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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"O homem é a medida de todas as coisas"

Imagem de Gilbert Garcin

Protágoras de Abdera (480 - 411 a.C.)

A base da filosofia de Protágoras está na máxima:

 "O Homem é a medida  de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são." 


Com essa máxima Protágoras tinha por objetivo negar a existência de um critério absoluto para distinguir o ser do não ser (e a verdade da falsidade). O critério para a diferenciação torna-se o homem, cada homem. Ele explica melhor: "Tal como cada coisa se apresenta para mim, assim ela é para mim, tal como ela se apresenta para você, assim ela é para você." O vento que sopra é frio ou quente? A resposta vai depender de cada pessoa, para algumas vai estar frio e para outras vai estar quente, dessa forma ninguém vai estar errado e a verdade vai estar em cada sujeito e no que ele pensa sobre a sua experiência.

Se os homens são a medida de todas as coisas, por consequência, nenhuma medida pode ser a medida para todos os homens. As coisas assim vão ser definidas pelas pessoas que as definem, o que vale para determinada situação não vai valer para outras. As coisas vão ser conhecidas particularmente por cada indivíduo.

Protágoras ensinava também técnicas e métodos para  tornar um argumento fraco num argumento forte. Ele ensinava a aptidão de fazer sobressair um ponto de vista sobre um ponto de vista contrário. Os homens têm em si a faculdade de julgar com justiça, a função do sofista é fazer com que eles expressem essa capacidade.

Para ele as coisas são portanto relativas aos indivíduos e aos seus pareceres. Não existe uma verdade absoluta assim como não existem padrões morais absolutos, o que existem são coisas mais oportunas, úteis e convenientes. A pessoa sábia vai ser aquela que consegue distinguir o que é mais vantajoso e decente para cada situação. O sábio vai conseguir também convencer os outros a reconhecer essa qualidade superior e fazer com que eles a ponham em prática.

Protágoras afirmou também que em relação aos deuses ele não poderia afirmar se existem ou se não existem pois muitas coisas o impediam de fazer tais afirmações, ele considerava o assunto obscuro e a vida demasiado breve para se encontrar uma resposta para a questão. Mostrava-se agnóstico nas suas crenças pois o divino vai além da capacidade humana de compreensão dessa experiência sendo o homem limitado no seu saber. Para ele era possível criarmos argumentos tanto a favor como contra a existência dos deuses.

Ele dizia ainda que os sábios e os bons oradores deveriam guiar através de conselhos as outras pessoas.

Aforismos:
- Sobre qualquer questão existem dois argumentos contrários entre si.
- Sobre os deuses não posso saber se existem ou se não existem.
- Das coisas belas umas são belas por natureza e outras por lei, mas as coisas justas não são justas por causa da natureza, os homens estão continuamente a disputar pela justiça e a alteram também continuamente.
- Toda a vida do homem tem necessidade de ordem e de adaptação.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A Retórica

A Retórica
Na antiguidade o campo da lógica informal foi ocupado pela retórica.
A retórica era cultivada como a arte da eloquência, ou seja como um conjunto de técnicas que visavam persuadir ou convencer um auditório através do discurso.
A retórica nasceu da necessidade de resolver conflitos através da argumentação: nos tribunais e nas assembleias políticas e o seu aparecimento é um verdadeiro progresso civilizacional na Grécia antiga, porque permitiu que o debate substituísse a violência quando estavam em causa conflitos de interesse que excitavam as paixões dos envolvidos.
Cedo se formou um grupo de cultores da retórica, os sofistas. Estes foram durante muito tempo os principais educadores das elites das grandes cidades gregas e em especial de Atenas, o berço da democracia.
Sócrates e Platão entraram em conflito aberto com os sofistas acusando-os de  praticarem a retórica como uma arte da ilusão e da manipulação, uma fonte de perversão que urgia combater sem vacilar.
Para estes filósofos a busca da verdade e a consequente libertação dos homens da ignorância e da superstição era uma das principais metas da filosofia. 
Os sofistas, por sua vez, visavam que os seus discursos fossem eficazes, ou seja, que produzissem efeitos políticos que, no fundo, permitissem exercer um poder efetivo sobre os cidadãos. Por isso defenderam uma ética relativista e pragmática: o bom deve estar submetido ao útil (pragmatismo) e o saber vale pelos seus efeitos práticos, pelo que não existe nenhum saber superior à opinião (doxa) e entre as opiniões vence a que for aceite pelo público, ou seja, a que for melhor defendida.
É neste contexto que se dá o julgamento de Sócrates que teve como desfecho a sua condenação à morte.





Depois deste conflito entre Platão (e Sócrates) e os sofistas, Aristóteles procede a uma verdadeira reabilitação filosófica da retórica. Na sua obra Retórica, procede a uma sistematização do campo temático desta disciplina, procurando apresentá-la como um complemento da Lógica e afastando-a do domínio da manipulação sofística.

