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domingo, 2 de outubro de 2016

As diversas ordens (tipos) de questões: exercício


Se me pergunto, “posso suicidar-me?”, a minha frase interrogativa pode revestir várias significações:

Questão de facto (f)
Se se trata-se de uma questão de facto, a resposta positiva é evidente, uma vez que eu tenho, de facto, essa possibilidade e, ao mesmo tempo, muitos meios ao meu dispor para o fazer (que vou inibir-me de discriminar). Uma questão de facto está relacionada com um fenómeno observável, ou com um conhecimento que se pode obter através dessa observação.

Questão de ordem técnica (t)
Se encarar a questão como tendo a ver com os meios para alcançar um objetivo, que se prendem com a eficácia, então estamos perante uma questão técnica, na qual não estará envolvido qualquer problema filosófico. Por exemplo, posso não poder suicidar-me se estiver paralisado e não tiver ao meu alcance um dispositivo técnico que me permita executar essa ação. Neste caso, como acontece com todas as questões de ordem prática, a questão só admite uma resposta.

Questão jurídica (j)
Se entendermos a questão como querendo referir-se ao que é legal – “a lei permite que me suicide?” – a resposta é negativa. Até a incitação ao suicídio é considerada um crime à luz da lei portuguesa.

Questão científica (c)
Se modificarmos um pouco a questão percebe-se melhor quando pode assumir uma aceção científica: “Em que condições os seres humanos se suicidam?”/ “O que pode levar um ser humano ao suicídio?” Estamos no campo da psicologia e da sociologia.

Questão religiosa (r)
Encarada como questão religiosa, ela procura saber se o suicídio está de acordo com os dogmas religiosos (os valores religiosos) que orientam a vida do sujeito que assim se interroga. Poucas religiões toleram o suicídio e sabendo quais os valores que são defendidos por uma determinada religião, pode responder-se, sem qualquer lugar para dúvida, a esta questão, no quadro dessa religião.

Questão filosófica (fil)
É filosófica toda a questão que coloca o problema do sentido, da finalidade, do valor, da legitimidade, de uma situação, de um fenómeno, ou de uma ação para o homem (para a razão humana/ o auditório universal) e que não pode reduzir-se à explicação científica dos factos ou à modificação técnica da realidade.
Assim, podemos colocar essa questão do ponto de vista ético: “Podemos (moralmente) suicidar-nos?”/ “Moralmente, temos o direito de nos suicidar?” E aqui o problema ganha uma ressonância muito diferente em relação aos exemplos anteriores. Em primeiro lugar, não é possível responder apenas com sim ou não, temos que argumentar a favor de uma tese (posição/ opinião fundamentada), porque não é possível dar uma resposta que seja aceite por todos os seres humanos, encarados como seres racionais. É racionalmente possível argumentar de forma fundamentada em favor de teses contrárias, pelo que estamos perante uma questão que se abre à discussão. De facto, ao longo da história da filosofia surgiram posições filosóficas a favor do suicídio e posições contra pelo que temos que analisar de forma cuidadosa os argumentos que os filósofos apresentam para sustentar uma ou a outra tese.

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Vamos agora tentar aplicar todas estas distinções:

Exercício:
De entre as quinze questões apresentadas, decida quais são:
     - de ordem filosófica (fil);
     - questões de facto (f); científicas (c); técnicas (t); jurídicas (j) ou religiosas (r).
Deve justificar com uma frase cada uma das suas escolhas, tendo em especial atenção aos casos em que atribui à mesma questão várias qualificações.


Questão
Categoria
(fil;f;c;t;j;r)
Justificação da escolha
1) Porque existe o mal?



2) Qual é a diferença salarial, em média, entre homens e mulheres?


3) Podemos aprender a lidar construtivamente com a morte?


4)O Rap e o Grafiti, podem ser considerados arte?



5) A quando da formação do universo, como se deu o Big Bang?


6) Como armazenar, de forma segura para o ambiente, os resíduos nucleares?


7) Porque é que as mulheres devem ser consideradas iguais aos homens?


8) Qual foi o filósofo que disse: “Só sei que nada sei?”


9) Como ser feliz?


10) Quem deverá ter o direito de paternidade de uma criança nascida fora do casamento?


11) Como é que um homem poderia engravidar?


12) As bases de dados informáticas são uma ameaça às nossas liberdades?


