Erik Brede |
«Um contrato hipotético não é simplesmente uma forma pálida de um contrato real: não é contrato algum.» Dworkin
«Rawls garante a imparcialidade impondo a ignorância.» J. Wolff
1ª crítica
Uma primeira crítica questiona a justificação de Rawls para exigir que as pessoas escolham em termos de bens primários: liberdade, oportunidades, riqueza, rendimento e bases sociais de auto-estima. Devemos recordar que os bens primários foram introduzidos como consequência da decisão de Rawls de tornar as pessoas ignorantes relativamente à sua concepção de bem. Consequentemente, Rawls teve de postular uma “teoria fraca do bem”, de modo que as pessoas, a partir da posição original, pudessem fazer uma ou outra escolha, pois de outro modo, sem uma concepção do bem, não saberiam o que prefeririam. Rawls pressupõe que as pessoas racionais querem bens primários (e, destes, preferem ter mais do que menos), independentemente do que quiserem da vida. Por conseguinte, Rawls considera que estes bens são neutros no que diz respeito às concepções do bem. Mas a objecção é que estes bens não são neutros. Estes bens são particularmente adequados à vida nas economias capitalistas modernas, assentes no lucro, nos salários e nas trocas. Todavia, poderia certamente haver formas de vida não comerciais, mais comunais, e, portanto, com concepções de bem nas quais a riqueza e o rendimento ― e mesmo a liberdade e a oportunidade ― desempenhariam papéis menos importantes. Assim, prossegue a objecção, a posição original de Rawls é parcial, favorecendo uma organização económica e individualista da sociedade e ignorando a importância que os bens não económicos e comunais poderiam ter nas vidas das pessoas.
2ª crítica
Uma segunda crítica centra-se no facto de Rawls desejar tornar as partes contratantes ignorantes relativamente às suas qualidades naturais e sociais. Rawls afirma que a posse de qualidades naturais e sociais é “arbitrária de um ponto de vista moral”. Ninguém merece a força, a inteligência ou a beleza que possui, ou ter nascido numa família rica ou culta, e, portanto, ninguém merece beneficiar com estes acasos do nacimento. Esta convicção, então, é traduzida na ignorância que as pessoas que se encontram na posição original têm sobre estes factores.
Mas estará isto certo? Muitas pessoas opor-se-iam à ideia de que nunca merecemos o benefício retirado da utilização dos nossos talentos. Em particular, se alguém trabalhou arduamente para desenvolver um talento ou capacidade que passa a ser usado com sucesso, aceitamos frequentemente que essa pessoa merece uma recompensa pelo esforço. Mas Rawls afirma que mesmo a capacidade de fazer esse esforço, ou de lutar conscientemente para alcançar um objectivo, é de tal modo influenciada pelos factores sociais e naturais alheios ao controlo individual, que não se pode sequer dizer que os talentos desenvolvidos merecem uma recompensa.
3ª crítica
Alguns críticos consideram que os dois princípios de justiça de rawls são inconsistentes. Mais especificamente, afirmam que não é possível abraçar consistente e simultaneamente o Princípio da Liberdade o e Princípio da Diferença. Este tipo de argumento é apresentado de duas formas diferentes.
i) A primeira forma defende que, se queremos equiparar a liberdade, temos também de tornar igual a propriedade ― pois parece óbvio que os ricos conseguem fazer mais que os pobres e, portanto, ter maior liberdade. Assim, o Princípio da Diferença permite a existência de desigualdades de liberdade, entrando em contradição com o Princípio da Liberdade.
ii) A segunda forma sustenta que dar liberdade às pessoas implica não podermos impor restrições às posses individuais de propriedade. Limitar a quantidade de propriedade que as pessoas podem adquirir e aquilo que podem fazer com ela é uma forma de restringir a liberdade individual. Um respeito conveniente da liberdade elimina o Princípio da Diferença.
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A crítica de Nozick à teoria da justiça de Rawls
Robert Nozick, no livro “Anarquia, Estado e Utopia” (nomeadamente no sétimo capítulo), faz uma das mais consistentes críticas à teoria da justiça de John Rawls.
Um dos mais famosos argumentos que Nozick concebe é o de Wilt Chamberlain que serve para criticar, mais precisamente, o princípio da diferença de Rawls e outros princípios da justiça padronizados e finalistas. Na página 206 da versão portuguesa, Nozick diz que “a lição ilustrada pelo exemplo de Wilt Chamberlain (…) é que nenhum princípio finalista ou princípio distributivo padronizado de justiça [como o princípio da diferença] pode ser continuadamente realizado sem interferir continuadamente na vida das pessoas”.
Ou seja, para se conseguir manter um princípio padronizado de justiça será preciso violar a liberdade individual e os direitos de propriedade. O seguinte esquema poderá ajudar melhor à compreensão desta crítica de Nozick:
Para saber mais:
Nozick, Robert (2009). Anarquia, Estado e Utopia. Tradução de Vitor Guerreiro. Lisboa: Edições 70.
Rosas, João Cardoso (2009). “A concepção de estado de Nozick”, in Crítica,http://criticanarede.com/html/nozick.html.
Rosas, João Cardoso (org.) (2008). Manual de Filosofia Política. Coimbra: Edições Almedina.
Wolff, Jonathan (2004). Introdução à Filosofia Política. Lisboa: Gradiva.
"Ética, Direito e Política", capítulo 11 do manual A Arte de Pensar: http://aartedepensar.com/acetatos/capitulo11.pdf.
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Para saber mais:
As críticas de Michael Sandel à justiça como equidade
(Este texto é difícil, as críticas de Sandel a Rawls estão resumidas no link seguinte).
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