprio”.
    Segundo a tese de Lucien Malson, que escreveu “Les enfant sauvages” (As crianças selvagens), relatando e analisando não só este caso mas também outros casos de isolamento, o Homem é inferior a grande número de animais no seu estado de natureza. O autor defende que os animais, com o seu sistema nervoso rudimentar, não necessitam de viver com a sua espécie para realizar as acções características da mesma, não carecendo de serem ensinados devido aos seus instintos já desenvolvidos à nascença. 
Lançado no mundo sem forças físicas e sem ideias inatas, o Homem só pode tornar humano no seio da sociedade e, sem a socialização, seria, como já referi, um dos animais mais fracos já que, de todos os seres vivos, o Homem é o que na ocasião do nascimento se mostra mais incapaz. É isso que lhe permite desenvolver-se e adaptar-se ao meio em que vive, e a ideia de instintos que se desenvolvem por si não corresponde à realidade humana. O ser humano nasce inacabado e depende de uma sociedade, de uma cultura. Segundo Itard, “o indivíduo, privado das faculdades características da sua espécie, arrasta miseravelmente, sem inteligência nem afeições, uma vida precária e reduzida às funções de animalidade”. Assim, a superioridade moral, que muitos consideram ser natural nos seres humanos, não é mais do que um resultado da socialização, que contribui para a sua formação. Existe, então, uma força imitativa destinada não só à educação dos órgãos como à aprendizagem da palavra, que é muito activa nos primeiros anos de vida, mas enfraquece rapidamente com o avançar da idade.
    Ainda que a liberdade seja um fator que está subjacente às acções especificamente humanas, podemos concluir, tendo em conta todo este caso, que existem de facto condicionantes da ação humana. Em primeiro lugar, o menino selvagem, não obstante viver numa floresta, não tinha as mesmas capacidades físicas de outros animais, ou seja, os fatores biológicos também afectaram as suas acções enquanto selvagem. Em segundo lugar, surgem os factores intelectuais, pelo facto do menino não ter competências nesse sentido, o que dificultou as suas acções na sua vivência em sociedade. Por exemplo, quando o médico Itard tentou transmitir algum conhecimento no âmbito das letras, aconteceram, por vezes, ataques de fúria, pelo facto destas serem muito abstratas e, consequentemente, mais difícil foi a sua aprendizagem neste campo (neste contexto, alguns especialistas defenderem que o médico procedeu mal ao incluir letras, por serem demasiado abstratas, na educação do menino).
    Aprendeu também a desenvolver a afetividade, o que foi considerado um grande progresso. Tornou-se sensível às temperaturas extremas, espirrou pela primeira vez e chorou, também pela primeira vez. À medida que esta afetividade se foi desenvolvendo, criaram-se laços afetivos entre o menino e o Dr. Itard e a Mme. Guérin, a aprendizagem vai-se tornando mais fácil (note-se que os factores psicológicos são bastante influenciáveis pela relação com os outros). Por último, como já foi referido, os fatores sócio-culturais também influenciam as nossas ações pois, ao estarmos inseridos numa sociedade, as nossas ações e comportamentos são influenciados por ela, como se verificou com a socialização do menino selvagem, que teve de se sujeitar a regras e a deveres morais.
    Por fim, podemos concluir que o Homem, lançado na Terra, sem forças físicas nem ideias inatas, tanto na selva como na mais civilizada das sociedades, será apenas aquilo que dele fizerem. Segundo Karl Jaspers, “são as nossas aquisições, as nossas imitações e a nossa educação que nos transformam em homens do ponto de vista psíquico”. O comportamento humano é uma conquista feita em consequência do processo da sua integração no meio cultural, que varia em função da sociedade a que pertence. O que nos torna reconhecidamente humanos depende de muito mais do que a nossa herança genética e biológica: é fundamental ter em conta as dimensões social e cultural para que possamos compreender os seres humanos e a forma como se comportam. Tornamo-nos humanos através da aprendizagem de formas partilhadas e reconhecíveis de ser e de nos comportarmos. O Homem deve à cultura a capacidade de ultrapassar os seus instintos, tendo, desta forma, o poder de optar, escolher qual o caminho que considera melhor, segundo os valores em que se apoia, depois de analisar, racionalmente, a realidade. É portanto necessário “admitir que os homens não são homens fora do ambiente social” (Lucien Malson) e que necessitam, mais do que os outros animais, da vivência junto da sua espécie.
|http://psicopedia.webnode.pt(Texto Adaptado).