13) As pessoas podem viver separadas sem serem juridicamente divorciadas?


14) Cristo existiu historicamente?


15) Abortar é pecado?




François Brooks

terça-feira, 24 de março de 2015

Ficha E02 - A ética deontológica de Kant - Trabalho de aprofundamento

Instruções:
Esta ficha destina-se aos alunos que tiveram negativa no teste 4.

As respostas devem ser elaboradas tendo em conta os cenários de resposta. 
Não deves limitar a transcrever os tópicos: deves construir uma resposta com base no cenário de resposta, mas deves procurar desenvolver as respostas, acrescentando todos os elementos que consideres pertinentes.
As respostas devem ter um mínimo de 150 palavras.


Objetivos:


"Ora todos os imperativos ordenam ou hipotética ou categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade.
[...] No caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético; se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como necessária numa vontade em si conforme à razão, como princípio dessa vontade, então o imperativo é categórico."
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 2011

1.  A partir do texto, mostre por que razão, para Kant, a ação com valor moral se fundamenta no imperativo categórico e não em imperativos hipotéticos.
Na sua resposta, integre, de forma pertinente, informação do texto.
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Cenário de resposta:
(Clicar na imagem para ampliar)



2.  Será que há deveres morais absolutos?
Compare as respostas de Kant e de Stuart Mill a esta questão.
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Cenário de resposta:
(Clicar na imagem para ampliar)


sexta-feira, 13 de março de 2015

Kant ficha formativa - correção

Grupo I
Este grupo é uma adaptação de um conjunto de questões concebido Luís Rodrigues

1.Segundo Kant, agir moralmente bem depende:
a) Dos resultados da ação;
b) Da intenção do agente;
c) Da felicidade do agente;
d) Da satisfação interior que decorre da ação realizada.

2. Agir por dever é:
a) Respeitar a lei moral porque não se pratica crime algum.
b) Respeitar uma exigência moral hipotética;
c) Cumprir o dever sem qualquer outro objectivo.
d) Agir de uma forma em que os nossos desejos e interesses influenciam a nossa motivação.

3. Uma acção genuinamente moral é, para Kant, a que:
a) Fazemos por compaixão;
b) Fazemos por amor ao próximo;
c) Fazemos por respeito absoluto pela lei moral.
d) Fazemos por interesse em cumprir o dever.

4. Segundo Kant, para determinar o valor moral de uma acção temos de dar atenção:
a) Aos interesses envolvidos na ação;
b) À razão porque realizamos essa ação;
c) Aos efeitos da ação;
d) Ao que resulta do que fizemos.

5. A boa vontade é:
a) A vontade que age motivada exclusivamente pelo cumprimento do dever;
b) A vontade de um agente moralmente bom;
c) Uma vontade altruísta;
d) A vontade cujos atos produzem sempre boas consequências.

6. De acordo com Kant,
a) Para agir moralmente é suficiente fazer o que é correto;
b) Para agir moralmente temos de sentir simpatia pelos outros;
c) Para agir moralmente temos de fazer o que é correto pelas razões corretas;
d) Para agir moralmente temos respeitar a vontade de Deus.

7. Assinale das seguintes máximas a que para Kant tem valor moral genuíno:
a)«Serei honesto com os meus clientes de modo a ganhar a sua confiança e aumentar os meus lucros»;
b)«Serei honesto com os meus clientes porque são boas pessoas»;
c)«Não enganarei os meus clientes porque tenho bom carácter e gosto deles»;
d)«Serei honesto com os meus clientes porque a minha obrigação é respeitá-los.

8. O imperativo categórico é:
a) Um princípio condicionalmente imposto pela razão;
b) Um princípio que nos permite prever as consequências das nossas ações;
c) Uma obrigação absoluta e incondicionada;
d) Um princípio que nada tem a ver com as máximas que orientam as nossas ações.

9. Ajudar os outros por compaixão é, segundo Kant, uma ação:
a) Louvável, mas que não pode ser considerada como moralmente boa;
b) Correta porque baseada num bom sentimento;
c) Motivada pelo sentido do dever;
d) Uma ação correta porque baseada no Imperativo Categórico.

10. Ajudo alguém porque espero ser recompensado ou porque sinto ter o dever de o fazer. Isto significa que:
a) A mesma ação pode ser praticada com diferentes intenções.
b) A mesma ação pode ter diferentes consequências.
c) A moral kantiana tem origem na nossa experiência de carácter moral.
d) Apenas no primeiro caso a ação tem valor moral.