"Para muitos, a retórica pouco mais é do que mera manipulação linguística, ornato estilístico e discurso que se serve de artifícios irracionais e psicológicos, mais propícios à verbalização de discursos vazios de conteúdo do que à sustentada argumentação de princípios e valores que se nutrem de um raciocínio crítico válido e eficaz. Mas a restauração da retórica ao seu velho estatuto de teoria e prática da argumentação persuasiva como antiga e nova rainha das ciências humanas tem vindo a corrigir essa noção enganosa, revalorizando-a como ciência e arte que tão logicamente opera na interpretação dos dados que faz intervir no discurso, como psicológica e eficazmente se cumpre no resultante efeito de convicção e mobilização para a ação de um auditório através do discurso. 
No fundo, a retórica é um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao serviço de todos os saberes. E um saber interdisciplinar no sentido pleno da palavra, na medida em que se afirmou como arte de pensar e arte de comunicar o pensamento. E como saber interdisciplinar e transdisciplinar, a retórica está presente no direito, na filosofia, na oratória, na dialéctica, na literatura, na
hermenêutica, na crítica literária e na ciência.
A retórica é uma das artes práticas mais nobres, porque o seu exercício é uma parte essencial da mais básica de todas as funções humanas. Daí a especial atenção que Aristóteles lhe dedicou, corrigindo tendências sofísticas e codificando princípios metodológicos e técnicos que, com o evoluir da tradição,
se haveriam de consagrar num cânone retórico de grande fortuna e proveito.
Na retórica aristotélica nós encontramos o saber como teoria, o saber como arte e o saber como ciência; um saber teórico e um saber técnico, um saber artístico e um saber científico. 
No trânsito da antiga para a nova retórica, ela naturalmente transformou-se de arte da comunicação persuasiva em ciência hermenêutica da interpretação. O seu duplo valor como arte e ciência, como saber e modo de comunicar o saber, faz dela também um instrumento mediante o qual podemos inventar, reinventar e solidificar a nossa própria educação. O esforço transdisciplinar que hoje em dia se faz para melhor compreender o papel da retórica e da hermenêutica na crítica do texto filosófico e literário mostra-nos que estas são duas áreas do saber intrinsecamente ligadas à essência da praxis humana.
O justo relevo dado por Chaim Perelman à vertente argumentativa desta arte colocou mais uma vez a Retórica de Aristóteles na moda, e as traduções que dela se fazem sucedem-se em ritmo acelerado nas mais diversas línguas."
Manuel Alexandre Júnior, prefácio da obra de ARISTÓTELES, Retórica, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2005.

Deve-se confrontar esta apresentação com artigos/ documentos:
A emergência da Retórica
A argumentação filosófica e a busca da verdade
A Democracia Grega e o Movimento Sofista - Apresentação

Para mais informação sobre os sofistas, clique AQUI

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Os sofistas





Quem eram os SOFISTAS?
Quanto aos sofistas, seria obrigatório considerar que este termo designa um antigo grupo de sábios que teve uma relevância inquestionável na sociedade grega em meados do século V a.C. Costuma-se afirmar que os sofistas eram dotados de uma notável capacidade retórica. No entanto, dada definição não chega a demonstrar claramente a real importância destes sábios. J. V. Luce chega a afirmar que o termo sophistes podia ser empregue com a mesma conotação, sem que com tal emprego incorresse em erro, para poetas, carpinteiros, médicos e estadistas.
Porém, mesmo diante desse pequeno impasse devemos lembrar que o termo sofista é, grosso modo, uma derivação do termo sophos, que significa “sábio, perito, especialista”. Em consonância com isso, cabe ainda informar que o poeta Ésquilo disse, certa vez, que “não é aquele que sabe muitas coisas que é sophos, mas aquele cujo conhecimento é útil”. Por esse prisma, é válido aceitar que, ao atingir-se o real alcance da afirmação de Ésquilo, os Sofistas seriam, num sentido restrito, aqueles que são úteis à pólis – à cidade – já que a sua zona de ação estaria de acordo com os interesses práticos da sociedade, ou seja, agiriam sempre com vista a um conhecimento útil. Não se conformavam ao meramente abstrato, ao que não tivesse fins políticos claros.
Tal carga semântica referente à utilidade atribuída à prática dos Sofistas é perceptível quando se assevera que já em meados do século V a.C estes eram conhecidos como 'professores' errantes que viajavam de cidade em cidade oferecendo cursos de instrução numa grande variedade de assuntos. Precisamente por ter o seu campo de ação no âmbito do que fosse público é que os Sofistas conseguiram colocar-se numa posição de distinção no que se refere às consequências das ideias defendidas por eles:

"Não há outro movimento que se possa comparar com a Sofística quanto à duração das suas consequências. Não que, de um golpe, tenha modificado a vida cultural grega; antes, já vimos que os círculos afetados por ela ao princípio eram de certa maneira restritos. Mas o mundo de ideias que ela fez desintegrar nunca mais voltou a formar uma verdadeira unidade, e as perguntas que formulava, as dúvidas que suscitava, não puderam ser silenciadas [...]. (LESKY, História da literatura grega." Tradução Manuel Losa. 3.ed. Lisboa, Calouste Gumbenkian, 1995, p.317)

Diante disso, é inegável a importância e a repercussão dos Sofistas não apenas para a filosofia, mas para os diversos aspectos sociais envolvidos no domínio sofístico.
Não obstante, ao longo da história ocidental, o termo 'sofista' ganhou um sentido pejorativo. E tal conotação pejorativa começou a ganhar notoriedade  ainda na Antiguidade. Desta forma, se antes sábio e sofista foram termos sinonímicos, já no século V a.C. a palavra 'sofista' passou a designar aquele que convence por meio de sofismas. 
O sofisma, a rigor, seria um argumento não conclusivo, mas, que a despeito de sua imprecisão, utilizaria elucubrações pouco louváveis, que teriam por intuito apenas fins meramente retóricos. .
Os sofistas, principalmente por causa da visão socrático-platónica, estariam inexoravelmente no âmbito da relatividade e do subjetivismo. Nesse sentido, tal relatividade e subjetivismo concorreriam para que as dúvidas se tornassem mais arraigadas no inconsciente coletivo, como dogmas inquestionáveis, ou pseudo-sofia, já que, de acordo com os detratores dos sofistas, a pretensão de alcançar uma certeza não teria relevância alguma para estes últimos. Esta característica conflituaria com a busca da verdade, tão em voga na filosofia grega. 
Decerto, este último atributo foi provavelmente o mais forte para caracterizar o tom pejorativo, muitas vezes de ofensa, atribuído ao termo sofista.
No entanto, mesmo as críticas socrático-platónicas deixam a desejar ao não perceberem que essa espécie de relativismo, defendido pelos Sofistas, tinha como consequência lógica o entendimento de que a verdade para eles significava algo que, por excelência, era pragmático ou que fosse útil a um indivíduo ou a comunidade.
Luiz Roberto Alves dos Santos, "Ética Sofística: o Papel Educativo da Relativização dos Valores"
(Texto adaptado).

