sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A Filosofia e a Ciência



No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia, sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores da indagação humana. Nesse sentido, os filósofos Tales e Pitágoras eram também geómetras, e Aristóteles escreveu sobre física e astronomia.
Na ordem do saber estipulada por Platão, o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para só então ser capaz de atingir o nível mais alto do saber filosófico.
A partir do século XVII, a revolução metodológica iniciada por Galileu promove a autonomia da ciência e o seu desligamento da filosofia. Pouco a pouco, desse período até o século XX, aparecem as chamadas ciências particulares - física, astronomia, química. biologia, psicologia, sociologia etc. -, delimitando um campo especifico de pesquisa.
Na verdade, o que estava a ocorrer era o nascimento da ciência, como a entendemos modernamente. Com a fragmentação do saber, cada ciência ocupa-se de um objeto especifico: à física cabe investigar o movimento dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações substanciais, e assim por diante. Além da delimitação do objeto da ciência, acrescenta-se o aperfeiçoamento do método científico, fundado sobretudo na experimentação e matematização do real. 
O confronto dos resultados e a sua verificabilidade permitem uniformidade de conclusões e, portanto, objetividade. As afirmações da ciência são chamadas juízos de realidade (ou juízos de facto), já que, de uma forma ou de outra, pretendem mostrar como os fenómenos ocorrem, quais as suas relações e, consequentemente, como prevê-los.
A primeira questão que nos assalta é imaginar o que resta à filosofia se ao longo do tempo foi "esvaziada" do seu conteúdo pelo aparecimento das ciências particulares, tornadas independentes. Ainda mais que, no século XX, até as questões referentes ao homem passam a reivindicar o estatuto de cientificidade, representado pela procura do método das ciências humanas.
Ora, a filosofia continua a tratar da mesma realidade apropriada pelas ciências. Apenas que as ciências se especializam e observam "recortes" do real, enquanto a filosofia nunca renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. A visão da filosofia é de conjunto, ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial, mas sempre sob a perspectiva de conjunto, relacionando cada aspecto com os outros do contexto em que está inserido.
Se a ciência tende cada vez mais para a especialização, a filosofia, no sentido inverso, quer superar a fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à alienação do saber parcelado. Por isso a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo entre as diversas formas do saber e do agir.
O trabalho da filosofia sob esse aspecto é importante e, sem negar o papel do especialista nem o valor da técnica que deriva desse saber, é preciso reconhecer que o saber especializado, sem a devida visão de conjunto, leva à exaltação do "discurso competente” e às consequentes formas de dominação.
A filosofia ainda se distingue da ciência pelo modo como aborda o seu objeto: em todos os setores do conhecimento e da ação, a filosofia está presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e desse agir. Então, por exemplo, se a física ou a química se denominam ciências e usam determinado método, não é da alçada do próprio físico ou do químico saber o que é a ciência, o que distingue esse conhecimento de outros, o que é o método, qual a sua validade, e assim por diante. Eles até podem dedicar-se a esses assuntos, mas, quando o fazem, passam a colocar-se questões filosóficas. O mesmo acontece com o psicólogo ao usar, por exemplo, o conceito de homem livre. Indagar sobre o que é a liberdade é fazer filosofia.
[...] A filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas juízos de valor. O filósofo [...] não vê apenas como é [a realidade humana], mas como deveria ser. Julga o valor da ação humana [em todos os seus horizontes], sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando, introdução à Filosofia. 2ª. São Paulo: Editora Moderna, 1993. 

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