11. Quando Kant afirma que o valor moral de uma acção depende da intenção quer dizer que:
a) Uma ação tem valor moral se for motivada apenas pela compaixão pelos outros.
b) O conhecimento das intenções não é importante para determinarmos um valor moral de uma ação.
c) Há ações que não têm consequências.
d) Para determinar o valor moral de uma ação é, algumas vezes, necessário saber com que intenção essa ação foi praticada.

12. As regras morais devem ser respeitadas independentemente das consequências (boas ou más). Esta afirmação vale para:
a) O consequencialismo.
b) O utilitarismo
c) O deontologismo ou ética deontológica.
d) O altruísmo.

15. Segundo a ética deontológica de Kant, o bem último da ação é:
a) A felicidade.
b) A vontade boa.
c) O interesse da maioria.
d) Viver com a consciência tranquila.


Grupo II          

 1. Analise os seguintes textos sobre o dilema de Henrique:

 Texto A
"Numa cidade da Europa, uma mulher estava quase a morrer com um tipo muito raro de cancro. Havia um remédio, feito à base de Rádio, que os médicos imaginavam que poderia salvá-la, e que um farmacêutico da mesma cidade havia descoberto recentemente. A produção do remédio era cara, mas o farmacêutico cobrava por ele dez vezes mais do que lhe custava produzi-lo: O farmacêutico pagou €400 pelo Rádio e cobrava €4000 por uma pequena dose do remédio. Henrique, o marido da enferma, procurou todos os seus conhecidos para lhes pedir dinheiro emprestado, e tentou todos os meios legais para consegui-lo, mas só pôde obter uns €2000, que é justamente a metade do que custava o medicamento. Henrique disse ao farmacêutico que a sua mulher estava a morrer e pediu-lhe que vendesse o remédio mais barato, ou que o deixasse pagar a prestações. Mas o farmacêutico respondeu: ‘Não, eu descobri o remédio e vou ganhar dinheiro com ele’. Assim, tendo tentado obter o medicamento por todos os meios legais, Henrique, desesperado, considera a hipótese de assaltar a farmácia para roubar o medicamento para sua esposa. O Henrique deve roubar o medicamento?”
Kohlberg

Texto B
"Este caso não é, obviamente, um caso de fácil solução. Ele é, na verdade, um dilema moral. Dilemas morais são aquelas situações em que, qualquer que seja o modo de proceder, aparentemente implica violar uma norma moral e agir, portanto, contra a virtude (contra o bem moral). No caso, ou Henrique arrombaria a farmácia, e violava a norma segundo a qual não devemos roubar, ou ele deixaria a sua mulher morrer, e violava a norma segundo a qual devemos ser solidários e auxiliar todos os homens, em especial aqueles que constituem a nossa família. Como Henrique deve, então, proceder? Qual seria, então, a acção justa (moralmente boa)? 
O dilema de Henrique envolve claramente o seguinte problema, que pressupõe a questão da justiça: por que devo ser generoso com a mulher de Henrique e misericordioso para com Henrique, e não generoso e misericordioso para com o farmacêutico? Ou, ao contrário, porque devo aplicar a lei contra Henrique, e não contra o farmacêutico? Por que posso considerar como devido ou salvar a mulher de Henrique, ou não furtar, e não a acção contrária?"
Marcelo Campos Galuppo

1.1.  De acordo com a ética deontológica de Kant, o Henrique deve assaltar a farmácia e roubar o medicamento? Justifique.

As respostas a estas questões têm aqui uma versão abreviada. Nos trabalhos cooperativos as respostas devem ser mais desenvolvidas.

Resposta:

De acordo com a ética deontológica de Kant o Henrique não deve assaltar a farmácia e roubar o medicamento, porque esta ação não é universalizável, violando, assim, o Imperativo Categórico ("Age de maneira a que a máxima da tua ação se possa torar numa lei universal, válida para todos os seres racionais"), enquanto princípio da moralidade.


De acordo com Kant o valor moral das ações não deriva das suas consequências, mas da sua conformidade à lei moral, o que importa é que cumpramos o dever de forma incondicionada. Neste caso, não interessa o quanto o Henrique ame a sua esposa, ou o quanto ela precise do medicamento, uma vez que a conformidade ao dever não permite excepções.