Os sofistas
O movimento sofístico surge na Grécia no século V a.C. e deve ser compreendido como um movimento que responde às necessidades de ampliar e renovar as estruturas sócio-político-culturais da época, proporcionando aos jovens uma nova educação, centrada principalmente no domínio da linguagem e do discurso. São professores no sentido político e o seu ensino dirige-se aos jovens que querem aceder a posições políticas importantes, ligando-se, por isso, à arte de viver e de governar. São técnicos de retórica.
Praticam o método antilógico ou a antilogia. Este método antilógico ou antilogia consiste no seguinte exercício: dar ao aluno a tarefa de defender uma tese, ou uma causa, fazendo-o desenvolver toda a argumentação a seu favor. Depois, pedir ao mesmo aluno que, relativamente a essa tese ou causa, desenvolvesse uma argumentação inversa, isto é, de ataque, que a deitasse por terra. Com este método, os sofistas procuravam fomentar o espírito e a capacidade de argumentar. O ensino sofístico encontrava-se essencialmente ligado à argumentação e à retórica ou, mais precisamente, à capacidade de usar a palavra e de fazer discursos persuasivos e convincentes, discursos que permitissem que quem os fizesse atingisse os objetivos perseguidos.
Contudo, a par dos partidários e entusiastas deste tipo de ensino, cedo surgiram, por parte dos filósofos, fortes críticas e acusações à pedagogia com que eles procuravam formar a juventude. Esta crítica acabou por dar dos sofistas a imagem de 'filósofos malditos' e de os lançar no descrédito.
No entanto, há que assinalar a importância dos sofistas dizendo que o grande legado que eles nos deixaram se pode resumir na valorização da palavra, do discurso e do diálogo como forma de regulação da vida dos homens e como arma e instrumento fundamental nos jogos de poder com que a todo o momento a vida em sociedade nos confronta , a crença na capacidade dos homens substituírem, nas suas relações, o regime de força e de violência por um regime da persuasão, a ideia de que o estabelecimento de uma comunidade entre pessoas humanas se funda não na imposição dogmática, mas na capacidade das pessoas falarem, debaterem e ouvirem-se umas às outras, numa palavra, a convicção de que a resolução dos problemas humanos só encontra uma solução humana se mediada pela linguagem e pelos poderes dialógicos - eis o grande legado que os sofistas nos deixaram.
Rui Alexandre Grácio, Vocabulário crítico de argumentação, Grácio Editor, Coimbra, 2013, pp. 121-122.

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Consultar também:
A importância dos sofistas
"O Elogio a Helena" - Um exemplo da arte de discursar de Górgias

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A emergência da Retórica


Texto 1 - O Despertar da Oratória

Desde sempre os gregos foram inveterados amantes da palavra, apreciando a eloquência natural mais do que qualquer outro povo antigo. A comprová-lo estão os brilhantes discursos que enchem as páginas da Ilíada e as fervorosas palavras que os comandantes militares dirigiam às suas tropas antes de entrar em combate. Os próprios soldados caídos na guerra eram logo honrados com solenes discursos fúnebres. Mas foi com o advento da democracia que esse interesse pela eloquência e oratória cresceu de uma maneira explosiva. Compreende-se porquê: o povo - onde não se incluíam, nem as mulheres, nem os escravos, nem os forasteiros - passou a poder reunir-se [, na Ágora,] em assembleia geral para tratar e decidir de todo o tipo de questões. Assembleia geral que era ao mesmo tempo o supremo órgão legislativo, executivo e judicial. Nela se concentravam os mais altos poderes. Podia declarar a guerra ou a paz, alterar as leis, outorgar a alguém as máximas honras mas também mandá-lo para o exílio ou condená-lo à morte. Tratava-se de reuniões públicas e livres, pois todos os cidadãos podiam assistir, participar e votar. Logicamente, os que melhor falavam eram também os mais influentes. Logo, quem aspirasse a ter alguma influência nessas assembleias, forçosamente teria de possuir assinaláveis dotes oratórios. (...)

Definitivamente, o saber defender-se com a palavra, passou a ser uma parte essencial da educação e cultura geral grega. E Aristóteles [,na sua obra Retórica], explica porquê: "se é vergonhoso que alguém não possa servir-se de seu próprio corpo [para se defender], seria absurdo que não o fosse no que respeita à razão, que é mais própria do homem do que o uso do corpo”. É certo que uma das maiores acusações que Platão fizera à retórica tinha sido a de que esta poderia trazer graves consequências quando alguém dela se servisse para fazer o mal, mas Aristóteles riposta categoricamente, lembrando que "se é certo que aquele que usa injustamente desta capacidade para expor razões poderia causar graves danos, não é menos certo que isso ocorre com todos os bens, à excepção da virtude, sobretudo com os mais úteis, como o vigor, a saúde, a riqueza ou a capacidade militar, pois com eles tanto pode obter-se os maiores benefícios, se usados com justiça, como os maiores custos, se injustamente utilizados”.

|Américo de Sousa, http://www.persuasao.com/trechos.htm.



Texto 2 - A Pólis

“A polis grega ou cidade-Estado é um dos elementos fundamentais da civilização grega, resultante da conjugação de um conjunto variado de factores. Ela nasceu de factores de ordem geográfica, de uma instabilidade gerada depois da invasão dórica, e da falta de um poder centralizado defensor dos indivíduos, que os levou a unirem-se em pequenos territórios.<…>

Os Gregos viviam nas polis, e estavam somente sujeitos às suas leis, o que para eles era decisivo para os distinguir dos povos bárbaros. A polis era, também, um sistema de vida e, portanto, um modo de formar e moldar os cidadãos gregos que dela faziam parte. Este conceito está sintetizado nas palavras de Simónides: "A polis é mestra do homem".<…>

Este espaço físico para além deste aspecto individualizado, continha uma série de edifícios públicos, presentes em qualquer cidade do mundo helénico. Os templos dedicados aos deuses eram indispensáveis; a Ágora, ou praça pública, onde se exerciam actividades ligadas ao comércio; as dependências dos magistrados, e uma cidadela (Acrópole).