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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Actos Humanos e Atos do Homem


Determinismo e Liberdade na Ação Humana

O problema do livre-arbítrio

Introdução ao problema:

(texto de Carlos Pires, copiado daqui)

As nossas acções são realmente livres ou são determinadas por causas anteriores que não controlamos? Escolhemos de facto o que fazemos ou um certo conjunto de factores físicos, biológicos, culturais, etc., é que nos leva a fazer aquilo que fazemos?

Numa apresentação um pouco simplificada, este é o problema do livre-arbítrio. Temos ou não livre-arbítrio?

Eis três exemplos ilustrativos do problema: Évarist Galois aceitou participar num duelo (que sabia que ia perder), Jaime Neves recusou participar num duelo, uma pessoa Y qualquer comeu uma fatia de bolo e não um pêssego – terão agido livremente?

O matemático francês Évarist Galois foi, em 1832, desafiado para um duelo por um rival amoroso (o despeitado noivo de uma senhora da qual se enamorou e com quem teve uma breve relação). De acordo com as crenças e costumes da época, recusar um duelo constituía uma desonra, uma vergonha pior que a morte. Temendo a censura e o desprezo da sociedade e da sua amada, Galois aceitou o duelo. Sabia, porém, que o seu adversário era muito mais hábil com as armas que ele e que tinha poucas hipóteses de sobreviver.

Por isso, passou a noite anterior ao duelo a escrever apontamentos de algumas das suas ideias matemáticas (misturadas com exaltadas declarações de amor à referida senhora e queixas desesperadas relativamente à falta de tempo para escrever as suas ideias e impedir que morressem com ele). As ideias registadas à pressa nesses apontamentos ainda hoje são estudadas por muitos matemáticos e tiveram um papel importante no desenvolvimento da Matemática, nomeadamente da Álgebra.

Quando chegou a hora marcada, Galois largou a pena e dirigiu-se ao local combinado para o duelo. Como seria de esperar, foi atingido e morreu. Tinha 20 anos.

No dia 25 de Abril de 1974 as forças chefiadas pelo major Jaime Neves cercaram um local (salvo erro, a Legião Portuguesa, na Penha de França, em Lisboa) onde estavam aquarteladas forças leais a Marcello Caetano. Inicialmente o comandante dessas forças recusou render-se. Este propôs a Jaime Neves que, em vez de um conflito que podia provocar a morte de muitos civis, resolvessem o problema como “dois cavalheiros, à maneira antiga”: com um duelo entre ambos.

Jaime Neves terá respondido: “Tenha juízo homem! Renda-se imediatamente senão mando os meus homens dispararem.” E esse comande rendeu-se.

Jaime Neves não se sentiu desonrado ao recusar o duelo e a sociedade portuguesa não o censurou nem desprezou por isso.

“Supõe que estás na bicha de uma cantina e que, quando chegas às sobremesas, hesitas entre um pêssego e uma grande fatia de bolo de chocolate com uma cremosa cobertura de natas. O bolo tem bom aspecto, mas sabes que engorda. Ainda assim, tiras o bolo e come-lo com prazer. No dia seguinte vês-te ao espelho, ou pesas-te, e pensas: ‘Quem me dera não ter comido o bolo de chocolate. Podia ter comido antes o pêssego’.” Thomas Nagel, O que quer dizer tudo isto? – Uma iniciação à Filosofia, Gradiva, 1995, pág. 45.
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Exploração do problema

O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e complexos da filosofia. Ele diz respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo causal. Podemos introduzi-lo considerando as três proposições seguintes:

1. Todos os acontecimentos são causados [por acontecimentos anteriores].
2. As nossas acções são livres.
3. Acções livres não são causadas [por acontecimentos anteriores].

A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que, no mundo em que vivemos, para todos os acontecimentos deve haver uma causa. 

A proposição 2 também parece verdadeira: quando nos observamos a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e acções são frequentemente livres. 

Também a proposição 3 parece verdadeira: se as nossas acções fossem causalmente determinadas, elas não poderiam ser livres.

O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima formam um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam verdadeiras! 