1.2. Se o farmacêutico fosse um seguidor da ética deontológica de Kant, qual deveria ser a sua resposta ao pedido do Henrique? Justifique.

Resposta:
A resposta do farmacêutico só poderia ser afirmativa. Ao não aceitar facilitar a compra do medicamento pelo Henrique, o farmacêutico estava a pôr os seus interesses egoístas acima do cumprimento do dever moral. No fundo estará a usar a pessoa da mulher do Henrique como meio para atingir os seus próprios fins (a obtenção de riqueza com a venda da sua descoberta pelo melhor preço possível), violando, deste modo, o Imperativo Categórico nesta sua fórmula:  "Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim em si mesmo e nunca simplesmente como meio".
O facto de vermos o farmacêutico violar o imperativo categórico não torna aceitável que o Henrique o viole, por sua vez, roubando o medicamento.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A acção do homem sobre a Natureza






“Em virtude da sua vinculação ao mundo pela corporalidade e da sua diferença em relação ao mundo mediante a consciência‑liberdade, o homem está chamado  a exercer uma função exclusivamente sua a respeito do mundo: a transformação da natureza.   A presença do homem no mundo representa, pois, uma ativação das possibilidades escondidas da natureza, que leva a resultados que a natureza, por si só, não podia conseguir. Às ilimitadas potencialidades objectivas da natureza corresponde a ilimitada potencialidade projetiva do homem. E vice‑versa: à possibilidade ilimitada de criar o novo, própria do homem, corresponde a possibilidade ilimitada da natureza de ser transformada.
A função do homem a respeito do mundo apresenta‑se polifacetada. Um dos seus aspectos mais evidentes é o de transformar as coisas do mundo pelo trabalho, isto é, por meio da produção dos bens de que o homem necessita para a sua própria sobrevivência. Mas deve sobretudo notar‑se que a função do homem em relação ao mundo não se pode reduzir à produtividade mediante o trabalho. O homem é curioso em saber como é o mundo, em conhecer o enigma do mundo; simplesmente em conhecê‑lo por o conhecer. Deste desejo de saber brotaram e continuam a brotar as grandes descobertas que assinalam as etapas do progresso humano. Ao procurar conhecer como é o mundo, o homem busca também, e sobretudo, conhecer‑se a si próprio: progredindo no conhecimento do mundo, desenvolve as suas próprias capacidades de conhecer e atuar, e assim progride no conhecimento dele mesmo. Quanto mais senhor da natureza o homem se toma, tanto mais relevante se faz o porquê último da sua atividade e da sua existência no mundo; isto é, quanto mais o homem emerge sobre a natureza tanto mais se encontra a si mesmo perante a questão última: o porquê último do mundo e da relação "homem‑mundo", o porquê derradeiro do próprio homem.
Finalmente, não podem esquecer‑se outros aspectos fundamentais da função do homem relativamente ao mundo, diferentes do trabalho e mais criativos: a arte em todas as suas formas, a linguagem, a cultura, etc. São atividades em que o homem exprime a sua interioridade, fazendo da natureza mero instrumento expressivo da sua subjetividade, estas atividades provêm, sim, de uma necessidade do homem, mas de uma necessidade diversa das biológicas: da necessidade que o homem sente de expressar‑se a si próprio criando uma beleza irredutível à da natureza, uma linguagem de que a natureza carece, uma cultura feita à medida do homem. Tudo isto quer dizer que o resultado principal da ação do homem sobre o mundo é o progresso do homem enquanto homem, precisamente no que é específico do homem e o diferencia da natureza. O homem é capaz de mudar a sua própria relação com a natureza; crescendo no domínio dela, muda‑se a si mesmo.”