A cidade vivia de uma economia de base agrária, e nela estavam contempladas as três divisões do poder, distribuídas pelas actividades legislativa, judicial e administrativa<…>

A Assembleia Popular, o Conselho e os tribunais formados pelos cidadãos eram três aspectos significativos da vida quotidiana da polis ateniense que caracterizavam este original sistema, no qual a participação na coisa pública era exercida rotativamente. Assim se manteve este regime político democrático até à época helenística.”

|http://www.infopedia.pt/$polis-da-grecia-antiga



Texto 3

A origem da polis a partir do século VIII a.C., com o renascimento do comércio, acaba com o isolamento das aldeias. A sociedade torna-se mais complexa. As cidades sofrem mudanças radicais. O local mais importante da cidade passa a ser a "Ágora", a praça pública, onde o comércio se desenvolve e as discussões sobre a vida e a sociedade acontecem.

A democracia contribuiu para que "todos" tivessem acesso à Ágora, de modo que cidadania passou a ser um direito dos homens adultos e que não fossem estrangeiros ou escravos.

Essa nova forma de pensar a partir da formação da Pólis é o oposto ao pensamento mítico. É como se o homem grego do século VI a.C. se tivesse libertado das fantasias da religião e da mitologia para evoluir racionalmente.

A Pólis grega, criação da vontade dos homens, estabelece o desaparecimento da vontade divina e celestial de todo um conjunto de relações, quer dos homens entre si, quer dos homens com a Natureza. A mitologia apenas narra, de forma poética e fantasiosa, uma sucessão de fenómenos divinos, naturais e humanos.

Ela é, então, substituída pela Filosofia na compreensão desses fenómenos. Com isso, ao utilizar a Razão, o homem busca uma explicação para entender a relação entre o caos e a ordem do mundo.

|http://www.mundovestibular.com.br/articles/2432/1/A-EVOLUCAO-DA-POLIS-GREGA-E-A-RAZAO/Paacutegina1.html



Texto 4

Os sofistas viveram numa época áurea da cultura grega. O século de Péricles onde a democracia em Atenas desenvolveu intensa vida cultural e artística.Sofista etimologicamente significa dizer apenas "intelectual que sabe falar". Posteriormente adquiriu um sentido pejorativo de "alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar".

Ao longo dos anos, os sofistas sempre foram mal interpretados devido a críticas feitas por Sócrates e Platão. Segundo estes filósofos, a Filosofia não se deve basear na doxa, na opinião, mas deve constituir-se como episteme (ciência), ou seja, como saber racionalmente fundamentado e empiricamente comprovado. A verdade deve ser a principal preocupação dos filósofos, o que leva à rejeição da argumentação retórica e do relativismo defendido pelos sofistas, para quem não há opiniões verdadeiras, mas apenas opiniões defendidas de forma competente.

Sábios e pedagogos, os sofistas contribuíram muito para o ensino. Formaram um currículo de estudos que foi resgatado no período medieval.

Talvez o que mais escandalizava os seus contemporâneos seja o facto de que eles se faziam pagar pelas suas aulas, muitas vezes exigindo somas muito elevadas aos seus alunos e, por isso, Sócrates acusava-os de prostituição. <…>

Ensinavam a arte de argumentar e persuadir, indispensável para exercer a cidadania numa democracia directa. Também davam aulas de retórica, que consistia em defender e a atacar com argumentos de igual força o mesmo assunto. Isso dava impressão de serem egoístas e sem credibilidade moral. Isto era reforçado pela sua afirmação cívica da lei do mais forte, o que parece que leva à instituição da democracia como um espaço político onde predominaria a lei da selva: os mais poderosos vencem sempre os mais fracos. Mas talvez o que os sofistas fizeram foi demonstrar que o poder da argumentação se sobrepõe a qualquer tipo de imposição dogmática, o que terá contribuído para o desenvolvimento da racionalidade em áreas que ficariam por explorar se a esfera pública ficasse inteiramente entregue a filósofos como Platão que, como ficou bem patente na sua obra A República, era contra a democracia.

É graças aos sofistas que o ‘povo’, enquanto auditório a que se dirigiam os seus discursos, ganhou consciência de si, dando origem a algo que hoje denominamos como opinião pública. (Texto adaptado)

| http://minhafilosofia.blogspot.com/2009/06/socrates-e-os-sofistas.html (Este site não deve ser consultado devido à fraca qualidade da escrita).



Texto 5

“Os sofistas preocupavam-se, não com os valores que constituem a humanidade da conduta humana, mas com a utilidade da sua doutrina e da sua técnica para os indivíduos, especialmente na vida política.<…>

A existência da escolaridade depende do livro, e o seu uso tornara-se vulgar durante o século V, especialmente através dos escritos dos sofistas. A literatura grega anterior tinha por base a tradição oral, tendo que ser recitada e escutada.

As suas várias actividades no campo da literatura foram baseadas apenas na observação e experiências práticas. Não pode existir qualquer dúvida acerca da sua própria eficiência e no seu entusiasmo em esclarecer outras mentes. Eles deram uma contribuição decisiva para o desenvolvimento do livro, de cuja emergência e existência a escolaridade dependeu. <…>

A virtuosidade retórica teve como resultado imediato as suas análises da linguagem e os seus estudos "críticos" da literatura. O seu amor genuíno pela linguagem influenciou gerações que começaram pesquisas mais sérias. Finalmente, se tiveram que acumular uma vasta sabedoria para as suas próprias performances e para a instrução de alunos, tais colecções tornaram-se sugestivas para estudos posteriores. Mas todos os seus esforços, consideráveis como foram, tiveram um carácter mais ou menos arbitrário e casual.”

|Rudolf Pfeiffer, “Os sofistas, seus contemporâneos e alunos nos séculos V e IV”.