  • Se admitimos que todos os acontecimentos são causados e que a acção livre não é causalmente determinada (que as proposições 1 e 3 são verdadeiras), então não somos livres, posto que as nossas acções são acontecimentos (a proposição 2 é falsa). 
  • Se admitimos que as nossas acções são livres e que como tais elas não são causalmente determinadas (que 2 e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o acontecimento seja causado (a proposição 1 é falsa). 
  • E se admitimos que todo o acontecimento é causado e que somos livres (que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver algo de errado com a ideia de liberdade expressa na proposição 3.

Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. 

A primeira delas é chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da proposição 2, ou seja, que somos realmente livres.  Ela foi mantida por filósofos como Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach

A segunda alternativa chama-se libertismo: ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso redor é causalmente determinado, mas abre uma excepção para muitas de nossas decisões e acções, que sendo livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Santo Agostinho, Kant e Fichte

Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de ação é perfeitamente compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa na proposição 3. Historicamente, Hobbes, Hume e Stuart Mill foram famosos defensores do compatibilismo. No que se segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas soluções, argumentando finalmente a favor do compatibilismo.

1. Determinismo


O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre encontrar causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar causas para as nossas ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos produtos de um processo de evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos biológicos, tais como a migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. 

Mesmo que o princípio da causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha sido inclusive colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações, pensamentos, decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto, admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. 

Alguns poderão dizer que Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando esclarecer as motivações e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta decisão. Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser externas (alguém decide parar o carro diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve tomar um refrigerante), sendo geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem identificadas. No entanto, teorias biológicas e psicológicas (especialmente a psicanálise) sugerem que as nossas ações são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa.

Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de que o livre-arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela não seria determinada por outros factores independentes dela mesma. A liberdade que parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma insuficiente consciência das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderíamos ter agido de outro modo, o que queremos dizer não é que éramos realmente livres para agir de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro modo se o sentimento mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc. O argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado:

1. Todos os acontecimentos são causados.
2. Todas as ações humanas são acontecimentos.
3. Nenhuma ação humana existe sem uma causa.
A. Logo, Nenhuma ação humana é livre.

(Neste argumento está pressuposto que as ações humanas só seriam livres se não fossem causadas).
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Um argumento mais simples em defesa do determinismo:

1. Tudo o que fazemos é causado por forças que não controlamos.
2. Se as nossas ações são causadas por forças que não controlamos, então não agimos livremente.
3. Logo, nunca agimos livremente.

(James Rachels)

Para saber mais sobre o determinismo:
O Determinismo Faz Sentido?
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Objeções à teoria determinista:
A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que somos livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou remorso parece perder o sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-nos das nossas ações, se não fomos livres para escolhê-las? Também a responsabilidade moral perde a validade. Se nas nossas ações somos tão determinados como uma pedra que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido responsabilizar uma pessoa pelos seus actos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter caído. Tais dificuldades levam-nos a considerar a posição oposta.

2. Libertismo

O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis. Ele também rejeita a primeira premissa do argumento determinista. 

O princípio da causalidade (o Princípio da Razão Suficiente), enunciável como "Todo o acontecimento tem uma causa", não parece ter a sua validade universal garantida. 

Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo em geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas ações. Mas nada nele garante que a sua validade seja universal. Não podemos pensar que A = ~A ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo surgindo sem nenhuma causa. 

A isso o libertarista poderá acrescentar que nós simplesmente sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento reflexo e um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso somos livres, que podemos decidir sempre de outro modo.

[...] Segundo essa teoria, às vezes, pelo que podemos saber, o agente causa os seus actos sem qualquer mudança essencial em si mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam suficientes para justificar a acção. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar, capaz de iniciar uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes! Você poderá perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que não pode haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o próprio eu, considerando-o objectivamente. Mas, como quem deve considerar objectivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. [...]

O argumento que conduz à teoria da ação libertista tem a forma:

1. Não é certo que todos os acontecimentos são causados por acontecimentos anteriores.
2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres.
3. As ações humanas livres não podem ser causadas por acontecimentos anteriores.
4. Portanto, as ações humanas não precisam de ser causadas por acontecimentos anteriores.

Cláudio Costa
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Link: OS ARGUMENTOS LIBERTISTAS
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Embora essa solução preserve a noção de livre arbítrio, ela tem o inconveniente de explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória. 