J. ALFARO



Atividades:
1.  Faça, por palavras suas, o resumo do texto (não deve ultrapassar as duzentas palavras).
2.   Comente a seguinte afirmação: “Às ilimitadas potencialidades objectivas da natureza corresponde a ilimitada potencialidade projetiva do homem. E vice‑versa: à possibilidade ilimitada de criar o novo, própria do homem, corresponde a possibilidade ilimitada da natureza de ser transformada.”
3.   Identifique e caracterize as diversas formas de relação do homem com o mundo (com a Natureza), presentes no texto.

sábado, 6 de dezembro de 2014

A Ação Humana - Ficha Formativa 04


"Suponhamos que apanhei o comboio e paguei o meu bilhete. Durante o  percurso vou distraído, pensando nas minhas coisas, sem me dar conta de que brinco com o pedacito de cartão, enrolo-o e desenrolo-o, até que finalmente o atiro descuidadamente pela janela aberta. Nessa altura aparece-me o cobrador e pede-me o bilhete: desespero e provavelmente vou levar uma multa. Posso apenas murmurar para me desculpar: " Atirei-o da janela...sem me aperceber." O revisor, que é também um pouco filósofo, comenta: "Bom, se não se apercebeu do que estava do que estava a fazer, não pode dizer que o tenha atirado pela janela. É como se ele tivesse caído".

Mas eu não estou disposto a aceitar essa restrição: "Desculpe, mas uma coisa é que me tenha caído o bilhete e outra tê-lo atirado, mesmo que o tenha feito inadvertidamente." Parece que esta discussão agrada mais ao revisor do que multar-me: " Veja, "deitar fora" o bilhete é uma ação, algo diferente de que nos caia, que é apenas uma dessas coisas que acontecem. Quando alguém faz uma ação é porque uma dessas coisas que acontecem. Quando alguém faz uma ação é porque quer fazê-la, não é verdade? Mas em contrapartida as coisas acontecem sem querer. De maneira que como você quis atirar o bilhete podemos dizer que na realidade ele lhe caiu.". Revolto-me contra esta interpretação mecanicista: "Não e não! Poderíamos dizer que o bilhete me tinha caído se eu tivesse adormecido, por exemplo, ou até se uma rabanada de vento mo tivesse atrancado da mão. Mas eu estava bem acordado, não fazia vento e o que acontece é que atirei o bilhete sem querer." "Basta disse o revisor riscando o seu caderno com um lápis -, E se não o quis fazer, como é você sabe que foi você, exactamente você, quem atirou? Porquê "atirar" uma coisa é fazer uma coisa e ninguém pode fazer uma coisa se não quiser fazê-lo." "Pois sabe o que lhe digo? Atirei a porcaria do bilhete porque me deu na realíssima gana!"

A verdade é que existe uma diferença entre o que simplesmente me acontece (viro um copo com um safanão na mesa ao ir buscar o sal), o que faço sem me dar conta e sem querer ( o belo do bilhete atirado pela janela), o que faço sem me dar conta mas segundo uma rotina adquirida voluntariamente (como meter os pés nos chinelos quando me levanto da cama meio adormecido) e o que faço apercebendo-me e querendo (atirar o revisor bruscamente pela janela para que vá buscar o bilhete). Parece que a palavra "ação" é uma palavra que apenas convém à última destas possibilidades. É evidente que ainda existem outros gestos difíceis de classificar mas que à partida parecem qualquer coisa menos "ações": por exemplo, fechar os olhos e levantar o braço quando alguém me atira alguma coisa à cara ou procurar algo a que me agarrar quando estou quase a cair. Não decididamente um "ação" é apenas o que eu não teria feito se não tivesse querido fazê-lo: chamo ação a um ato voluntário. O "finado" revisor tinha portanto razão...

Mas como podemos saber se um ato é voluntário ou não? Porque talvez antes de o levar a cabo pondero entre várias possibilidades e finalmente decido-me por uma delas.
Claro que não é o mesmo "decidir-me a fazer algo" que "fazê-lo”. “Decidir-se" é por fim a uma deliberação mental sobre o que quero realmente fazer. Mas uma vez decidido, tenho ainda que fazer. O que decido é o objectivo ou fim da minha ação, mas talvez não a própria acção. Por exemplo decido apanhar o copo e estendo o braço para o apanhar. O que é que decidi realmente fazer, apanhar o copo ou estender o braço? E qual é a verdadeira ação: apanhar o copo ou estender o braço? Se estendo o braço e deixo fora o copo posso dizer que agi ou não ? Ou agi a meias?"
Fernando Savater, As Perguntas da Vida

Responda às seguintes questões colocadas no texto:

1. Como podemos saber se um ato é voluntário ou não?

2. Decido apanhar o copo e estendo o braço para o apanhar. O que é que decidi realmente fazer, apanhar o copo ou estender o braço? E qual é a verdadeira ação: apanhar o copo ou estender o braço?