A importância dos Sofistas

Contas feitas, depois de dois milénios e meio, damo-nos conta que o nosso mundo actual está muito próximo da visão do homem e da vida dos Sofistas. Hoje nas sociedades mais avançadas, marcadas pelo multiculturalismo e pelo acelerado processo de mundialização, acentuado pelo desenvolvimento da Internet e dos outros meios de comunicação, vive-se um relativismo muito próximo daquele que esteve na base da prática dos grandes mestres da sofística antiga.
Por outro lado, há uma valorização crescente da persuasão, por via da publicidade e do marketing político. As democracias ocidentais assumem-se como regimes políticos abertos, capazes de incorporarem reformas profundas das suas instituições, sem o recurso à violência, estabelecidas com base no consenso obtido através da argumentação persuasiva.
A palavra é de novo rainha, não a palavra entendida como um oráculo divino, mas a palavra instrumento de comunicação e veículo de ideias partilháveis, mobilizadoras em termos políticos. A opinião pública é um dos esteios da democracia - trata-se da Doxa reabilitada como importante meio de agregação social que garante, ao mesmo tempo, a coesão social e, também, se torna um dos alvos do discurso político e da acção política. O que coloca a liberdade de expressão como um dos valores mais importantes das democracias modernas.
No entanto, não vivemos num mundo perfeito: existem inúmeros dispositivos de manipulação da opinião pública e da adesão dos cidadãos a crenças e valores dependentes de interesses que lhes são alheios, ou que estão ligados a estratégias de poder que, em si, não têm nada de democrático.
Os cidadãos só poderão estar a salvo destes mecanismos de manipulação se tiverem ferramentas conceptuais que lhes permitam desmontá-los e entender as suas dinâmicas internas. Para isso há que apostar na educação, as pessoas devem desenvolver a sua razão, duma forma livre, criativa e crítica, para poderem ser agentes duma soberania democrática consciente e responsável.
Por estas razões só nas últimas décadas se começou a olhar os sofistas sem os preconceitos nascidos da ofensiva que contra eles foi lançada por Platão. Platão responsabilizou-os pela condenação à morte de Sócrates, o seu mestre e procurou defender a Filosofia como alternativa à sofística, encarada como uma prática sem ética e sem qualquer preocupação com a verdade.
Sócrates, contudo, não deixou de esgrimir as armas retóricas que os sofistas levaram a uma perfeição nunca ante vista, sem os sofistas Sócrates não teria existido.
Sócrates trouxe a filosofia para o centro da cidade (Pólis), tendo destruído os muros das escolas, algumas delas completamente fechadas à sociedade circundante - como é o caso da escola pitagórica - assumiu-se, enquanto filósofo, como um 'moscardo' que tinha como missão libertar os seus concidadãos da sua ignorância. Se tomarmos a alegoria da caverna como um roteiro do projecto socrático, podemos ver que Sócrates tinha uma intenção subversiva aos olhos dos que tomavam a sociedade como o esteio da vida humana.
Os sofistas não viviam nas nuvens - essa era a imagem recorrente que os gregos comuns colavam ao 'ofício' de 'filósofo' - eles acreditavam na solidez das instituições sociais e na densidade antropológica da cultura (Paideia) que era o verdadeiro cimento da Pólis.
O que Sócrates procurou foi secundarizar a cultura da cidade e torná-la dependente dum conjunto de valores universais, que seriam a base inabalável de um saber fundamental, propiciador de uma verdade não sujeita à volatilidade das paixões humanas. Na verdade estamos a falar do Sócrates de Platão, um Sócrates algo divinizado, transformado num modelo de filósofo que acabou por se tornar dominante na civilização ocidental. Mas podemos compreender que aos olhos dos seus contemporâneos Sócrates não tenha passado dum iconoclasta que pretendia destruir os alicerces da Pólis, a sua Cultura, sem ter nada na manga que os substituísse. Daí a sensação de perigo que a sua acção terá suscitado nos atenienses que o condenaram à morte. Talvez Sócrates, depois de morto, tenha sido elevado à condição de filósofo-modelo por ter vivido como o mais exímio dos sofistas.
Mas mesmo que esses valores existissem, a proposta socrática acabaria por tomar a forma de uma profunda revolução social, dado que os estatutos e os papéis sociais em uso corrente na Atenas daquele período dependiam do sistema de valores que davam sentido à vida na Pólis.
Os sofistas, por seu lado, reforçavam essa estrutura social, ao garantirem que o discurso pudesse ser submetido a um controlo social: o jogo da persuasão não envolve os valores fundamentais, uma vez que estes estão reduzidos ao mínimo que garante a coesão social. Mas isto não impedia a sociedade ateniense de ser sacudida ciclicamente por violentas convulsões políticas.
E é isso que leva Platão a defender um ideal de sociedade que não tem nada de democrático - Karl Popper defende na sua obra A sociedade aberta e os seus inimigos que Platão é um dos principais teóricos do totalitarismo que desembocou, no século XX nos regimes nazi e soviético.
Os sofistas são defensores de uma concepção de educação que hoje ainda nos é muito cara: a ideia de que há uma cultura geral agregadora dos homens numa comunidade que ultrapassa em muito os muros da Cidade e que permite não só uma convivência social entre iguais, mas também, uma abertura à diferença, encarada como constitutiva do ser humano, encarado com o uma individualidade que se compreende como portadora de um interesse auto-centrado que, sem colidir com o interesse geral ou grupal, se constitui como um foco dinamizador da acção social e da vida comunitária. Dito por outras palavras: os sofistas são talvez os primeiros defensores da radicalidade ontológica do indivíduo.


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Os Sofistas




Para além de formar o homem, a educação deve, sobretudo, formar o cidadão. A finalidade cívica da educação passa, claramente, a primeiro plano. É originariamente grega a ideia, tão actual, de que a educação é a preparação para a cidadania.


