domingo, 16 de outubro de 2016

Interpretação da alegoria da caverna



Platão escreveu esta alegoria há mais de dois mil anos mas ela permanece importante para nós porque nos diz muito sobre o que a filosofia é.

Em primeiro lugar, na alegoria, a filosofia corresponde a uma atividade, a uma viagem que nos deve conduzir do fundo da caverna em direção à luz.

Sendo uma atividade, a filosofia não é um simples conjunto de teorias. É evidente que os filósofos produziram muitas teorias sobre muitas questões fundamentais. Mas não se trata em filosofia de estudá-las para simplesmente as memorizar. Vais estudá-las, em vez disso, para aprender como se faz filosofia. Ao compreenderes como alguns dos melhores filósofos fizeram filosofia, ao considerares os problemas a que tentaram responder com as suas teorias e o modo como construíram essas teorias terás ao teu dispor um instrumento precioso para saber o que é filosofar e para aprenderes a filosofar.
Em segundo lugar, a alegoria da caverna de Platão mostra-nos que a filosofia (sair da caverna e regressar a esta) é uma atividade difícil. Porquê? Porque a viagem que nos faz subir da caverna em direção à luz exterior implica questionar as nossas crenças mais básicas, crenças que nos parecem dados adquiridos e incontestáveis. Mais claramente, é difícil porque ao questionarmos as nossas crenças fundamentais podemos ter de enfrentar a incompreensão dos outros, das pessoas que se satisfazem com ideias feitas. É difícil também porque exige disciplina intelectual, esforço crítico e autocrítico. Vamos por partes.

Dispormo-nos a examinar as nossas crenças mais básicas não é tarefa fácil porque pode fazer-nos chegar a conclusões que a maioria dos membros da sociedade desaprovam e porque exige uma atitude crítica que lança a dúvida sobre o que nos habituámos a considerar verdadeiro. Por exemplo, a filosofia examina as crenças básicas nas quais se apoia a religião quando pergunta:
Será que Deus existe? Que razões temos para acreditar nisso? Há uma vida para além da morte?

Também questiona as ideias fundamentais que constituem os pressupostos das nossas relações sociais ao perguntar:

 O que é uma sociedade justa? Será que devemos obedecer a quem nos governa? O Estado é uma instituição necessária? Estas questões podem ser consideradas como desafios às ideias estabelecidas e falta de respeito pelo que a tradição definiu.
Basta pensares nos problemas que enfrentam os que defendem, por exemplo, a ideia de direitos dos animais.

A atitude filosófica é também difícil porque exige que pensemos criticamente e rigorosamente acerca de crenças fundamentais que nos foram transmitidas e que aceitámos de forma acrítica. Com efeito, em muitos casos adquirimos ideias como quem contrai gripe, por contágio. À semelhança do vírus da gripe, as crenças estabelecidas parecem fazer parte do nosso ambiente e respiramo-las quase sem dar por isso. Assim, as crenças que eram da nossa cultura tornam-se as nossas crenças. Até podem ser verdadeiras e excelentes, mas como havemos de o saber se as interiorizámos de forma acrítica, sem pensar? Ao examinarmos as ideias básicas, nossas e dos outros, que se transformaram em hábitos mentais, devemos como filósofos perguntar:

O que justifica essas crenças? Que razões temos para supor que são verdadeiras? Podemos definir a filosofia como a atividade que critica e rigorosamente examina as razões subjacentes às nossas crenças fundamentais. Sair da caverna é procurar encontrar crenças fundamentais que sejam racionalmente justificadas.

Velasquez, Manuel, Philosophy, A text with readings, Wadsworth, 1999, pp 8-9.

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