Correção (clique no link abaixo para aceder):


A Ação Humana - Ficha Formativa 03




Texto 1
O João deseja herdar uma fortuna. O seu pai é muito rico, mas nunca o ajudou, sempre foi distante e desinteressado pelo filhos. É até provável que o pai acabe por deserdá-lo.  Quando se dirigia para o trabalho ao volante do seu carro, preocupado com o facto de já estar atrasado, acelera para tentar ganhar tempo, ao mesmo tempo que lhe vem à ideia que e o melhor a fazer para resolver de vez todos os seus problemas seria matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no ainda mais nervoso que, ao conduzir desajeitadamente o seu carro, mata um peão que atravessava na passadeira depois de se ter acendido o sinal verde para os peões. Quando sai do carro descobre que o peão que acabava de atropelar é o seu pai!

1. O João deve ser julgado e condenado por parricídio? Ele, de facto, assassinou o seu pai?

2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes? Justifique com base na rede conceptual da ação.



Correção:

1. A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai constitui, ou não, uma ação do João.
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um acontecimento é uma ação.
Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.
Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento corporal (estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações (respirar).
Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue os acontecimentos que contam como ações:
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a exibir a presença de uma intenção no agente.
Neste caso, o João não tinha a intenção de atropelar alguém, muito menos o seu pai (a hipótese de poder matá-lo para herdar a fortuna não passou de uma ideia sem nexo, como tantas que nos ocorrem e que acabamos por considerar absurdas). O atropelamento é, assim, um ato involuntário, não é o resultado de uma deliberação da vontade do João.
Logo, o João não assassinou o seu pai: de facto, ele nem sabia que se tratava do seu pai. Contudo, o João é responsável pela condução imprudente, mas isso é outra questão, fosse quem fosse que atravessasse a passadeira naquele momento seria atropelado, quis o acaso que fosse o seu pai.

2. Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa, no mesmo local e à mesma hora.
Por outro lado, cada pessoa poderá possuir uma intenções diferentes ao comer (apenas matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.
Pode dizer-se que aquelas pessoas estão a praticar ações diferentes. Isto se olharmos apenas ao ato de comer. Contudo, se aquela refeição tivesse um objectivo que transcendesse a ingestão dos alimentos, a coisa pode mudar de figura: pode tratar-se de uma festa de aniversário.
Nesse caso todos estariam ali com a mesma intenção: celebrar o aniversário de um familiar. É que há ações que só podem fazer-se através da cooperação entre diversos agentes. Mas mesmo assim cada um estaria a agir de forma voluntária e em cada um a ação assumiria uma tonalidade diferente.


A Rede Conceptual da Ação




Texto 1 - O homem e o Animal

      “Os animais (para já não falar nos minerais e nas plantas) não podem evitar ser como são e fazer aquilo que naturalmente estão programados para fazer. Não se lhes pode censurar que o façam nem aplaudi‑los pelo que fazem, porque não sabem comportar‑se de outro modo. As suas disposições obrigatórias poupam‑lhes sem dúvida muitas dores de cabeça.
Em certa medida, de início, nós, os homens, também estamos programados pela Natureza. Estamos feitos para beber água, e não lixívia, e tomemos as precauções que tomarmos, mais cedo ou mais tarde, morreremos. E de modo menos imperioso mas análogo, o nosso programa cultural, é também determinante: o nosso pensamento é condicionado pela linguagem que lhe dá forma (uma linguagem que nos é imposta de fora e que não inventámos para nosso uso pessoal) e somos educados em certas tradições, hábitos, formas de comportamento, lendas...; numa palavra, são‑nos inculcadas desde o berço certas fidelidades e não outras. Tudo isto pesa muito e faz com que sejamos bastante previsíveis.
     Com os homens nunca podemos ter bem a certeza, ao passo que com os animais, ou outros seres naturais, sim. Os castores fazem represas nos ribeiros e as abelhas favos com alvéolos hexagonais:
não há castores que se sintam tentados a fazer alvéolos de favos, nem abelhas que se dediquem à engenharia hidráulica. No seu meio natural cada animal parece saber perfeitamente o que é bom e o que é mau para ele, sem discussões nem dúvidas.
     Por grande que seja a nossa programação biológica ou cultural, nós, seres humanos, podemos acabar por optar por algo que não está no programa (pelo menos que lá não está totalmente). Podemos dizer «sim» ou «não», «quero» ou «não quero». Por muito apertados que nos vejamos pelas circunstâncias, nunca temos um só caminho, mas sempre vários.”                                        
Fernando Savater, Ética para um jovem.(Texto adaptado)