Habitante da Pólis, o homem só é o que é porque vive na cidade e sem ela não é nada. E o que diz respeito à cidade, é comum, isto é, afecta a todos enquanto comunidade e afecta cada um enquanto cidadão ou membro dessa comunidade. Neste sentido, é evidente que, antes de mais, o homem é um político (zoon politikon), como bem o captou Aristóteles, distinguindo-o, assim, do animal pela sua qualidade de cidadão; e o Biós politikos, que é a forma própria e sublime da vida do homem como habitante da pólis.


A consciência da cidadania desde cedo faz sentir a necessidade de uma nova educação, uma vez que, a antiga educação, com o seu receituário básico, simples e elementar de ginástica e música, não servia para a formação do cidadão, nem correspondia às novas necessidades individuais nem às novas exigências sociais e políticas.


Politicamente, a forma democrática de organização do Estado foi a forma de governo escolhida pela Cidade-Estado de Atenas. Ora, no estado democrático ateniense, a exigência de todos os indivíduos enquanto homens livres, ou seja, cidadãos, participarem activamente no Estado e na vida pública são deveres cívicos, e assim a participação nas assembleias torna-se indispensável. Neste contexto, compreende-se que tenha surgido uma nova estirpe de "educadores", os sofistas - com o estrondoso sucesso que se lhes conhece - que se apresentam como professores no sentido actual do termo, (os primeiros professores da história) e que oferecem, a troco de dinheiro (só por curiosidade, Protágoras pedia dez mil dracmas pelos seus serviços!... Note-se que uma dracma representava o salário diário de um operário qualificado...) o ensino da "virtude", o ensino da aretê política ou, como também lhe chamam os sofistas, a technê política (technê, em grego, significa técnica, ofício, habilidade, arte, ciência aplicada).


Os sofistas convertem, pois, a educação numa técnica ou numa arte, na qual eles são mestres e, por isso, capazes de a transmitirem e de a ensinarem. Assim os jovens, seus alunos, que vierem a dominar a technê política alcançarão, a aretê política.


Mas esta technê política, está em conexão com as finalidades práticas que se propõe - formação de homens de Estado e de dirigentes da vida pública - e vai conduzir à valorização do homem (cidadão individualmente considerado) e vai orientar-se num sentido amoral ou mesmo imoral. Os seus contemporâneos vão acusar os sofistas de imoralidade.


Deste modo, um homem situado no coração da pólis, quer vencer na vida política, quer fazer valer os seus interesses ou as suas convicções, quer ganhar um lugar de destaque, quer ser eleito para cargos públicos, quer ser governante e aceder ao poder. Para isso, para ter êxito político, precisa de saber falar bem, de encantar o auditório, de construir discursos persuasivos, de formular os argumentos que justifiquem e validem as suas posições, fazendo-as prevalecer como as melhores. Precisa, pois, da arte sofística da oratória, da retórica e da dialéctica. Mas porque o que é necessário é ter sucesso na vida pública e política, vencer a todo o custo e a qualquer preço, e isso só é possível convencendo os outros das minhas razões, retórica e dialéctica tornam-se armas potentíssimas que é preciso saber esgrimir com perícia; técnicas cujo domínio permite utilizá-las segundo as nossas conveniências, mas técnicas que se podem aplicar a qualquer conteúdo. Ora, os artífices desta técnica são os sofistas, ("Sofistas e oradores são a mesma coisa" PLATÃO, Górgias, 520b), pelo que o Górgias, condenando a retórica que conduz à imoralidade, condena simultaneamente toda a sofística.


Não admira que os sofistas venham a ser acusados de imoralidade, de administrar uma educação perversa e pervertida, de corromper a juventude e de sublevar os valores tradicionais, minando as bases da ordem social e da política estabelecida.


Para saber um pouco mais...


O palco dos sofistas? As casas particulares, as aulas improvisadas... Os sofistas viajavam de cidade em cidade à procura de alunos, levando consigo aqueles que já conseguiam arrebanhar. Poderão eles ser considerados pensadores? Talvez apenas pedagogos, educadores dos homens. Por um lado, educadores do espírito pela transmissão de um saber enciclopédico; por outro, a formação do espírito nos seus diversos campos. Um grande antagonismo espiritual... "Ao lado da formação meramente formal do entendimento, existiu igualmente nos sofistas uma educação formal no mais alto sentido da palavra, a qual não consistia já numa estruturação do entendimento e da linguagem, mas partia da totalidade das forças espirituais. É Protágoras quem a representa." Para este sofista, são a poesia e a música as principais forças modeladoras da alma, assim como a gramática, a dialéctica e a retórica. Sempre em busca da conquista de plateias, os sofistas procuravam desenvolver o dom de pronunciar discursos convincentes e oportunos, usando palavras decisivas e bem fundamentadas.


Os sofistas vinculam-se à tradição educativa dos grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, de Simónides a Píndaro. Estes últimos tornaram a poesia no palco de uma discussão intensa sobre educação, ao levarem o problema da possibilidade de ensinar a arete para os seus poemas. Os sofistas fizeram o resto, fornecendo livros dos grandes poetas aos seus discípulos e transportando para o seio da sua prosa artística os mais diversos géneros de poesia moral e interpretando, metodicamente, os grandes poetas, a cujos ensinamentos se vincularam afincadamente. No entanto, esta interpretação era fria, imediata e intemporal. Os sofistas não embebiam o poema em si, mas sim todo o conhecimento que este lhes pudesse transmitir. Para eles, Homero é uma útil enciclopédia, onde figuram regras fulcrais para a vida e todos os conhecimentos humanos, como a construção de carros, as estratégias... "A educação heróica da epopeia e da tragédia é interpretada de um ponto de vista francamente utilitário." Para os sofistas, o uso dos poemas justifica-se pelo facto de estes permitirem alcançar uma pronúncia e dicção correcta das palavras.
Olga Pombo, http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras/links/sofistas.htm