A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as correspondentes desvantagens.






3. Compatibilismo: definições

Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou reconciliatório, nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente determinados nas nossas ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a forma:


1. Todo o evento é causado.
2. As ações humanas são eventos.
3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres.
5. Portanto, as ações livres são causadas.

Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace, para quem nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o mesmo que a capacidade de produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas. Mas isso é falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse arbitrariamente, mesmo que contra a sua própria vontade, seria um exemplo de pessoa livre. Mas o comportamento arbitrário não é visto como um comportamento livre. A diferença entre a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a segunda ser causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de actos livres como no caso de actos não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais, como mostram os seguintes exemplos, os três primeiros tomados do texto de Stace:

A. Actos livres
B. Actos não-livres
1. Gandi passa fome porque quer libertar a Índia.
1. Um homem passa fome num deserto porque não há comida.
2. Uma pessoa rouba um pão porque está com fome.
2. Uma pessoa rouba porque o seu patrão a obrigou.
3. Uma pessoa assina uma confissão porque quer dizer a verdade.
3. Uma pessoa assina uma confissão porque foi submetida a tortura.
4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa de champanhe porque quer brindar ao Ano Novo.
4. Uma pessoa toma uma dose de aguardente, mesmo contra a sua vontade, porque é alcoólica.
5. Uma pessoa abre a janela porque faz calor.
5. Uma pessoa abre a janela por efeito de sugestão pós-hipnótica.
6. Um membro de uma equipa de cinema provoca a explosão de uma bomba para efeitos de filmagem.
6. Um psicopata faz explodir uma bomba porque ouve vozes que o convenceram a realizar essa ação.

Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as colunas. Assim, a coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos encontrar causas das ações, decisões e volições dos agentes. E às causas apresentadas podemos adicionar ainda outras, como razões psicológicas e biográficas de Gandi, o costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma moeda ao ar para que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente também possui alguma causa.

A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da coluna B é que as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele defina a diferença entre a vontade livre e não-livre como residindo no facto de que os actos derivados da vontade livre são voluntários, enquanto os actos que não são derivados da vontade livre são involuntários, no sentido de se oporem à nossa vontade ou de serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a Índia, se alguém rouba um pão por estar com fome, estes actos são ações livres, posto que são actos voluntários; mas se uma pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua vontade, esses são actos que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são livres.

Será que o compatibilismo resolve o problema do livre-arbítrio?

Cláudio Costa
Texto retirado de Uma Introdução Contemporânea à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 267-275 (adaptado por Aires Almeida)
(Texto Adaptado)

Para saber mais:
Sobre o Libertismo "Os argumentos libertistas"


Atividades:
Antes de responder às questões, deve analisar a seguinte apresentação:


(As imagens apresentadas a seguir são retiradas desta apresentação)

1. Explique o problema do livre-arbítrio.
O problema do livre-arbítrio surge da impossibilidade lógica de admitirmos que há acontecimentos que não têm uma causa que os produza (ou uma razão que os explique). Admiti-lo seria negar o Princípio da Razão Suficiente (que estipula que nada acontece sem razão ou que tudo o que acontece tem uma causa).
Perante a evidência científica de que no Universo tudo é causado, seria absurdo admitir que os nossos atos pudessem não depender de causas anteriores.
Coloca-se, assim, o problema de saber se podemos fazer escolhas, ou seja, se somos livres (de escolher)ou se a liberdade é uma ilusão e todo o nosso comportamento é determinado pela causalidade universal.
O problema pode formular-se através das seguintes questões (entre outras):
Somos livres? Podemos escolher? Temos uma vontade livre?

2. Explique a posição dos deterministas.
















3. Explique a posição dos libertistas.















4. Explique a posição dos compatibilistas (dos deterministas moderados).













5. Apresente uma razão invocada pelos deterministas a favor da sua posição.
(Apresentamos mais do que uma razão)


































6. Apresente uma objecção ao determinismo.
(Apresentamos mais do que uma objeção)



















7. Apresente uma razão invocada pelos libertistas a favor da sua posição.
(Apresentamos mais do que uma razão)

















8. Apresente uma objecção ao libertismo.
(Apresentamos mais do que uma objeção)





















9. Apresente uma razão invocada pelos compatibilistas a favor da sua posição.