Texto 2 - Nem todos os atos do homem são atos humanos

"Deixando de lado alguns usos puramente técnicos da palavra ‘ação’ (por exemplo, ação como participação no capital de uma empresa), o núcleo significativo da palavra assenta na produção ou causação de um efeito. A palavra ‘ação’ emprega-se às vezes para falar de animais não humanos (diz-se que a ação das cigarras é benéfica para a agricultura) ou, inclusive, de objetos inanimados (diz-se que a gravitação é uma forma de ação à distância ou que a toda a ação exercida sobre um corpo corresponde uma ação igual de sentido contrário). Mas sobretudo usamos a palavra ‘ação’ para nos referirmos ao que fazem os humanos. Aqui só nos interessa este tipo de ação, a ação humana.
As nossas ações são (algumas das) coisas que fazemos. Na realidade o verbo ‘fazer’ cobre um campo semântico bastante mais amplo que o substantivo ‘ação’. O latim distingue o agere do facere (aos quais corresponde em português agir e fazer). Ao substantivo latino actio, derivado de agere, corresponde o substantivo ação. Assim, até de um ponto de vista etimológico, ‘ação’ só carrega a carga semântica de ‘agir’ e não propriamente de ‘fazer’.
Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma ação. Enquanto dormimos realizamos muitas coisas: respiramos, suamos, damos voltas, apertamos a cabeça contra a almofada, sonhamos, talvez ressonemos alto ou falemos em voz alta ou andemos sonâmbulos pela casa. Todas estas coisas as realizamos inconscientemente, enquanto dormimos. Realizamo-las mas não damos conta delas, não temos consciência de que as realizamos. A estas coisas que fazemos inconscientemente não lhes vamos chamar ações. Vamos reservar o termo ‘ação’ para as coisas que realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos.
Há, no entanto, coisas que fazemos conscientemente, dando-nos conta delas, mas sem que à sua realização corresponda uma intenção nossa. Damo-nos conta dos nossos ‘tiques' e de muitos dos nossos atos reflexos, mas realizamo-los involuntariamente, constatamo-los como espectadores, não os efetuamos como agentes. (A palavra ‘agente’ é outra das palavras derivadas do verbo latino agere). Por algo que sentimos depois de comer damo-nos conta de que estamos a fazer a digestão. Mas fazer a digestão não constitui (normalmente) uma ação. Pelos sorrisos dos que nos observam damo-nos conta de que estamos a ser ridículos. Mas ser ridículo (praticar atos ridículos) não é uma ação, mas uma reação, algo que nos passa despercebido e que lamentamos (a não ser que o façamos de propósito, como provocação; neste caso já seria uma ação). Também não chamamos ação a esses aspectos da nossa conduta de que nos damos conta, mas que não efectuados intencionalmente. No presente estudo limitar-nos-emos às ações humanas conscientes e voluntárias, às que daqui em diante chamaremos ações (sem mais).
Uma ação é uma interferência consciente e voluntária de um homem ou de uma mulher (o agente) no normal decurso das coisas, que sem a sua interferência haveriam seguido um caminho distinto do que por causa da ação seguiram. Uma ação consta, pois, de um evento que sucede graças à interferência de um agente e de um agente que tinha a intenção de interferir para conseguir que tal evento sucedesse.
Jesús MOSTERÍN - Racionalidad y Acción Humana.


Texto 3 - Os elementos constitutivos da ação

“Para compreendermos o que é a ação, e para a podermos distinguir dos outros atos do homem, temos que ter em conta os diversos elementos que a constituem.
 Graças a eles podemos compreender porque é que alguém agiu de determinada forma, o que é que essa pessoa queria efetivamente realizar com a sua acção, quais as consequências dessa ação e qual a sua responsabilidade face a essas consequências. É isso que acontece, por exemplo, na investigação criminal, mas não é preciso ir tão longe: em qualquer situação em que nos deparemos com uma ação, se não conhecemos todos os seus contornos, somos levados a levantar as seguintes questões:

1. Quem agiu (‘quem fez isto?’)?
2. Porquê? Com que motivo?
3. Para quê? Com que intenção? Com que finalidade?
4. Quais as consequências dessa acção? Todas elas foram ponderadas pelo agente?