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Sobre a Sofística

“O choque provocado pelos sofistas – sucesso e escândalo – na sociedade ateniense foi profundo. Ele reflecte-se na literatura da época, nomeadamente no teatro de Eurípides e de Aristófanes, que desde os anos 430 para o primeiro e 420 para o segundo põem em cena as múltiplas formas que a arte da palavra assume, maravilhando-se com o poder do discurso e das inovações recentes introduzidas neste domínio, mas denunciando os discursos demasiado hábeis e os professores de subtileza argumentativa, empregando as palavras sophos, sophisma e sophistês. Textos escritos mais tardiamente, mas referindo-se ao mesmo período do último terço do século V, contêm um testemunho semelhante: em particular certos diálogos de Platão, nos quais Sócrates conversa com os principais sofistas sobre retórica, ou tal passagem de Tucídides que faz dizer a Cléon, em 427, que os Atenienses, apaixonados pelas justas de palavras e por argumentos novos, importam os procedimentos dos sofistas para a eloquência deliberativa e transformam esta em política-espectáculo: «gentes dominadas pelo prazer de escutar», são, quando se sentam na assembleia, «semelhantes mais a um público lá instalado para sofistas do que a cidadãos que deliberam sobre a sua cidade» (Tucídides, III, 38, 7). A atracção pedagógica que exerciam os professores de eloquência traduz-se no topos da visita ao sofista, que consiste em mostrar um futuro aluno ansioso por ser aceite pelo mestre e pronto a se lhe entregar com toda a confiança, contanto que ele o ensine a falar (Aristófanes, Nuvens, 427 e ss.; Platão, Protágoras, 312).
A convergência destes textos, tão diferentes nos seus objectivos, atesta a amplitude das inovações introduzidas pelos sofistas. Desde logo, a sofística e a retórica serão ligadas para sempre no pensamento antigo, mesmo se a sofística não se reduz à retórica, mesmo se numerosos oradores se recusam a ser apelidados de sofistas. Platão insiste nisso não sem malícia: a despeito de todas as diferenças que podem ser estabelecidas entre as duas categorias, «sofistas e oradores confundem-se, misturam-se, sobre o mesmo domínio, em torno dos mesmos assuntos» (Górgias, 465 c, 520 a). E de facto, com os sofistas, a palavra constitui-se em disciplina autónoma e teorizada. O objecto «falar» foi isolado e torna-se em si mesmo objecto de reflexão e de arte. Esta arte engloba as teorias sobre a persuasão e sobre os fundamentos filosóficos do discurso, investigações técnicas (no domínio da argumentação e do estilo), um ensino. Os discursos começaram a ser publicados e não apenas pronunciados. O cadinho destas inovações foi Atenas, onde todos os sofistas permaneciam mais ou menos longamente.”

Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité, pp. 34-36.
(Adaptado)


O ensino

“A prática oratória apoiava-se sobre um ensino muito activo. Numerosos eram os mestres de retórica existentes em Atenas, desde os mais reputados aos mais modestos. Numerosas eram as escolas, caracterizadas por níveis diferentes e finalidades diferentes. Podia aprender-se a falar, como disse Platão, seja em vista da «arte» (tekhnê), seja em vista da «educação» (paideia) (Protágoras, 312), quer dizer, seja a fim de fazer da retórica uma profissão, seja de maneira desinteressada, a fim de se instruir e de se cultivar. Os métodos eram certamente variados e em grande parte orais. Pode facilmente imaginar-se que compreendiam lições teóricas, estudos de casos, a aprendizagem de discursos modelos propostos pelo mestre, exercícios práticos de composição, sobre assuntos reais ou fictícios, e ainda justas entre estudantes, sem esquecer o treino do gesto e da voz.
A escola que conhecemos melhor é a de Isócrates [...]. O ciclo de estudos durava até três ou quatro anos. Os estudantes, vindos não apenas da Ática, mas de todo o mundo grego, pagavam honorários elevados e ofereciam presentes, mediante os quais lhes eram propostos dois modos de ensino. Primeiro, sobre o que o mestre chamava as ideiai, palavra muito ampla que designa todas as «formas» do discurso, desde o conteúdo (acusação, elogio, etc.) até às figuras de estilo, passando pelas ideias, os temas e as formas de raciocínio, ou seja, todo o espectro da arte da palavra. Depois a audição de discursos compostos pelo mestre, que eram discutidos e explicados em comum, numa atmosfera de seminário [...]. Para além dos preceitos técnicos, Isócrates considerava fornecer uma formação completa, ao mesmo tempo intelectual e moral, em nome da convicção de que não é possível falar bem sem pensar bem e ser um homem de bem. Realista, até mais não, o mestre sublinhava que a educação não pode tudo e que ela não dá frutos, a menos que encontre um terreno favorável: as lições e os exercícios devem apoiar-se sobre os dons naturais. Os numerosos alunos saídos da escola de Isócrates ilustram o carácter generalista duma educação que formou oradores, escritores (como os historiadores Teopompo e Éforo), cidadãos activos nos negócios públicos e homens políticos importantes, entre os quais o estratego Timóteo, filho de Conon.
O ensino ateniense recorria a textos escritos: discursos-modelos, recolhas de exórdios e de perorações, e sobretudo a esses manuais ou tratados a que chamavam Tekhnai («Artes», subentendido «de retórica»). Os Tekhnai, na maior parte, incidiam sobre o género judiciário; utilitários, forneciam os meios de compor sem esforço um defensor.”

Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité, pp. 60-61.
(Adaptado)


A Retórica

“Esta, dizíamos, é uma arte. Este termo, tradução do grego technè, é ambíguo, e é-o mesmo duplamente. Primeiro, porque designa igualmente bem um saber-fazer espontâneo como uma competência adquirida pelo ensino. Em seguida, porque designa ora uma simples técnica, ora pelo contrário o que na criação ultrapassa a técnica e pertence ao «génio» do criador. Em qual ou em quais destes sentidos se pensa quando se diz que a retórica é uma arte? Em todos.
Em primeiro lugar, existe uma retórica espontânea, uma aptidão para persuadir pela palavra que não é talvez inata — não entremos aqui neste debate —, mas que também não é devida a uma formação específica; e, depois, uma retórica que se ensina, sob o nome, por exemplo, de «técnicas de expressão e de comunicação», e que serve para formar vendedores ou homens políticos, a ensinar-lhes o que outros vendedores, outros homens políticos, parecem saber naturalmente. Quais são os mais eficazes, quais sabem «melhor como preceder»? Sem dúvida os segundos. Mas nos segundos, tal como nos primeiros, encontramos os mesmos procedimentos, intelectuais e afectivos, estes procedimentos que fazem da retórica uma técnica.
Mas trata-se de uma simples técnica? Não, trata-se de bem mais. O verdadeiro orador é um artista no sentido em que descobre argumentos tanto mais eficazes quanto não os esperávamos, figuras de que ninguém teria tido a ideia e que se revelam adequadas; um artista cujos desempenhos não são programáveis e não se impõem senão mais tarde. Les Provinciales de Pascal (sempre ele, mas em retórica é incontornável!) dão um belo exemplo; onde os seus amigos jansenistas esperavam uma argumentação técnica, que não teria deixado de ser enfadonha, Pascal retomou as mesmas ideias sob a forma de um panfleto irónico, eficaz porque claro e divertido, e que ainda nos diz respeito. A arte de persuadir criou bastantes obras-primas.”

Olivier Reboul, Introduction à la rhétorique, p. 6.
(Adaptado)
http://rotasfilosoficas.blogs.sapo.pt/32351.html

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http://sofistas.no.sapo.pt/

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

"O Elogio a Helena" - Um exemplo da arte de discursar de Górgias


“O discurso é um grande e soberano senhor, o qual, por meio de um corpo pequeníssimo e muito subtil, diviníssimas acções opera. É possível, pois, pelas palavras, tanto acalmar o medo e afastar a dor quanto engendrar a alegria e intensificar a compaixão. Mostrarei que assim são estas coisas.
É necessário também mostrar, pela opinião, aos ouvintes: Considero e designo toda a poesia como discurso metrificado: um estremecimento de medo bastante espantado, uma compaixão que provoca lágrimas abundantes, uma saudade nostálgica entra no espírito dos que a ouvem. A alma é afectada (uma afecção que lhe é própria), por meio das palavras, por sucessos e insucessos que concernem a outras coisas e outros seres animados. Mas passemos de um a outro discurso.
Pois os mágicos e sedutores cantos, por meio de palavras, inspirados pelos Deuses, produzem prazer afastando a dor. Pois o poder do mágico canto, que nasce com a opinião da alma, encanta-a, persuade-a e modifica-a por fascinação. Duas artes são descobertas: a fascinação e a magia, que são as instabilidades do espírito e os enganos da opinião.
Quantos persuadiram e persuadem outros tantos a propósito de outras tantas coisas forjando um falso discurso! Se, com efeito, todos, acerca de todas as coisas, tivessem tanto a memória das coisas passadas quanto a noção das coisas presentes, quanto a presciência das coisas futuras, o discurso não seria o mesmo para os que agora não podem facilmente nem lembrar o passado nem examinar o presente, nem predizer o futuro. De modo que os muitos, acerca de muitas coisas, buscam pela alma a opinião conselheira. A opinião (doxa), sendo incerta e inconstante, lança a incertos e inconstantes sucessos os que a ela se confiam.
Com efeito, que motivo impede ter também Helena ido para Tróia, de igual modo, sob a influência das palavras, não agindo de modo espontâneo, do mesmo modo que se fosse abraçada por poderosíssima força? Na verdade, o modo de ser da Persuasão de maneira alguma se parece à necessidade, mas tem o mesmo poder. Pois o discurso persuasivo impele a alma, constrangendo-a tanto a crer nas coisas ditas quanto a concordar com as coisas feitas. Com efeito, aquele que a persuadiu e a constrangeu é injusto, aquela que foi persuadida e constrangida tem uma reputação desonrosa em vão.
[Quanto ao fato de] que a Persuasão, enquanto propriedade do discurso, modela também a alma como quiser, é necessário primeiro observar os discursos dos filósofos que estudam os fenómenos celestes, os quais, descartando uma opinião por preferência a outra opinião por eles engendrada, fazem surgir coisas inacreditáveis e invisíveis aos olhos, por meio da opinião. Em segundo lugar, as necessárias assembleias, nas quais um único discurso, composto por arte, mas não dizendo verdades, encanta e persuade numerosa multidão; em terceiro lugar, os combates dos discursos dos filósofos, nos quais a rapidez do pensamento se apresenta como mudando facilmente a crença da opinião.
A mesma relação tem também a potência do Lógos em relação à boa ordem da alma e a potência dos medicamentos com relação ao estado natural dos corpos, pois do mesmo modo que certos medicamentos expulsam do corpo certos humores, e uns suprimem a doença, outros, a vida, do mesmo modo também, dentre as palavras, umas afligem, outras encantam, outras amedrontam, outras estabelecem confiança nos ouvintes, outras, por meio de sórdida persuasão, envenenam e enganam a alma.
E que se diga: Helena, se foi convencida pelo discurso, não cometeu uma injustiça, mas foi desafortunada.”
|Górgias, “Elogio de Helena” (Excerto)
http://www.paraibaonline.com.br/coluna.php?id=40&nome=O%20Elogio%20de%20Helena

Actividades:

1. A partir duma análise do texto, faça o levantamento das propriedades do discurso persuasivo.
2. Pode afirmar-se, de acordo com Górgias, que a persuasão é uma forma de manipulação? Justifique a sua resposta com base numa interpretação do texto.
3. Górgias considera que a Razão (Lógos) está ligada à Verdade? Justifique.
4. Este texto de Górgias ainda faz sentido nos nossos dias? Porquê?
5. Faça o levantamento de instâncias persuasivas presentes na nossa sociedade.
6. Qual a forma de persuasão que pode ser mais perigosa? Porquê?