A primeira questão remete-nos para o autor da ação, para o agente. Ora para que alguém seja agente de uma ação, é necessário que estejamos perante um ser dotado de consciência racional e de uma vontade livre. Assim, o agente é responsável pelas ações que pratica, porque estas são atos voluntários que resultam de uma deliberação. Podemos então concluir que todos os atos que nascem da nossa liberdade são da nossa responsabilidade. E responsabilidade, a este nível, significa que é o agente quem responde pelas suas cções e pelas respectivas consequências (sejam elas boas ou más), porque não há ninguém acima da sua liberdade: o agente age porque quer, ele é dotado de uma vontade soberana, ele é senhor das suas ações.
A segunda questão refere-se ao motivo da ação. Toda a ação é motivada, ou seja tem que existir uma causa, interna ou externa, que leve o agente a tomar a decisão de agir. Se não tivermos uma motivação para fazermos algo, não o fazemos. Assim, o motivo é a causa que suscita no agente a vontade de agir, que o leva, num dado momento, a preferir fazer uma coisa e não outra. Uma pessoa pode estar confortavelmente sentada a ouvir música, mas se sentir fome, pode decidir ir à cozinha fazer um lanche, por sentir fome. Pode, também, decidir ir estudar, por ter que realizar testes de avaliação na escola. Ou pode decidir desligar a aparelhagem por começar a sentir dores de cabeça.
A terceira questão tem a ver com a intenção do agente. Há quem considere que a intenção é a chave para a compreensão de uma ação. De facto, se nos situarmos num ponto de vista moral, para sabermos se uma ação é boa ou má, temos que conhecer a intenção do agente, temos que saber o que é que ele queria alcançar com a sua ação, quais os fins que ele queria atingir, enfim, o que é que ele projetou quando decidiu agir daquela forma. Por exemplo, se acontecer um incêndio de grandes proporções, e se as autoridades descobrirem que esse incêndio começou devido à ação de um determinado indivíduo, só poderão saber se esse indivíduo, que é responsável pelas suas ações, é criminalmente  responsável  pelo incêndio, depois de descobrirem qual a intenção desse indivíduo. Se ele acendeu uma pequena fogueira para assar sardinhas, e se uma rajada de vento espalhou as brasas ateando o incêndio, esse indivíduo pode não  ser criminalmente responsável pelo incêndio, apesar de, em última instância, ser o causador do mesmo. Caso tenha havido incúria, ou o desrespeito por uma proibição de atear fogo nesse local, então, nesse caso, o agente será criminalmente responsável, mesmo se a sua intenção não era provocar um incêncio. Mas se, por outro lado, se apurar que esse indivíduo agiu com a intenção de, através do incêndio, provocar danos a terceiros, motivado pelo ódio, então ele é duplamente responsável: ele é responsável por ser o causador do incêndio, e é criminalmente responsável, porque a sua intenção era criminosa.
Por fim, em relação à quarta questão, temos as consequências da ação. E elas existem porque todas as ações têm um impacto sobre o real, o agente interfere com a realidade, a sua ação é um acontecimento que dá origem a outros acontecimentos que, por sua vez, podem ter efeitos positivos ou negativos na vida das outras pessoas. O agente é, direta ou indiretamente, responsável pelas consequências das suas ações, mas a sua responsabilidade moral, só pode ser aferida tendo em conta a intenção que presidir a cada uma dessas ações. Isto faz com que o agente tenha o dever de pensar nas consequências das suas ações, antes de as pôr em prática. E, mesmo assim, podem acontecer resultados imprevistos, porque nós temos o poder de decidir fazer algo, mas não controlamos a forma como a realidade se vai comportar em relação às  nossas ações.”


Atividades:

1. De acordo com o texto 1, o que é que distingue o homem dos outros animais? Justifique a sua resposta.

2. Todos os atos do homem são ações? O que é necessário para considerarmos um ato do homem uma ação? Justifique a sua resposta.

3. Pode dizer-se que os animais agem? Justifique a sua resposta.

4. Identifique e caracterize, por palavras suas, os elementos constitutivos da ação.

5. Comente a seguinte afirmação do texto 3: “E responsabilidade, a este nível, significa que é o agente quem responde pelas suas acções e pelas respectivas consequências (sejam elas boas ou más)”.